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2.3 A trajetória espiritual de Mãe Baixinha até a chegada ao Santo Daime

2.3.1 A aliança entre Mãe Baixinha e Padrinho Sebastião

Com o passar do tempo, muitas pessoas ligadas à religião do Santo Daime passaram a frequentar as reuniões de mesa e Giras realizadas por Baixinha. Em contrapartida muitas pessoas do seu grupo também começaram a frequentar as reuniões do Santo Daime. A partir desse intercâmbio Mãe Baixinha recebeu instruções do seu guia Caboclo Tupinambá sobre o Santo Daime durante reuniões realizadas em sua casa, despertando seu interesse por esta religião. Por volta de 1986, Baixinha participou de seu primeiro rito daimista no Rio de Janeiro, na igreja Rainha do Mar. Na autobiografia de Baixinha relata-se que nesta ocasião, em determinado momento da sessão, Baixinha teria deitado no chão de barriga para baixo e

94 Acredita-se que os cristais sejam dotados de um campo eletromagnético de elevada vibração, sendo bons condutores e catalisadores de energia. Os cristais teriam a capacidade de irradiar essas vibrações influenciando outros campos de energia próximos ao dele. Os diversos tipos de cristais seriam dotados de diferentes propriedades terapêuticas, que variam conforme a forma e composição mineral da pedra.

passado por uma cirurgia espiritual nos rins, recebendo a cura dos problemas renais no qual vinha sofrendo a anos (LÍRIO, 2011, p. 55).

Houve uma aproximação cada vez maior com o Santo Daime, principalmente com as comunidades das igrejas daimistas Céu do Mar, no Rio de Janeiro e Céu da Montanha, em Visconde de Mauá. Alguns daimistas dessas igrejas também começaram a frequentar as reuniões realizadas por Baixinha. Em contrapartida Baixinha e seu grupo foram convidados a realizar Giras periódicas em ambas as localidades. Segundo Lírio (2011, p. 56), a líder da Flor da Montanha chegou a revelar que o Caboclo Tupinambá tinha um trabalho a realizar com os fiéis do Daime no desenvolvimento da mediunidade.

Aos poucos as influências do Santo Daime começaram a aparecer nas reuniões que Baixinha realizava, com a introdução de hinos daimistas nas sessões de mesa branca. Já nessa época, a líder da Flor da Montanha muitas vezes incorporada do seu guia Caboclo Tupinambá, começou a receber hinos do Santo Daime. Baixinha e muitos integrantes do grupo viam no Santo Daime um instrumento sagrado que viria trazer mais clareza e entendimento a respeito dos processos mediúnicos (LÍRIO, 2011). Com isso, ela “se aprofundou no estudo dos fundamentos do Santo Daime, observando atentamente suas relações com o caminho da Umbanda que praticava” e em 1987 se mudou com sua família para a comunidade daimista existente em Visconde de Mauá, vindo a se fardar na igreja Céu da Montanha no ano seguinte (LÍRIO, 2011, p. 57). Durante o tempo que morou na comunidade, Baixinha realizou diversas Giras com o propósito de contribuir para o desenvolvimento mediúnico dos daimistas (LÍRIO, 2011).

A igreja de Mauá contava com um significativo grupo de médiuns e com a chegada de Baixinha para instruir o desenvolvimento mediúnico, houve uma grande evolução no trabalho. Segundo aponta Lírio, na comunidade de Mauá, “foram realizados importantes Trabalhos de Cura, que contribuíram não apenas para a cura propriamente dita, como para a evolução do entendimento e da prática dos estudos espíritas à luz da Umbanda e do Santo Daime” (LÍRIO, 2011, p. 62).

Foi em um desses Trabalhos de Cura na igreja de Visconde de Mauá, ainda em 1987, que a líder da Flor da Montanha conheceu o Padrinho Sebastião, que logo reconheceu o valor do trabalho realizado pela mãe de santo e a possibilidade desta auxilia-lo a dar continuidade no desenvolvimento mediúnico dos adeptos por ele iniciado no Céu do Mapiá a pedido do exu Tranca Rua (ALVES JÚNIOR).

O final da década de 1980 foi um período muito intenso de atividades para Baixinha, pois mesmo morando em Visconde de Mauá, cumprindo o calendário de rituais daimistas da igreja dessa comunidade, ia com frequência ao Rio de Janeiro, onde continuou realizando os trabalhos de mesa com seu grupo original, Giras na igreja carioca Céu do Mar, além de viajar também com frequência para Lumiar. Desde 1980, Baixinha e seu marido haviam adquirido uma propriedade nesta localidade e com um grupo de amigos ligados ao Santo Daime residentes locais, começou a realizar Giras e sessões com Daime. No ano de 1988 o casal se mudou e fixou residência em Lumiar.

Ainda nesse mesmo ano, durante um trabalho na igreja Céu do Mar no Rio de Janeiro, o marido de Baixinha, convidou Padrinho Sebastião e Padrinho Alfredo para comparecerem à uma Gira que seria realizada em Lumiar. Segundo o relato de Marcelo Bernardes, a participação de Padrinho Sebastião nesta Gira foi um momento fundamental para a aproximação do Santo Daime com a Umbanda, em especial para a história da igreja Flor da Montanha.

Eu tava no Céu do Mar num trabalho e estavam lá também o Padrinho Alfredo e o Padrinho Sebastião. Aí, no final do trabalho eu convidei o Padrinho Alfredo e um grupo de fardados pra vir aqui. Eu falei com ele: “Padrinho Alfredo, nós temos um grupo lá em Lumiar, e tamo nos reunindo, tamo tomando Daime e tamo fazendo umas Giras lá e tamo querendo firmar a história com o Daime, servir um Daime na Gira. Se o senhor quiser ir lá e puder, seria um prazer”. E aí, quando ele falou com o Padrinho Sebastião, o padrinho falou: Eu quero ir lá nesse tal de surú. Aí, nós fizemos a Gira e tem a foto. Aí, o Caboclo Tupinambá falou comigo: “pega lá aquele desenho”. Era o desenho de uma igreja. Porque a gente sempre fazia os trabalhos na mata, sujeito a tudo, sujeito a chuva. Ele mostrou pro Padrinho e falou: “isso aqui é uma casa que eu quero fazer pra poder estudar e poder ensinar”. E assim foi que o Padrinho Sebastião abençoou este projeto. E aí, quando acabou a Gira, nós cantamos vários hinários, oração, terminou era quase de manhã [...] Quando a gente recebeu essa missão do Caboclo Tupinambá, de se unir com o Daime, nessa ocasião o Padrinho Alfredo pediu ao Caboclo Tupinambá que fosse servida uma salva de Daime dentro da Gira e a gente passou a despachar Daime na Gira e se tornou extensivo aos irmãos da Umbanda e irmãos visitantes que quiserem conhecer o Daime (Relato de Marcelo Bernardes extraído de vídeogravação dos arquivos da igreja)95.

A Gira com a presença do Padrinho Sebastião, realizada em 1988, foi um evento emblemático, sendo celebrado até hoje como o ponto culminante na história da igreja Flor da

95Em 2014, a cúpula dirigente da igreja, produziu um vídeo comemorativo intitulado “25 anos da aliança entre

o Padrinho Sebastião e o Caboclo Tupinambá”. O vídeo incluiu imagens das Giras realizadas nas matas de

Lumiar no final dos anos 80 e início dos anos 90, bem como imagens do Caboclo Tupinambá dando preleções aos adeptos do grupo.

Montanha. Nesta ocasião Padrinho Sebastião teria instituído oficialmente a abertura para elementos umbandistas na religião do Santo Daime, convidando Baixinha para ir ao Céu do Mapiá realizar uma série de rituais de Gira.

A Baixinha foi chamada duas vezes à convite do Padrinho pra ir ao Mapiá apresentar o trabalho mediúnico dela lá. Na primeira vez que nos fomos estava acontecendo um evento o “Primeiro Encontro das Igrejas”. Isso foi lá pra 89. Nessa ocasião, nos fizemos um trabalho com o hinário do Padrinho o dia inteiro e aí acabou o hinário ele tava no salão aí eu fui até ele tomar a benção e falei: “Padrinho marcaram uma Gira pra agora na mata, são 10 horas da noite, depois de um hinário desse...será que alguém vai?” Aí ele disse: “Já tão te esperando lá meu filho”. Aí nos fomos pra lá e já tinha muita gente; mulheres, homens, crianças, moças, rapazes, a comunidade em peso. Fizeram uma fogueira e rolou a Gira (Entrevista realizada com Marcelo Bernardes: Lumiar, 19 set. 2015).

Padrinho Sebastião convidou também médiuns que residiam em Mauá e que fazia parte do grupo ligado à Mãe Baixinha para irem morar no Céu do Mapiá para começarem a desenvolver um trabalho mediúnico sistemático na comunidade. As médiuns Clara Iura e Maria Alice Freire se mudaram para o Céu do Mapiá e deram continuidade ao trabalho de desenvolvimento mediúnico que o Padrinho Sebastião pretendia para seus seguidores.

Eu cheguei em Mauá por volta de 85, logo depois veio a Baixinha. Aí, a gente viu que tava chegando alguma coisa. A Maria Alice96 e a Clara Iura97 também chegaram nessa época. Foi um chamado, juntou um grupinho que tinha uma ligação muito forte com essa questão mediúnica, lá em Mauá. A Baixinha era a pessoa que tinha mais tempo de estudo com o desenvolvimento mediúnico e foi encabeçando esse desenvolvimento. Nós fomos lá no Mapiá em 1989 abrir as Giras, eu, a Baixinha, a Maria Alice, a Clara. Foi aí que abriu oficialmente a questão com a Umbanda lá. Isso foi no final dos anos oitenta. E depois o Padrinho Sebastião convidou a Maria Alice e a Clara pra irem morar no Mapiá e elas ficaram desenvolvendo esse trabalho lá (Entrevista realizada com Alice: Lumiar, 01 nov. 2014).

Em 1989, a pedido de Padrinho Sebastião, foi aberta uma clareira na mata para que Maria Alice começasse os trabalhos de Gira. Dessa forma, a entrada da Umbanda se deu de

96 Maria Alice Freire é uma médium com muitas habilidades mediúnicas que veio de um contexto umbandista, e se mudou para a comunidade de Mauá se tornando adepta do Santo Daime. Esta veio a ser convidada por Padrinho Sebastião para se mudar para o Céu do Mapiá e dirigir os trabalhos de Gira. Maria Alice também foi uma das responsáveis por desenvolver o sistema terapêutico baseado em tinturas fitoterápicas que se assemelha aos Florais de Bach denominado Florais da Amazônia, que é hoje utilizado por muitos daimistas.

97 Clara Iura é uma descendente de japoneses que chegou a Comunidade de Mauá vinda de vivencias com religiões orientais e Candomblé. É considerada uma médium de grandes capacidades e foi também convidada por Padrinho Sebastião para se mudar para o Céu do Mapiá para auxiliar no desenvolvimento dos daimistas. O Padrinho lhe entregou a responsabilidade de conduzir os Trabalhos de Estrela e a Santa Casa de Misericórdia, que é uma unidade de pronto socorro espiritual que foi construída nessa comunidade daimista.

maneira institucional, criando-se espaços litúrgicos apropriados e estabelecendo-se diretrizes norteadoras para a condução destes ritos. Os trabalhos de Gira tinham como objetivo fazer com que os daimistas aprendessem a trabalhar com a força dos caboclos em prol da caridade espírita, numa perspectiva de cura, iluminação e doutrinação dos seres sofredores (GUSMAN-NETO, 2012).

É interessante notar que nessa época aumentou a quantidade de hinos recebidos por daimistas que faziam referência ao panteão umbandista. Maria Alice Freire fez uma compilação desses hinos juntamente com algumas corimbas de Umbanda, organizando-os num impresso que foi denominado Caderno de Umbandaime98. Ressalta-se que apesar de contar com um espaço institucionalizado dentro da comunidade, as Giras não foram inseridas oficialmente no calendário ritual do Cefluris, sendo a participação em tais ritos facultativa e não obrigatória aos daimistas como os demais ritos.

Mesmo após o fardamento no Santo Daime e a mudança para as proximidades de Lumiar, Baixinha e seu marido continuaram conduzindo trabalhos com seu grupo no Rio de Janeiro e em Visconde de Mauá. No entanto, as Giras que antes aconteciam no Rio, a partir de 1989 passaram a ser realizadas apenas em Lumiar, onde comparecia o grupo carioca e também daimistas da igreja de Mauá que desejavam continuar seus estudos mediúnicos com Baixinha (LÍRIO, 2011).