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3 Interfaces e textos

4) A ambigüidade de caminhos de navegação

Um consenso entre Talin (1998), Nielsen (2005) e Tognazzini (2003) diz respeito à heurística de status do sistema. Ambos sugerem aos designers o desenvolvimento de mecanismos de status para manter os usuários sempre atentos e informados sobre o que está acontecendo no computador. Esses mecanismos permitem aos usuários sair facilmente dos lugares inesperados em que se encontram, utilizando “saídas de emergência” claramente identificadas.

Coscarelli nos lembra que a leitura foi, até certa época, limitada à compreensão dos domínios lexical e sintático. Nesse período, quando “era vista como decodificação de sinais gráficos e organização das estruturas sintáticas das sentenças”, a noção subjacente era a de que a compreensão dependia apenas da “decodificação mecânica – que não envolve a construção do sentido do texto – de sentenças isoladas. Nessa

perspectiva, o texto é visto, implicitamente, como um amontoado de sentenças, ao invés de ser visto como uma unidade coerente de significado” (COSCARELLI, 1999, p. 55).

O design de interface, mesmo sem demonstrar um diálogo explícito com as questões textuais e lingüísticas que acreditamos permear a construção e a leitura das interfaces, parece levar em conta a importância de conduzir o usuário a um conhecimento mais amplo das atividades que realiza no computador. A ênfase na qualidade e na simplificação das tarefas, equilibrada à preocupação com os limites e conhecimentos dos usuários, parece uma solução viável encontrada pelos manuais de desenvolvimento de sistemas digitais interativos17.

Uma coincidência aparece nas indicações tanto de lingüistas quanto de manuais de design em relação aos domínios cognitivos citados acima. Fulgêncio e Liberato (2001, p. 26) levantam a hipótese de que sentenças muito compridas constituem fator de dificuldade de leitura. Preece, Rogers e Sharp (2005, p. 101-103) sugerem formas de simplificar a ação dos usuários na localização de arquivos no computador a partir de recursos gráficos. De certa forma, todos esses autores concordam com a dificuldade imposta pela leitura quando o texto apresenta sentenças muito compridas (ou protocolos extensos de leitura, no caso da interface). Essa dificuldade é justificada tanto pelas lingüistas quanto pelas estudiosas do design a partir da famosa teoria do psicólogo George Miller (1956, citado por Preece et. al., 2005), que pressupõe um número limitado de informações possíveis de serem armazenadas na memória de curto prazo (+/- 7).

Segundo Fulgêncio e Liberato,

As fatias identificadas na leitura são construídas com base nos esqueletos sintáticos presentes na MLT [memória de longo prazo] do leitor, ou seja, correspondem aos constituintes da oração. As fatias são guardadas na sua forma literal (palavra por palavra) na MCT [memória de curto prazo] do leitor, até que formem um todo significativo e possam passar para a MLT (...). É importante que o número de fatias guardadas na MCT, à espera de fechamento, não ultrapasse o limite de estocagem da MCT (+/- 7 fatias). (2001, p. 26)

A qualidade do reconhecimento das unidades e do processamento sintático, assim como nos textos verbais e de outras modalidades, da habilidade dos leitores para automatizar esses processos. Quanto mais os ícones, suas funções e sua sintaxe de uso estiverem estabilizados na memória de longo termo, menor será a carga cognitiva exigida na ativação dos domínios. Ao que parece, assim como em qualquer texto, essa

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habilidade é adquirida com o uso constante, com a vivência do leitor, e depende também da qualidade dos processos criados pelos programadores e designers de interface, para que o usuário possa agir no ambiente digital sem a necessidade de conhecer a fundo noções de programação e da linguagem codificada dos computadores.

Em suma: é preciso que um texto seja coerente, estável, previsível, transparente, (textualidade) para que seja textualizado pelos leitores. Os textos confusos, truncados, incoerentes, entre outros fatores, geram dificuldade para o leitor. Assim como as interfaces mal-construídas, incoerentes e instáveis geram dificuldades para os usuários. A textualidade das interfaces interfere na sua textualização.

Segundo Coscarelli,

o processamento lexical e o sintático são domínios da leitura que os leitores proficientes normalmente realizam com rapidez de milésimos de segundo. Portanto, deve-se estimular o aprendiz a torná-los o mais automático possível, para que sobrem recursos cognitivos para os processos mais complexos envolvidos na construção do significado e para que a memória não fique sobrecarregada, impedindo a construção do significado de partes maiores do texto. (1999, p. 58)

Alguns cursos livres de informática, mesmo que indiretamente, ainda lidam com essa idéia de que basta ao usuário conhecer a função dos ícones e memorizar caminhos de navegação para realizar as tarefas no computador. Mas esses caminhos, em vez de memorizados, deveriam ser compreendidos a partir das suas regularidades sintáticas. A identificação dos ícones, a aparência e as transformações contextuais que indicam se eles podem ou não ser ativados, as cores dos menus e das janelas, a localização dos elementos na tela, os “movimentos e metamorfoses” repletos de significação (LÉVY, 1998) devem ser textualizados, ou seja, processados de forma integrada, reflexiva, não só para que os caminhos sejam memorizados, mas principalmente para ajudar os usuários a lidarem com situações inesperadas.

Certos conhecimentos sobre o processamento digital poderiam evitar o receio dos usuários inexperientes ao lidar com determinadas situações. Um exemplo é a ferramenta de “desfazer”, que está disponível em vários programas e pode apresentar modos de funcionamento e condições diferentes de atuação, mas sempre de acordo com aquilo que o computador é capaz de fazer, do ponto de vista do processamento digital. Por não conseguirem utilizar a ferramenta em determinadas situações, os usuários acabam concluindo que ela “parou de funcionar”, o que não é possível.

para compreender um texto, o leitor não pode contar somente com os elementos nele presentes. Além do que o autor selecionou para colocar no texto, o leitor deve contar também com seus conhecimentos prévios para fazer inferências, o que significa usar seus conhecimentos sobre o funcionamento da língua, sobre o assunto tratado e a respeito da situação, para completar o texto, construindo, assim, um ou mais significados para ele. (COSCARELLI, 2003b, p. 04)

Seguindo nessa perspectiva, fica claro que a interação em ambientes digitais exige também do leitor uma gama de conhecimentos muito ligados à cultura digital ou cibercultura (LÉVY, 1999). Os domínios lingüísticos são importantes e auxiliam na construção dos sentidos que eles atribuem aos elementos da tela do computador, mas a leitura das interfaces gráficas extrapola esses domínios e requer todo um conhecimento que é social, cultural, aprendido com a prática, com as vivências e com outras leituras.

Esse conhecimento condicionará as representações semânticas construídas pelos usuários quando acionam seu conhecimento prévio, suas vivências, seus frames sobre interfaces e ambientes digitais, integrando-os aos elementos formais dos textos na construção de sentidos. Nesse momento, o leitor pode utilizar informações do texto ou recorrer a seu conhecimento sobre o assunto que está sendo tratado. É importante que o texto ofereça ao leitor certa coerência e continuidade sobre os temas “para que o leitor tenha uma espécie de guia por onde caminhar” (RIBEIRO, 2008, p. 83). Mas tanto o conhecimento do leitor quanto a forma como ele utiliza esse conhecimento são essenciais nessa etapa.

A produção de inferências pode ser facilitada ou prejudicada pela construção da coerência do texto. A complementação semântica realizada pelos leitores, on-line, no momento da execução de uma tarefa, depende de todos os fatores apontados e depende também das habilidades e do conhecimento dos leitores para construir um sentido mais global para a tarefa que estão tentando realizar.

Saber que alguns processos digitais dependem de outros para acontecer – como a necessidade de selecionar uma área da janela ativa para ativar a função de desfazer – é essencial para a construção de sentidos na leitura da interface. As interfaces foram construídas para serem intuitivas, o que significa que a maioria de seus elementos formais (a característica de suas unidades ou de seus processos sintáticos) deveria ser facilmente compreendida pelos seus usuários. Mas o fato de uma interface ser intuitiva não significa que a construção de sentidos acontece intuitivamente e, sim, fundamentada em processos cognitivos complexos, os quais pretendemos identificar em nossas análises.

Os usuários inexperientes precisam desconstruir as representações feitas pelos designers, complementando-as com seu conhecimento prévio. Em alguns casos, mesmo quando as interfaces atendem às regras de usabilidade, mesmo quando favorecem a textualização, dificilmente usuários pouco experientes terão referentes suficientes para realizar determinadas ações, dado o ineditismo e a originalidade delas no ambiente digital.

Reforçamos, a partir do modelo reestruturado, que, na leitura da interface, assim como em qualquer texto,

quanto mais informações o leitor tiver a respeito do assunto, mais fácil será para ele preencher as lacunas do texto. Em contrapartida, se ele não tiver os conhecimentos exigidos pelo texto, a leitura será difícil e, em alguns casos, até mesmo impossível. (COSCARELLI, 1999, p. 59)

No modelo de leitura reestruturado, são previstos três tipos de complementação semântica (local, externa e temática). Essa divisão busca explicar de forma detalhada as inferências construídas pelo leitor, quando relaciona partes do texto ou busca referentes fora do texto para construir um sentido global. Neste trabalho, optamos por agrupar esses três domínios, já que utilizamos a teoria da Mesclagem Conceptual (FAUCONNIER, TURNER, 2002) como referencial teórico para os processos de referenciação ativados na construção dos sentidos. Acreditamos que os elementos dessa teoria integram de forma satisfatória o processo de construção de inferências e ativação de conhecimentos prévios, bem como a integração desses processos em níveis cognitivos mais “profundos”, que integram elementos dos diversos domínios ativados, de forma não- composicional, na construção de sentidos.

De qualquer forma, é importante delimitarmos algumas questões que acreditamos auxiliar ou dificultar os usuários a elencar seus referentes, construir inferências e integrar sentidos adequados para utilizar o computador. Mais uma vez, buscamos adaptar questões textuais à realidade multimodal das interfaces gráficas dos computadores, para levantar certos elementos formais que podem contribuir para a sua textualização, no domínio semântico: