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A guerra não foi apenas mais uma guerra, mas uma guerra-revolução, o anúncio de uma sociedade por vir sob o domínio do Trabalho. Impressiona a extrema moralização do que é lido. A classe operária é um rapazola de 18 anos ingressando na perigo de aprovação às falsas confissões e de diminuição dos direitos da verdadeira.” MACHADO “Doutrina sobre as relações entre a Igreja e o Estado, segundo Jacques Maritain”, A Ordem, mai/jun/1946, p. 226.

276 RIBEIRO, Fábio A. “Alguns dados sobre a obra política de Maritain”. A Ordem, set/1944, pp. 42; 45- 48.

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maioridade. Implícita a ligação, atualizada, com a concepção conservadora romântica do “povo eterna criança”. Nesse sentido, não há um rompimento, mas, simultaneamente, continuidade e distância com o pensamento até a pouco predominante. Se o acento é na maioridade, se a crítica ao paternalismo serve de arma contra o “pai dos pobres”, os reveses sofridos no embate político levam à utilização da justificativa que se tem à mente, trabalhada por uma forte tradição.

“Mas há um longo caminho a percorrer. O totalitarismo (Getúlio ou Prestes, não falando no insignificante Plínio) atacou a humanidade em dois pontos extremamente vulneráveis e doloridos; os pobres e as crianças. A criança é um pobre; o pobre é uma criança. E ambos se acharam abandonados e expostos ao primeiro sedutor. O totalitarismo baseia seu êxito na exploração do ressentimento e na exploração da inocência”. 277

Reconhece-se a maioridade, mas exige-se o respeito que implica a permanência do vínculo com a mãe

“[...] nós temos consciência de estarmos vivendo “as vésperas de uma maioridade”. O mundo inteiro atravessa uma crise de crescimento, uma espécie de adolescência. Diante desse fenômeno os comportamentos variam: [...] o reacionário quer prolongar as fórmulas do paternalismo rígido e quando pertence ao tipo do fascismo clerical deseja manter no mundo uma disciplina de internato; o revolucionário vive a euforia da crise, o delírio de ter a chave do portão e de poder entrar em casa fora de horas e cambaleando, ou de não precisar nunca mais utilizar essa chave que abre o portão familiar. Já no tempo da revolução francesa [...] os reacionários, e entre eles muitos católicos, viam um mal nos direitos do homem; mas em compensação os revolucionários viam na própria crise um deslumbramento e ofenderam a tradição e a Igreja, tal e qual como um rapaz que aos vinte e um anos achasse necessário afirmar sua emancipação esbofeteando ritualmente sua mãe”.278

A chave é uma só, a que leva ao retorno para casa. Com diz Alceu, a Igreja se preparava para “domesticar” o que era percebido como o advento de uma nova civilização, “junto ao seu berço, para lhe ensinar o caminho da vida eterna, condição indispensável da vida terrena”.

“Essa guerra foi uma revolução social, como bem vêem os que penetram no coração dos fenômenos e não ficam apenas em sua periferia. Essa revolução social foi o advento do trabalho, como força motora da sociedade e como elemento dirigente da nova civilização.[...] Duas verdades patentes nos devem guiar [...] neste limiar da Idade Nova, que já não é mais um expectativa mas uma realidade. O Trabalho foi o vencedor desta guerra, em que se definiram pelo menos os rumos do nosso século. Esse trabalho, bem como a cultura e a política a ele indissoluvelmente unidos, para dominar a nova ordem

277 CORÇÃO, Gustavo, entrevista a “O Jornal” de 12/01/47, reproduzida na seção “Transcrições” de A Ordem, fev/1947, pp. 64-65.

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social a bem dos homens e do progresso efetivo da civilização, tem de ser informado por uma filosofia cristã da existência”.279

Estabelecidos os dois “axiomas”, indicado o caminho para o agir como cristão, transparente o correr dos acontecimentos, a sombra é projetada sobre os comprometimentos passados

“Por muito tempo, a ignorância, a rotina e a má interpretação eventual dos documentos pontifícios, pretenderam ligar a Igreja às classes chamadas conservadoras, a uma política reacionária, a uma economia capitalista e a uma cultura inimiga da renovação e do justo progresso. Nada de mais contrário ao espírito do Cristianismo. Nada de mais falso. Nada de mais perigoso”.280

para, em seguida, lançar a ameaça sobre o futuro:

“[...] hoje só há duas concepções gerais da vida que se defrontam, com fundamentos seguros, com estruturas lógicas e com repercussões sociais diferenciadas. O materialismo dialético, que leva ao comunismo e o espiritualismo-integral que leva à civilização cristã, baseada na primazia da Pessoa sobre a Massa, na primazia do Direito sobre o Arbítrio e na primazia do Espírito sobre a Matéria”.281

É esse sentimento de pertencimento único, de incolumidade, de certeza da não aderência das eventuais alianças passadas, presentes e futuras no caminhar do cristão no tempo, que imprime uma coerência inabalável entre o elogio a Mussolini, pelos

eminentes serviços históricos que o “fascismo” prestou e está prestando à Civilização

Cristã,282 e a consideração de que a morte de Roosevelt foi uma grande perda para o

mundo livre, para a democracia e para a Cristandade.283 Ou entre a certeza de que a

democracia social de 1937 é o remédio, ideológico e prático, contra o “vírus” do comunismo ateu e antibrasileiro;284 o reconhecimento de que nossa atual legislação do

ensino, [é] sabiamente conduzida pelo Ministro Capanema, superiormente orientada pelo governo que tem dado as mais inequívocas provas de conhecer e prezar a realidade brasileira,285 e a constatação do estado de imobilidade ditatorial, que ao

menos desde 1937 tem sido a trágica constante da política brasileira [...]. É, portanto, como católicos, [...], que nos declaramos aqui formalmente contrários ao regime

279 LIMA, Alceu A., “Discurso”, A Ordem set/1945, pp. 13-19. Pronunciado no Teatro Municipal de S. Paulo, na concentração da L.E.C.m em 09/09/45.

280 Idem. Ibidem.

281 ATAÍDE, Tristão de, “O P. Ducattillon”, A Ordem fev/1945, pp. 71-72. Transcrito de “O Jornal” de 08/10/44.

282 Editorial. “Espanha demagógica”. A Ordem, set/1931, p. 132. 283 Registro. “Roosevelt”, A Ordem, mai/1945, p. 439.

284 Registro. “Um tópico d’ “A Manhã”, A Ordem, mai/1943, p. 443. 285 Registro. “Universidade Católica”, A Ordem, ago/1940, p. 183.

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ditatorial iniciado em 1937 e partidários da volta imediata do Brasil a um regime democrático, de ampla manifestação das liberdades públicas.286 Os movimentos de aproximação e distanciamento regem o atuar cristão no mundo, movimentos que remetem à angústia do Apóstolo, entre o ser desatado e o permanecer na carne. A guerra foi mais uma pedra – das grandes, é certo – mas apenas mais uma pedra no caminho da Cidade de Deus, levando seu compromisso superior com o sentido apocalíptico da História e, amparada em sua dialética, decifrando os sinais dos tempos, em sua marcha que nunca acaba neste mundo.

141 IV – O mecanismo da atualização