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Desde o final da década de 1920, a Igreja opta por sair da disputa política em seu sentido estrito – em troca da estabilização de seu relacionamento com o Estado, via a

126 Editorial. “Espanha demagógica”. A Ordem, set/1931, pp. 131-132.

127 “Nós queremos, realmente, que o católico, tanto na sua inteligência quanto na sua fé, afirme a virilidade do seu caráter e as virtudes heróicas de que é herdeiro com sucessor legítimo de santos e de mártires. Nós, realmente, contrapomos à fórmula hipócrita, ilógica e egoísta do ‘quem não é contra mim é por mim’, a fórmula imposta pelo próprio Jesus Cristo, segundo o testemunho dos Evangelhos, do ‘quem não é por mim é contra mim.’ Nosso crime, sem dúvida, é o de aspirar a que a doutrina católica, por isso mesmo que católica, totalista, influa na vida intelectual e moral dos seus adeptos, do mesmo modo que atua na sua vida sentimental”. Registro. “Saudosismo religioso”. A Ordem, out/1931, p. 151.

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política de concordatas de Pio XI –, e direciona suas energias para a Ação Católica. Essa política significava um aval à diversidade da ação política dos católicos, afirmação da justa liberdade de posicionamento dos fiéis no espectro político – no limite de não colocar em risco a liberdade da Igreja –,129 medida essa que era determinada exclusivamente pela hierarquia, em uma afirmação de seu lugar. A desautorização daqueles que ultrapassassem a linha não se restringia aos católicos que demonstrassem conivência ou simpatia com regimes hostis à Igreja. A atitude de crítica a regimes amistosos em relação à Igreja também era medida. Se a concordata com Mussolini significou o sacrifício do Partido Popular, e a concordata com Hitler, o sacrifício do Centro alemão, no Brasil a aproximação com Vargas implicou no silenciamento de Sobral Pinto que, desde o início de 1931 em sua coluna em A Ordem, “Crônica política”, sistematicamente criticava medidas e membros do governo provisório, muito em razão de sua filiação política ao “bernardismo”.130

129 “A reivindicação da ‘liberdade da Igreja’ nas concordatas se apóia sobre a doutrina da Igreja como ‘sociedade perfeita’, autônoma e independente em sua ordem, apelando para a cooperação do Estado, outra sociedade perfeita. Esta doutrina, aparece sob Pio IX, é desenvolvida por Leão XIII, constituindo-se em seguida em ensinamento do Magistério [...] Nesta concepção, a sociedade temporal está subordinada à sociedade espiritual. O ideal é aquele de um Estado confessional que age de concerto com a Igreja. Na falta de um estado confessional, importa que o poder civil colabore com a Igreja. Um dos melhores intérpretes da política de concordatas de Pio XI, o padre de La Brière, avaliava que as concordatas ‘longe de criar um regime de separação’, organizavam ‘uma aliança manifesta e uma colaboração estreita do poder religioso com o poder secular’. Ele se felicitava pelo fato de a Igreja obter ‘garantias legais, patrimoniais e escolares’. A política de concordatas é bem um aspecto da construção de uma ‘nova cristandade’, cara a Pio XI e da qual a Ação Católica é a peça mestra.” MAYEUR, Jean-Marie. Les Églises et les Relations Internationales. L’Église catholique. La politique concordataire. In: Mayeur, Pietri, Vauchez & Venard (dirs.) Histoire du Christianisme. Des origines à nos jours. Paris: Desclée/Fayard, 1990, tome XII, p. 301.

130 Heráclito Fontoura Sobral Pinto, nasceu em Barbacena em 1893; estudou no Colégio Anchieta, jesuíta, em Nova Friburgo. Em 1913, transferiu-se para o Rio de Janeiro, ingressando na Faculdade de Direito e empregando-se na Repartição Geral dos Telégrafos. Bacharelou-se em 1918 e, em 1919, demitiu-se dos Correios para se dedicar à advocacia. Entre 1924 e 1926 atuou como Procurador Criminal Interino, nomeado pelo presidente Artur Bernardes, sendo efetivado na Procuradoria Criminal da República em 1926, cargo que exerceu até 1928. “Em 1928, quando o juiz Olímpio de Sá e Albuquerque absolveu alguns revolucionários de 1922 e condenou outros a um ano e quatro meses de prisão, apelou para o Superior – então Supremo – Tribunal Militar, considerando que os envolvidos que não haviam tido participação direta no levante não o haviam feito por falta de oportunidade, sendo a traição aos superiores e à legalidade a mesma para todos os revolucionários.” Neste ano, de agosto a setembro, ocupou o cargo de Procurador-Geral do Distrito Federal. Também em 1928, ingressa no Centro Dom Vital e passa a escrever em A Ordem. Em 1930, seguindo seu padrinho político Artur Bernardes, apóia a candidatura da Aliança Liberal; com a vitória de Júlio Prestes, depois de alguma reticência e de discussões com membros do Centro Dom Vital – com Alceu, com Hamilton Nogueira, com Perilo Gomes, com Augusto F. Schmidt; Hamilton, por ex., em seus artigos expressava surpresa com o apoio de Bernardes à revolução da Aliança Liberal, já que em seu governo não teria poupado sacrifício algum para manter a nação em “situação política idêntica à presente”; Hamilton escreveu a Sobral, cobrando-lhe que “ quem viveu ao lado de Jackson não pode colocar-se ao lado da indisciplina, da confusão, e, sobretudo, ao lado dessa extralimitação doutrinária e moral”. Sobral “disse a Hamilton que o presidente [Washington Luiz], um déspota caprichoso, estava praticando uma violência sem precedentes, e que não se podia encontrar nenhuma solução ‘na legalidade deplorável que você e alguns amigos de Jackson estão pregando’”. Para Sobral “Bernardes era um respeitador rigoroso das fórmulas jurídicas, constantemente guiado por

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“O diplomático cardeal Leme, que não se mostrou inclinado a indispor-se com os líderes do Governo Provisório ou outros cuja influência poderia ser útil à Igreja, auxiliado por Alceu, foi eficaz em seu novo trabalho de falar sobre a nova Constituição com muitos constituintes, individualmente e em grupos. Havia, entretanto, um problema nos ataques de Sobral, em publicações católicas, contra homens cuja boa vontade era importante para o cardeal. [...] Em junho de 1933, seguindo a sugestão de Alceu de que o regime Vargas fosse tratado com menos aspereza em A Ordem, Sobral disse a ele que estava cumprindo uma ameaça, feita no início do ano, de descontinuar sua coluna, preferindo cumpri-la a comprometer-se. [...] No início de 1934, Sobral foi demitido, sem prévia comunicação, da editoria política de A União, jornal católico dirigido ao povo. Quando foi se queixar a Alceu, Sobral disse que o cardeal, “que sempre aludia às minhas crônicas políticas e aos meus artigos em A Ordem e A União para louvá-los”, não o informou sobre a sua discordância em relação aos artigos “que atacavam a política paulista” do governo federal “e as tortuosidades do Oswaldo Aranha”. Em vez disso, Sebastião Leme “convocou Osório Lopes, diretor de A União, para incumbi-lo de me apunhalar pelas costas, dando-me, assim, a maior prova de desapreço e de desconsideração. O que me dói e me revolta é a atitude insidiosa, é a recriminação por tabela”.131

considerações morais [e] os problemas nos anos 20 [...] diziam respeito a indivíduos que se haviam rebelado, ao passo que, em 1930, dois estados oposicionistas, Minas e Paraíba, se insurgiam para defender seus direitos constitucionais, flagrantemente desrespeitados por um governo federal que tinha se recusado a aceitar a posse dos seus deputados, havia fechado sistematicamente o Telégrafo Nacional às autoridades mineiras e paraibanas, e tinha ainda, de outras formas impróprias, penalizado esses dois governos estaduais”. [DULLES, John W. F.Sobral Pinto. A consciência do Brasil. A cruzada contra o regime Vargas, 1930-1945. Trad. Flávia M. Araripe. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, pp. 51-52.], Sobral apoio o movimento revolucionário. Mas, já em 1931, em sua coluna “Crônica Política”, em A Ordem, torna-se um crítico do Governo Provisório, não poupando críticas, principalmente a Francisco Campos, Osvaldo Aranha e a Legião 3 de Outubro, adversária em Minas de Artur Bernardes. Como este, apoia São Paulo em 1932. Em 1933, por pressão de Dom Leme, que começava a construir ótimas relações com o governo central, sua coluna na revista é extinta. Em 1936, Sobral Pinto é encarregado pela seção carioca da OAB de defender Luis Carlos Prestes e Harry Berger, dois principais líderes da insurreição comunista de novembro de 1935. Em 1945, Sobral assinou o manifesto de lançamento da “Resistência Democrática”, “movimento que, baseado na vitória dos Aliados sobre os países do Eixo na Segunda Guerra Mundial, propunha a extinção total da ditadura no Brasil, negando ao governo autoridade para continuar no poder. O movimento postulava também a convocação de uma constituinte, o sufrágio universal, a iniciativa privada com base no liberalismo econômico e, por fim, a criação de partidos e de sindicatos apolíticos.” Um dos que criaram a Liga de Defesa da Legalidade, em agosto de 1955, apoiou o contra-golpe preventivo do general Lott em novembro do mesmo ano. Em agosto de 1961, com a renúncia de Jânio, defendeu a posse de Goulart. Crítico do governo Goulart, a quem classificava de “inocente útil”, apoiou o golpe de 1964. Com o estabelecimento da ditadura militar, passou a fazer oposição ao novo regime. Em 1967, assumiu a presidência do Centro Dom Vital; em 1968, ele e toda a diretoria do Centro foram demitidos pelo cardeal Câmara. Preso por alguns dias após a decretação do AI- 5, Sobral logo assumiu a defesa de vários acusados de crimes políticos. Defensor da anistia ampla e contra a censura à imprensa e às idéias, considerava um dever do Estado “impedir a imoralidade sob todos os seus ângulos e aspectos.” Falando na aula inaugural da PUC-RJ, em março de 1980, Sobral alertou contra o “perigo da infiltração da filosofia marxista no ensino” “e exortou a universidade a defender sua identidade ‘contra o maior inimigo do catolicismo’. Distinguiu, entretanto, o marxismo, a que propunha combate, dos marxitas, aos quais respeitava, de acordo com o princípio cristão de combater o pecado e amparar o pecador.” Apoiou a Campanha pelas Diretas-Já, e, depois, a eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral, e a posse de Sarney. Fez campanha para Guilherme Afif Domingues, em 1989. Faleceu em 1991. COUTINHO, Amélia in Abreu, Beloch, Lattman-Weltman & Lamarão (coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Pós-1930. 2a. ed. Rio de janeiro: FGV/CPDOC, 2001, vol. IV, pp. 4680- 4683.

131 DULLES, John W. F., Sobral Pinto. A consciência do Brasil. A cruzada contra o regime Vargas, 1930-1945. Trad. Flávia M. Araripe. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, pp. 69-70. Ver também TODARO, Pastors, Prophets..., p. 205.

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A abertura à diversidade nos assuntos não atinentes à doutrina e à moral – nos quais a unidade, a obediência estrita se impunha – alargava o campo de manobra da hierarquia. A recusa da subordinação da Igreja a um projeto político, seguindo a diretiva de Pio XI,132 embasou a criação da Liga Eleitoral Católica (L.E.C.)133 e esteve nas origens dos atritos com o integralismo. O católico era livre para optar pelo partido ou candidato de sua preferência – excluídos os socialistas –,134 mas dele exigia-se cerrar

fileiras na defesa dos interesses da Igreja, em um engajamento situado “fora e acima dos partidos políticos”.135

132 “No Brasil, não há um partido católico, de modo que o caso não se apresenta em concreto. Por toda a parte, os partidos católicos estão em vias de desaparecer, para ceder justamente o posto à Ação Católica, mais adequada à posição da Igreja no mundo moderno.” ATAÍDE, Tristão de. “Os católicos e a política”. A Ordem, set/1934, p. 162.

133 “Quando foram anunciadas as eleições para a assembléia constituinte, muitos dos assistentes de Leme quiseram criar um partido político para fazer pressão. Leme, porém, estava seguindo uma estratégia para mostrar que a Igreja representava todos os brasileiros, que a religião católica era parte integral do país, enquanto que o partido indicaria apenas uma facção: alguma coisa menos do que o todo ao qual aspirava a Igreja. A LEC (Liga Eleitoral Católica, criada em 1932) era um grupo de pressão que se situava ao lado ou acima dos partidos e representava a totalidade do Brasil e não uma classe ou setor. Os objetivos do grupo eram principalmente dois: alistar, organizar e instruir o eleitorado católico; e assegurar o voto católico para os candidatos que aceitassem o programa da Igreja e concordassem em defendê-lo na [...] futura assembléia constituinte. A LEC era um corpo nacional, pois Leme contatou a hierarquia do Brasil inteiro e conseguiu que os bispos a promovessem nas suas dioceses. No nível nacional o líder era Leme, mas leigos como Alceu Amoroso Lima e Sobral Pinto trabalharam intimamente com ele.” BRUNEAU, T. Catolicismo brasileiro em época de transição. Trad. Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 1974, p. 82. 134 “É sabido que não tomamos posição, aqui, a favor ou contra o ‘racismo’ alemão, como aliás não tomamos a favor ou contra outro qualquer sistema político, com exceção daqueles, como o socialismo ou o comunismo e o anarquismo, que são essencialmente destruidores da sociedade. Registro. “Os horizontes clareiam”. A Ordem, jan/1934, p. 74.

135 A estratégia da militância católica estruturava-se em duas frentes, a ação sobre a Nação – que Alceu denominará de “ação cultural” – e a “ação política” sobre o Estado, seja através da L.E.C., seja via negociação direta com os integrantes do governo. No interior deste, percebe-se uma disputa acirrada, particularmente no terreno da educação, entre os católicos e os defensores do laicismo. Gustavo Capanema era um dos principais canais das reivindicações católicas no interior do aparelho de Estado, conforme testemunha a carta abaixo:

“De Alceu Amoroso Lima Rio, 19.3.1935 (?) Capanema,

Pensei maduramente na nova consulta que você me fez sobre a possível nomeação do Dr. Fernando de Azevedo, para diretor nacional de Educação. E, quanto a mim pessoalmente, perduram as razões que lhe apresentei. Nada tenho contra a pessoa do Dr. Azevedo, cuja inteligência e cujas qualidades técnicas muito admiro. Ele é hoje, porém, uma bandeira. Suas idéias são conhecidas, seu programa de educação é público e notório. Sua nomeação seria, por parte do governo, uma opção ou uma confusão. E tudo isso, eu teria de dizer de público, em face de minha consciência e da certeza que tenho de que, no terreno da educação, é que se está travando a grande batalha moderna de idéias.

Como prezo muito as posições definidas e já dei, há muito, a conhecer qual a minha atitude, em matéria pedagógica, não me seria possível continuar a trazer, ao Ministério da Educação, a pequena mas desinteressada colaboração que até hoje lhe tenho dado, na obra grandiosa que você está empreendendo nesses domínios, caso se confirmasse essa nomeação, a meu ver errada e inoportuna.

É de ponderar também que, qualquer que fosse minha resposta, a impressão causada por essa nomeação nos meios católicos seria a mesma de perplexidade e interrogação.

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Esta estratégia, ancorada no suprapartidarismo, foi vitoriosa na constituinte de 1933-34. Não só o programa mínimo da L.E.C. foi aprovado – prioridades reveladoras de uma concepção que tinha na família, no ensino e nas armas, os esteios de sua interferência duradoura nos rumos da sociedade brasileira – mas, também, em suas linhas gerais, seu programa máximo, incluídas a “colaboração recíproca” com o Estado – base do projeto de “nova cristandade” – e a pluralidade e autonomia sindicais.136

“A maioria dos partidos vitoriosos e dos candidatos eleitos aceitavam o programa da L.E.C., que ela reduzia ao mínimo – indissolubilidade conjugal, ensino religioso facultativo nas escolas públicas e assistência religiosa facultativa às classes armadas. [...]

A Constituição com o nome de Deus invocado em seu preâmbulo; a ‘colaboração recíproca’ entre a Igreja e o Estado; o serviço militar do clero, sob a forma de assistência hospitalar às forças armadas, o voto dos religiosos [...], a liberdade dos sindicatos operários católicos, o descanso dominical, o reconhecimento do casamento religioso para efeitos civis, a autorização para cemitérios religiosos [...] além dos três postulados mínimos, objeto dos compromissos de candidatos e partidos, por ocasião das eleições – tudo isso foi votado pela quarta Constituinte, sempre por maioria de dois terços ou mais de deputados. [...]

Mas não foram apenas os pontos mínimos que triunfaram. Foi também o programa máximo da L. E. C., pois seu programa social foi em grande parte também incorporado ao capítulo da “ordem econômica e social”.

Foi, portanto, uma vitória completa, não apenas eleitoral mas doutrinária. E já disse um adversário nosso que, se os positivistas é que marcaram a Constituição de 1891, os católicos é que imprimiram o seu cunho à de 1934.

Não o diremos nós, pois a Constituição de agora é obra mista demais. [...]

Alceu”

SCHWARTZMAN, BOMENY & COSTA. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV, 2000, p. 317.

136 Luiz Werneck Vianna ressalta que a “extensa bancada católica” e os representantes dos “interesses da oligarquia agro-exportadora” foram os responsáveis pela institucionalização, na Carta de 1934, da autonomia e pluralidade sindicais. Vianna vê na reivindicação da Igreja desse “dispositivo liberal” um plano de hegemonia católica, uma “manobra tática para a consecução de seu projeto autoritário de organização da sociedade brasileira”. Valendo-se da “liberdade de movimentos outorgada à sociedade civil pelo Estado liberal”, a Igreja, confiante em sua capacidade de controlar os corpos intermediários livres da interferência estatal, acreditava poder recristianizar o país. “A partir de baixo, pela ação católica e pelas corporações, arma-se o plano geral de cerco ao Estado laico burguês. Rejeitando-se o liberalismo, pretende-se revalidar o direito natural orientado por normas transcendentes, reconstituindo a religião como o ‘fundamento de todas as leis sociais.” Tal intuito teria sido barrado, em 1935 - com a Lei de Segurança Nacional -, pelo início da estruturação no país do Estado Novo que, ao impor seu corporativismo secular, afetou o projeto de hegemonia católico em seu cerne. Assim, a única alternativa que se colocava para a Igreja era a recristianização “por cima”. “O pensamento autoritário católico, precisamente até 1935, [...] não reverterá em favor da estrutura sindical sob tutela do Estado. Ao contrário, será um elemento contundente de oposição a sua implantação. Entretanto, o bom desenho do plano chocava-se com o mundo contraditório real. A defesa da estruturação liberal dos sindicatos vinha desacompanhada de um compromisso com o regime político do liberalismo. A teoria integrista se somava aos duros ataques do ideário liberal, e não tendo os católicos forças para impor seu projeto (...) acabavam por armar a oportunidade para o corporativismo secular. Dessa forma, por fidelidade à sua ideologia antiliberal, a Igreja ajudava a abrir caminho para o Estado autoritário-corporativo que sepultaria de vez suas pretensões hegemônicas.” VIANNA, Luiz Werneck, Liberalismo e Sindicato no Brasil, pp. 153-172.

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Conseguimos introduzir um princípio novo nas relações entre a Igreja e o Estado. Conseguimos enfim que a ordem jurídica se pusesse de acordo com a ordem social brasileira, isto é, que a lei respeitasse o fato”.137

Se é Mateus – “Quem não é comigo, é contra mim” (Mt. 12, 30) –, de franco teor belicista e totalitário, quem sustenta o ultimato à burguesia para que ela abandonasse o laicismo, a advertência aos católicos para se engajarem na Ação Católica,138 e a

137 ATHAYDE, Tristão de. “O sentido de nossa vitória”. A Ordem, jun/1934, pp. 420-421.

138 Associação civil católica criada em 1935 pelo cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, em resposta à encíclica Ubi arcano Dei consilio [(desde que) pelos misteriosos desígnios de Deus], de 1922, em que Pio XI exortava a hierarquia a fundar em todo o mundo associações leigas “com a finalidade de estabelecer o reino universal de Jesus Cristo”. Desde a sua fundação, em 1922, o Centro Dom Vital, sob o estímulo de D. Leme, foi o núcleo propulsor e aglutinador de movimentos leigos de “novo tipo” – AUC, ICES, CNTC – até 1933, quando a maior parte do movimento em torno do Centro, foi reorganizada na Coligação Católica Brasileira, e, em 1935, na Ação Católica Brasileira, oficialmente fundada em 1935. A ACB “tinha por objetivo organizar a participação do laicato católico no apostolado da Igreja, ‘para a difusão e a atuação dos princípios católicos na vida individual, familiar e social’. Sua função era também coordenar todas as associações e obras católicas já existentes no país, submetendo-as a uma orientação una. [...] Em nível nacional, o chefe máximo da ACB era o cardeal Leme. O presidente nacional era Alceu Amoroso Lima, também presidente do Centro Dom Vital e secretário-geral da Liga Eleitoral Católica. A direção geral era ainda exercida por uma comissão episcopal composta por cinco membros. O modelo adotado para a implantação da Ação Católica no Brasil foi o modelo italiano, que valorizava as dioceses como núcleos básicos e relativamente autônomos dentro da organização e agrupava os associados segundos os critérios de idade e de sexo. Comandadas por seus respectivos bispos, as dioceses congregavam os ramos paroquiais. Em termos de recrutamento de associados, a ACB deveria dividir-se no interior das dioceses em quatro grupos: Homens de Ação Católica e Liga Feminina