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No grupo estudado, acredita-se que para desenvolver a sensibilidade mediúnica, primeiramente é necessário o médium se educar no controle do transe e no discernimento dos diferentes tipos de vibração energética que cada entidade traz consigo. Ao conhecer todos os tipos de energias aos quais interage, o médium se torna apto a identificar seus guias e entidades espirituais que o acompanham e aprende a diferenciar as entidades negativas das positivas antes de permitir a incorporação. Quando o médium chega a esse nível de discernimento e controle do transe, ele passa a escolher o momento adequado para a ocorrência do fenômeno, bem como o tipo de entidade a que permitirá incorporar em seu aparelho.

Na Flor da Montanha, os médiuns mais antigos instruem os neófitos a cultivar a mediunidade com paciência e discernimento, primeiramente se empenhando em conhecer e diferenciar a energia vibratória das entidades que os acompanham, sabendo seu nome e identidade antes de darem passagem a incorporação, evitando assim a ocorrência de manifestações de zombeteiros.

A ocorrência dessas manifestações além de prejudiciais para os objetivos do rito e para a saúde do médium podem ainda denunciar a imprudência e inexperiência do médium:

A gente não pode começar a sentir qualquer coisa e atuar. A gente primeiro tem que ver o que é aquilo. Então, tem que primeiro aprofundar no entendimento daquela energia. Pra não ir dando passagem pra qualquer

energia que aparece. Senão, o médium fica fazendo um monte de movimento que ele nem sabe pra quê ou que entidade que é. Então, é melhor aprofundar o contato com a entidade antes de ir dando passagem pra incorporação. Saber quem é aquele ser, se ele tem nome. Senão, pode vir qualquer coisa e o médium já começa atuar sem saber nem o que é. Se esse ser tá vindo mesmo é ajudar ou é só uma energia conturbada que achou um médium desatento que começa a atuar aquilo sem nenhum propósito de ajudar no trabalho. Ao contrario acaba é atrapalhando. Então, tem que apurar, e essa apuração é um processo que passa pelo autoconhecimento e pela diminuição do nosso ego (Entrevista realizada com Alice: Lumiar, 29 mai. 2015).

A religião daimista através do intercâmbio entre várias formas de religiosidade permite uma articulação de significados e imaginário compartilhado que abre espaço em seus ritos para a interação com entidades pertencentes a diferentes panteões religiosos. Em decorrência disso, o processo de desenvolvimento mediúnico se torna ainda mais complexo, pois o trabalho mediúnico assume nuances diversas dependendo do tipo de entidade que se apresenta nas diferentes circunstancias do rito, exigindo do médium maior discernimento e preparação.

Segundo esta daimista:

A egrégora136 do Santo Daime é bem variada. O Santo Daime tem a força dos caboclos, tem a força dos pretos velhos, tem criança, tem exú, tem os seres da natureza, os elementais, tem a linha do oriente, tem os médicos kardecistas, tem os mestres ascencionados137, tem seres até de outras galáxias. Então é muita força espiritual que tá disponível na nossa religião. Mas os aparelhos tem que se alinhar pra aprender a trabalhar com essa força. Tem muita coisa pra aprimorar, pra estudar. [...] Cada um no nível que tá, tá aprendendo alguma coisa. As diferenças que eu percebo é que uns são mais esforçados (Entrevista realizada com Lúcia: Saquarema, 03 out. 2015).

Conhecer suas entidades guias é um requisito muito importante dentro do processo de desenvolvimento mediúnico na Flor da Montanha. Geralmente nos ritos como as Giras e Mensageiros da Cura, o médium tem a oportunidade de se comunicar com seu guia, de forma telepática. Quando a entidade se apresenta como um guia e revela seu nome ao médium, ela deixa de ser considerada uma força descontrolada e temida, passando a ser conhecida e vista como uma aliada no trabalho espiritual (GUIMARÃES, 1992; MONTERO, 1985). De acordo com Montero:

136 Égregóra é a expressão utilizada pelo grupo para designar o grupo de entidades que guiam os trabalhos espirituais daquela religião no plano astral.

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Nos ritos do Santo Daime alguns médiuns têm identificado a presença de entidades espirituais ligadas aos Mestres Ascencionados da Grande Fraternidade Branca e seres intergalácticos de outros planetas, que pertencem ao conjunto de crenças de grupos espiritualistas ligados a Teosofia e ao Movimento Nova Era.

A nomeação aparece como uma atividade simbólica que ordena o universo das entidades sobrenaturais: o mal é domesticado quando recebe um nome, isto é, quando lhe é dado um lugar e uma função bem determinada. As entidades sem nome são temidas porque desconhecidas: não se sabe sua natureza, suas intenções, sua força. [...] Tudo se passa como se, ao nomear os espíritos, o sujeito se visse repentinamente liberado de sua relação privada com suas próprias projeções: o ritual codifica a experiência pessoal da desordem numa linguagem produzida socialmente (MONTERO,1985, p. 161).

O ato da nomeação das entidades reduz a possibilidade de que possa haver a manifestação de conteúdos psíquicos do médium, ou dos já mencionados conteúdos catárticos liberados com a ajuda do Daime. Assim, a nomeação também comporta uma dimensão social, pois através dela o trabalho mediúnico do médium adquire maior credibilidade, indicando um real acesso a divindade e um patamar mais elevado de desenvolvimento.

Após o ato da nomeação, na medida em que o médium vai aprimorando o trabalho mediúnico com seu guia, pode acontecer em alguns casos, o recebimento do ponto riscado e do ponto cantado da entidade como já mencionamos anteriormente. No discurso daimista, depois de conhecer suas entidades pelo nome, o médium deve aprender a identificar o tipo de trabalho realizado pela entidade, bem como os tipos de gestos e movimentos que são sua assinatura. Estes gestos e movimentos simbólicos são portadores de significados, cuja interpretação também depende do grau de desenvolvimento do médium e grau de sintonia com a entidade.

De acordo com esta médium:

O desenvolvimento mediúnico é como qualquer outra coisa que você faz na sua vida. Pra aprender a tocar violão você tem que exercitar bastante. Então a pessoa tem que tá em exercício com a mediunidade. Tem que tá dando passagem pra entidade, tem que tá trabalhando com a entidade, porque aí vai havendo essa afinação entre o médium e as entidades que ele traz consigo. Ali o médium começa a identificar quem são essas entidades. Aí ele começa a perceber o grau de vibração de cada uma. Qual é a função de cada uma, qual é o objetivo daquela entidade, a missão de cada um ali, nas várias linhas. Só o tempo, paciência e trabalho. Muito trabalho (Entrevista realizada com Marisa: Lumiar, 27 mar. 2015).

Como já mencionado anteriormente, na visão daimista, os espíritos se manifestam através de linguagens e aparências simbólicas que possam ser compreensíveis para o médium. As falanges de espíritos se referem a agrupamentos de espíritos por semelhanças como qualidades específicas ou vibrações e também podem se apresentar por agrupamentos étnicos

como povos indígenas, ciganos ou povos do oriente ou por agrupamentos identificados por ocupações profissionais como a falange dos médicos (ESPÍRITO SANTO, 2014).

De acordo com os adeptos, faz parte do desenvolvimento mediúnico aprender a reconhecer e identificar a vibração energética de cada falange de espíritos por meio de sensações fisiológicas e percepções produzidas no corpo físico e na mente como arrepios, calafrios, sensação de força, vitalidade ou ser inundado por luzes, sentimentos de amor, compaixão, alegria, insights a respeitos de determinados métodos e práticas curativas (ESPÍRITO SANTO, 2014).

A respeito da identificação das entidades, este entrevistado tem o seguinte a dizer:

Você vai aprendendo a distinguir uma vibração de outra, daquilo que você tá sentindo em você. Uma entidade mais evoluída por exemplo, ela não vem gritando, ela não vem xingando, ela vem calmamente, ela fala de forma calma e ela traz uma sensação boa pra gente, porque ela faz você sentir um amor muito grande dentro de você. O meu preto-velho, por exemplo, quando ele tá comigo, eu sinto o meu coração enorme, muitas vezes eu até choro. Você pode ver que as minhas entidades por exemplo, toda vez que chega uma pessoa, elas abraçam. Só de abraçar, aquela coisa boa que o guia tem, ele passa pra pessoa (Entrevista realizada com Eduardo: Lumiar, 04 jul. 2015).

Como podemos perceber, o desenvolvimento mediúnico na Flor da Montanha é um processo que exige do médium uma percepção aguçada para saber interpretar os sinais específicos e diferenciar as energias de cada entidade. O contato com os diferentes tipos de espírito comporta diferentes nuances fenomenológicas que vão sendo aprendidas na prática mediúnica. Segundo os adeptos, o processo de aprendizagem não ocorre de forma teórica, mas de forma intuitiva concomitantemente a prática, requerendo muitos anos de treinamento e participação contínua nos rituais.