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A estratégia da pesquisa foi realizar entrevistas com indivíduos que vivenciam o fenômeno da incorporação no âmbito da sua própria subjetividade e corporeidade. Ao longo das observações participantes nos rituais da igreja Flor da Montanha, busquei observar os indivíduos que vivenciam transes de incorporação, sendo a seleção dos entrevistados feita levando-se em conta essas observações. Dessa forma, foram escolhidos sete participantes para a pesquisa, mediante os seguintes critérios: 1) ser médium que vivencia o transe de incorporação; 2) ser fardado no Santo Daime e participante ativo dos ritos; 3) tempo de experiência como médium; 4) tempo como adepto na igreja Flor da Montanha.

Devido ao foco da pesquisa ser qualitativo, o que implica na priorização da qualidade das informações obtidas nas entrevistas, escolhi os médiuns mais antigos da igreja, aqueles que acompanham o trabalho de Mãe Baixinha com o Santo Daime desde o início em Lumiar. Acredito que este fator contribui para a credibilidade das informações, bem como para uma visão mais aprofundada do fenômeno investigado, pois o tempo de desenvolvimento mediúnico tem implicações na qualidade dos dados obtidos. Médiuns principiantes podem ainda ter muitas dúvidas e receios com relação a suas vivencias, questões que ocorrem em menor frequência com veteranos (MOREIRA ALMEIDA, 2004).

Os médiuns entrevistados não apresentaram ressalvas com relação a sua identificação no trabalho, no entanto optei por identifica-los nas transcrições das falas por nomes fictícios para preservar suas identidades. Assim, foram escolhidos nomes aleatórios para cada um dos sete médiuns.

As entrevistas foram realizadas com quatro indivíduos do sexo feminino e três do sexo masculino. A faixa etária desses médiuns está compreendida entre 50 a 66 anos, sendo todos eles fardados no Santo Daime a mais de 25 anos.

Tabela 1

Entrevistado Sexo Idade Profissão Tempo de

adesão ao Santo Daime

Religião anterior

Eduardo masculino 56 anos autônomo 30 anos Umbanda

Marisa feminino 50 anos autônoma 26 anos nenhuma Paulo masculino 65 anos acupunturista 28 anos nenhuma

Elisa feminino 57 anos ex-bancária aposentada

31 anos Kardecismo Marcos masculino 53 anos terapeuta

holístico

30 anos Umbanda

Lúcia feminino 66 anos autônoma 32 anos Kardecismo

Alice e Marcos acompanham Baixinha desde o início dos anos 80 e fizeram parte do grupo original no Rio de Janeiro. Paulo90 e Eduardo começaram a seguir Baixinha no fim dos anos 80 quando o grupo em Lumiar ainda era chamado Cabana Lua Branca. Marisa, Elisa e Lúcia fazem parte do grupo de Baixinha desde o início dos anos 90. Quatro deles são integrantes da cúpula dirigente da igreja. Cinco deles já estão em desenvolvimento mediúnico a mais de trinta anos, sendo cientes de sua mediunidade antes de se tornarem adeptos do Santo Daime. Dois deles tiveram conhecimento de sua mediunidade apenas após se tornar adepto do Santo Daime, pois apesar de vivenciar fenômenos mediúnicos anteriormente eles não significavam como tal, muitas vezes atribuindo esses fenômenos a distúrbios psiquiátricos. Um dos entrevistados de nacionalidade americana alegou que apesar das vivencias mediúnicas estarem presentes em estágios anteriores de sua vida, ele não significava como tal, pois mediunidade é um conceito que não fazia parte do seu contexto social e do seu repertório de crenças.

Todos os sete médiuns entrevistados apresentam mais de um tipo de mediunidade, sendo a incorporação de entidades a principal delas. As modalidades mediúnicas secundárias mais comuns apresentadas por esses médiuns foram clarividência, clariaudiência, psicografia, psicomusicografia e intuição ou capacidade de receber informações de fonte externa através de pensamentos, que eles também consideram como um tipo de mediunidade.

As entrevistas semiestruturadas, foram realizadas fazendo uso de diário de campo, gravador e um roteiro previamente elaborado, contemplando perguntas e tópicos temáticos de discussão. As entrevistas foram realizadas num tempo médio de três horas cada. Houveram

90

Este entrevistado reside no Estados Unidos e é dirigente de uma igreja do Santo Daime no estado do Oregon. Ele se tornou seguidor de Mãe Baixinha no final dos anos oitenta, se tornando desde então uma pessoa muito próxima a ela. Paulo, juntamente com Baixinha e o psiquiatra José Rosa desenvolveram no final da década de 80, workshops vivenciais de cura e autoconhecimento com Santo Daime. Desde então, ele continuou realizando estes workshops e vem duas vezes por ano a Lumiar trazendo um grupo de daimistas americanos para participarem de rituais na igreja Flor da Montanha. Ele é considerado um legatário do trabalho de Mãe Baixinha e responsável por disseminar o estudo mediúnico dentro do Santo Daime nos Estados Unidos. Ele foi selecionado para participar da pesquisa, por ser um médium que goza de muita credibilidade no âmbito do grupo da Flor da Montanha e por conta de sua proximidade com Mãe Baixinha.

casos em que, mediante a disponibilidade de duas entrevistadas, foram realizadas duas entrevistas em dias diferentes.

Os questionamentos levantados nas observações de campo serviram de parâmetros norteadores para o delineamento das entrevistas, que continham perguntas e tópicos organizados por pontos temáticos que eram abordados de forma linear. Foi permitida uma flexibilidade com relação ao andamento da pesquisa, pois os médiuns podiam falar livremente sobre o tema abordado sem ter que responder de forma focal uma pergunta fixa podendo se estender no assunto, explicando detalhadamente e dando exemplos de vivencias próprias. As entrevistas foram conduzidas de forma bem flexível, podendo ser encaminhadas para tópicos que extrapolavam o escopo de perguntas propostas inicialmente. A abordagem mais livre e indireta permitiu aos entrevistados falar sobre coisas que abrangiam a temática de estudo para pontos que eu nem havia pensado em abordar, mas que se mostraram essenciais para a compressão mais ampla do fenômeno investigado.

As entrevistas foram realizadas nas residências dos entrevistados, exceto o entrevistado americano. Enfrentei dificuldades com relação ao acesso aos locais, pois nenhum deles residia no perímetro urbano de Lumiar, mas sim em áreas rurais nos arredores do pequeno município. Em duas ocasiões tive que me deslocar para outros distritos onde residiam duas entrevistadas, uma em Barra do Sana a 30 quilômetros de Lumiar e outra em Saquarema a 134 quilômetros de Lumiar. A igreja propriamente dita se localiza a aproximadamente 8 quilômetros da cidade de Lumiar, no inicio de uma pequena estrada de terra de 5 quilômetros, que leva a Macaé de Cima, e muitos dos frequentadores moram em áreas rurais num perímetro de até vários quilômetros de distancia da igreja, ou mesmo em outros pequenos distritos próximos.

O que foi destacado no corpo da dissertação teve por base as informações colhidas nas entrevistas, nas observações diretas, e nas conversas informais com os adeptos buscando-se preservar o que pude deduzir das crenças comuns do grupo investigado.

A seguir, aprofundarei aspectos relevantes a respeito da igreja Flor da Montanha e da trajetória espiritual de sua fundadora Mãe Baixinha. Destaco que algumas informações contidas nas próximas sessões da dissertação estão contidas no livro autobiográfico de Mãe Baixinha intitulado, Baixinha: biografia e ensinamentos de uma operária da fé de 2011.

Infelizmente como colocado anteriormente, eu não pude entrevistar Mãe Baixinha, mas a leitura de sua autobiografia permitiu aprofundar a compreensão de sua trajetória e do grupo por ela fundado. A seguir se entenderá um pouco mais como os intricados caminhos da

religiosidade convergiram para que esta mãe de santo se tornasse a fundadora de uma igreja do Santo Daime e como seus conhecimentos tem servido para o aprimoramento mediúnico dos daimistas.

Acredito que para compreendermos melhor a história do grupo, dentro do contexto do Santo Daime, se faz necessário fazermos primeiramente um apanhado da biografia de sua fundadora, Mãe Baixinha. Os fatos da biografia de Baixinha auxiliarão na compreensão da história da igreja Flor da Montanha, e facilitarão o entendimento de como se deu a inserção do trabalho mediúnico de cunho umbandista no contexto simbólico-ritual deste grupo daimista.