• Nenhum resultado encontrado

7 Resultados e análises

7.8 Habilidades de leitura e de navegação

Utilizando a matriz de habilidades do SAEB como referência para os testes de leitura, Ribeiro (2008) pôde delimitar o nível de leitura dos sujeitos de sua pesquisa. Nos testes de usabilidade, alguns leitores que demonstraram boas habilidades de leitura apresentaram dificuldades para navegar pelos suportes e localizar as informações propostas na tarefa, outros leitores tiveram bom desempenho tanto na leitura quanto na navegação. Os dados dessa pesquisa demonstraram que bons leitores podem ser maus navegadores e vice-versa. Apesar de não realizarmos esse contraponto, os resultados da nossa pesquisa parecem ir ao encontro das afirmações de Ribeiro, de que as habilidades de leitura e navegação se complementam a todo o momento, apesar de terem funções específicas.

Em nossa pesquisa, durante a execução das tarefas, a dificuldade dos leitores em localizar informações na interface foi potencializada pelo nível das habilidades de leitura de que dispunham naquele momento. Algumas informações simples não foram

localizadas porque o leitor limitou a sua busca a pontos já percorridos na interface e simplesmente não leu o comando que procurava.

Vanessa, tentando localizar a ferramenta para retirar o preenchimento de uma caixa de texto, ativou o ícone correto, mas não conseguiu encontrar a opção adequada na lista exibida. Ela já havia recorrido ao mesmo ícone para colorir as caixas de texto, mas sua ação anterior fez com que limitasse sua leitura às partes do texto que já conhecia (Mais cores de preenchimento e Efeitos de preenchimento). Condicionando sua leitura a áreas seguras do texto ativo na tela, ficou 16 segundos analisando o menu, lendo em voz alta as opções que conhecia. Como não conseguiu encontrar o que queria, começou a buscar outras alternativas, fora do ícone adequado. Quando a pesquisadora sugeriu que ela clicasse novamente no ícone e lesse novamente todas as opções do menu ativo, Vanessa se surpreendeu ao encontrar o que procurava.

FIGURA 38: Menu de opções da ferramenta Cor do preenchimento.

Nesse momento, a própria Vanessa reconheceu o que provavelmente a impediu de localizar a opção correta: “Um professor meu falou assim, que tudo que você for fazer você tem que ler tudo, não pode deixar nem uma palavra para trás, e eu tenho mania de ler só o que me interessa”.

Provavelmente Vanessa se referia à sua habilidade de localizar informações explícitas no texto – ou à falta dela. Quando essa habilidade não é bem desenvolvida, os leitores costumam direcionar sua atenção aos “pontos seguros” do texto, que contém informações familiares, e não se aventuram por áreas do texto que consideraram mais difíceis ou que simplesmente não foram processadas corretamente.

Situação semelhante aconteceu com Luciana, quando procurava pela opção para colorir o “plano de fundo” do slide. Depois de percorrer com o mouse vários ícones e menus, a estudante acessou o menu Formatar, mas havia criado uma hipótese inicial muito diferente da opção adequada porque não tinha idéia do que estava procurando.

Apesar de a pesquisadora sugerir que ela deveria colorir o “fundo” de amarelo, Luciana ignorou essa informação nos espaços mentais ativados para encontrar a ferramenta, e ficou pressa à opção Fonte, provavelmente porque já a havia acessado em outras situações. Após 13 segundos com o menu Formatar ativo na tela, lendo em voz alta algumas das opções e saltando outras, Luciana não encontrou a opção Plano de fundo, mesmo quando a pesquisadora sugeriu que ela lesse “todas as opções do menu

Formatar”. Ela começou a ler os nomes em voz alta, mas parou no quarto nome da

lista. Plano de fundo era o sétimo nome, depois de Design do slide e Layout do slide. Possivelmente, Luciana teve dificuldades em prosseguir sua leitura e voltou a sugerir: “Acho que eu tenho que ir em Fonte”. A ferramenta correta só foi localizada quando a pesquisadora descartou essa possibilidade e Luciana então direcionou sua leitura para as outras opções do menu.

O conhecimento dos leitores é indispensável para que consigam estabelecer estratégias que lhes permitam inferir sobre a localização das informações no texto. Segundo Fulgêncio e Liberato, “quando falham estratégias de inferência ou outros recursos externos que possibilitem a compreensão do significado de um trecho, resta ao leitor a alternativa de ‘pular’ aquele pedaço do texto” (2001, p. 78), que é o que provavelmente acontece quando os leitores da interface se deparam com estruturas ou expressões desconhecidas.

Mesmo em textos com condições satisfatórias de usabilidade e legibilidade, como é o caso da interface dos programas escolhidos nesta pesquisa, a falta de conhecimento a respeito do tópico em questão (no caso, a tarefa que deveriam executar) prejudicou a elaboração de previsões e inferências por parte dos leitores e, dessa forma, tornou a leitura mais lenta, estressante e cansativa.

Tanto Luciana, quanto Rose e Vanessa, quando desconheciam a tarefa que precisavam executar, ou não sabiam a que ferramenta recorrer na tela, percorriam com o mouse toda a janela do programa, ícone por ícone, menu por menu, sem muitos critérios ou hipóteses pré-construídas. A fala da Rose representa perfeitamente a concepção dessas estudantes a respeito de estratégias de leitura. Questionada quanto às estratégias de busca que organizou para localizar a ferramenta de que precisava, Rose responde que o seu critério é “ir olhando, onde achar que é, eu clico”.

Essa atitude se assemelha à reação de leitores com poucas habilidades de leitura quando procuram informações nos textos predominantemente verbais. Sem conhecimento mínimo para construir estratégias de leitura, o texto é percorrido do início ao fim, muito superficialmente. A legibilidade (LIBERATO; FULGÊNCIO, 2001, p. 88),

nesse caso, é comprometida porque a interface, para ser compreendida, depende de um amplo conhecimento prévio do leitor, construído com a prática de uso constante.

Esse é o caso de Gustavo, que, apesar de suas respostas no questionário terem indicado um usuário inexperiente, acabou demonstrando, no decorrer do teste, conhecimentos e habilidades mais refinados que as outras informantes. Gustavo, que fez o teste em menos da metade do tempo das estudantes, demonstrou ter habilidades para construir previsões que lhe permitissem criar estratégias de busca na interface. Quando questionado sobre seus critérios para localizar a ferramenta que aumenta a espessura do pincel, Gustavo explicou: “o Editar foi o principal, mas como não achei, fui no

Arquivo. Depois fui procurando pela ordem dos menus mesmo”. Apesar de suas

previsões estarem incorretas, o estudante demonstrou habilidade para prever a localização da ferramenta e, com isso, diminuir seu tempo de busca.

Levando em consideração seus objetivos de leitura, Gustavo reconheceu no menu Editar características da organização tópica da interface, relacionando seu conhecimento a respeito desse menu com a característica da ferramenta que procurava, construindo uma representação mais estruturada e coerente da interface do programa Paint.

Gustavo, ao contrário das outras informantes, demonstrou que possui conhecimentos suficientes sobre a interface para fazer previsões e construir inferências, que são, segundo Fulgêncio e Liberato (2001, p. 81), dois processos que dependem de informações não-visuais, ou seja, que não estão explícitas no texto. Nesse sentido, acreditamos que Gustavo possivelmente já vivenciou, tanto quantitativa quanto qualitativamente, práticas de leitura e navegação que lhe permitem construir com mais clareza uma coerência temática para a interface.

Com esses dados, acreditamos reforçar a forma “moebiana”29 a partir da qual atuam as habilidades de leitura e de navegação na construção de sentido das interfaces

29

A estrutura moebiana, utilizada por Lacan (2005) para explicar a relação entre fala e sujeito, é utilizada aqui como metáfora para a relação entre leitura e navegação. Segundo Lacan, a banda de Moebius opera uma subversão em nosso espaço comum de representação. O direito e o avesso passam a se achar em

gráficas do computador. Tais habilidades se influenciam e se retroalimentam o tempo todo, num processo que tem no conhecimento dos leitores e na capacidade de realizar conexões entre os domínios cognitivos um importante aliado.

continuidade. O uso de "cara ou coroa" - ou seja, duas faces - fica aqui subvertido. O direito e o avesso passam a estar contidos um no outro.