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CAPÍTULO 2 METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

2.2 A análise comparativa

O método comparativo apoiado no QCA foi utilizado neste trabalho porque possibilita avaliar um fenômeno, constituído de um conjunto formado por uma grande quantidade de casos, a partir de uma amostragem considerada confiável para representação de todo o conjunto. No caso desta tese, considera-se que os resultados encontrados para as Unidades

analisadas representam satisfatoriamente as questões relativas ao desempenho do uso de recursos comuns na Amazônia, quando mediada por políticas agrárias e ambientais.

A comparação tem sido amplamente utilizada em análises situacionais em que o número de casos é pequeno e não responde aos critérios exigidos pela análise estatística. Nestes casos, a comparação apresenta-se como uma estratégia apropriada para fins explicativos e para comprovação das hipóteses (Liñan, 2010). Para Schneider & Schmitt (1998) a comparação permite ainda descobrir fatores de regularidades, reconhecer mudanças, construir modelos e tipificações, identificar continuidades e transformações e explicar determinadas variáveis que imperam em fenômenos sociais. Para os autores, o método comparativo é um elemento racional de controle, cujos resultados interpretativos permitem estabelecer relações de causa-efeito, permitindo uma visão ampla e detalhada dos fenômenos estudados.

Neste contexto, Charles Ragin (1987) em seu livro The comparative Method utilizou pela primeira vez a expressão “Qualitative Comparative Analysis – QCA” objetivando criar um método para solucionar as críticas a estudos de casos sujeitos a generalizações quando envolvem um pequeno número de casos. A QCA é destinada a estudos envolvendo um pequeno número de casos (small-N) e permite realizar inferências a partir do máximo de comparações que podem ser feitas entre os casos sob análise. Quando as unidades de análises de um estudo envolvem um pequeno número de casos pertencentes a um grande universo, a maximização das comparações entre os casos sob investigação pode aumentar a confiabilidade probabilística necessária ao uso de amostragens estatísticas, por exemplo. O método permite a análise de múltiplos efeitos de causalidade e interação.

Como a QCA representa uma determinação lógica (determinista) e não uma técnica (probabilística) de estatística, as variáveis analisadas somente podem ser valoradas de forma binária (0 e 1). A análise da renda per capita, por exemplo, tem que ser analisada como baixa=0 e alta =1. Como esta variável é essencialmente uma variável contínua, não se pode avaliar o efeito da relação entre as variáveisindependentes. Esta limitação conferiu críticas ao método de RAGIN, porém, o próprio autor e outros estudiosos (RAGIN et al, 2006; RAGIN, 2008) desenvolveram novas ferramentas para solucionar o problema, como os softwares MultiValue QCA (mvQCA) e Fuzzy Set QCA (fsQCA), que possibilitam o uso de intervalos e permitem uma análise mais completa das variáveis causais de um fenômeno, como no exemplo da renda per capita: muito baixa=0; baixa= 0,3; alta= 0,7 e muito alta=1,0.

No modelo mais simples de QCA, a Crisp QCA, as variáveis analisadas são transformadas em unidades dicotômicas, como “pertencimento e não pertencimento”, “falso e verdadeiro”, de acordo com os princípios da álgebra booleana. A base da QCA tem como principal objetivo a identificação das condições necessárias e suficientes para que um determinado fenômeno ocorra. Então, tem-se que fenômenos ocorridos devido a uma única causa têm esta como necessária e suficiente à sua ocorrência e fenômenos ocasionados por causas combinadas têm ambas as causas como necessárias, porém sozinhas nem sempre são suficientes para sua ocorrência.

Assim como as técnicas quantitativas, a QCA admite que os fenômenos sociais sejam causados por fatores regulares (RAGIN, 1987; RIHOUX e RAGIN, 2009). Desta forma, seu uso é indicado segundo Rihoux & Ragin (2009) para o estudo de fenômenos que apresentem:

1. Causalidade complexa: Também chamada de causalidade múltipla conjuntural, considera que o caso é formado pela combinação de atributos complexos que não podem ser perdidos pela separação das variáveis. Para compreensão do caso é necessário uma relação contínua entre o caso e as teorias.

2. Causalidade assimétrica: existe quando a ocorrência de um fenômeno e sua não ocorrência necessita ser analisada separadamente, a partir de esclarecimentos diversos. Por exemplo, considerando as afirmações: (1) comunidades rurais que recebem assistência técnica são desenvolvidas e (2) comunidades rurais que não recebem assistência técnica são desenvolvidas, para que existisse uma correlação entre elas, a segunda afirmação deveria ser “comunidades que não recebem assistência técnica não são desenvolvidas”. Porém, se considerarmos que a assistência técnica é um subconjunto de desenvolvimento, as variáveis tornam-se perfeitamente correlacionáveis, uma vez que (hipoteticamente) receber assistência técnica pode ser um fator necessário para o desenvolvimento de uma comunidade rural, porém, nem sempre é suficiente quando está isolado (desacompanhado de outros fatores também necessários).

3. Relações não lineares: A QCA considera que as relações existentes em um caso são constitutivas, ou seja, não lineares. As condições para ocorrência de um fenômeno são variáveis independentes e um fator causal pode não ter o mesmo efeito entre os casos.

4. Equifinalidade: casos onde a combinação de fatores diferentes pode resultar no mesmo fenômeno. A combinação dos fatores é suficiente para ocorrência do fenômeno, mas não necessária, uma vez que modelos alternativos podem alcançar resultados semelhantes.

5. Multifinalidade: Ao contrário da equifinalidade, ocorre quando a mesma condição em diferentes tempos e contextos pode ocasionar resultados diferenciados.

As semelhanças da QCA com os métodos quantitativos referem-se à exigência de robustez teórica, evita explicações individuais, além de ser uma ferramenta replicável e formalizada. As diferenças entre os métodos podem ser observadas no quadro 03.

Quadro 03: Diferenças entre as técnicas quantitativas e a QCA

Técnicas quantitativas QCA

Generalização estatística Generalização limitada no tempo e espaço Causalidade única ou múltipla Causalidade múltipla conjuntural

Universalidade ou equifinalidade Equifinalidade

Unifinalidade Multifinalidade

Relações lineares causais e aditividade

Relações constitutivas e não aditivas Simetria causal Assimetria causal

Desmembra os casos em um conjunto de variáveis independentes.

Desmembra casos em um conjunto de atributos inter-relacionados.

Foco nas variáveis e nas relações entre variáveis causais e dependentes.

. Foco em configurações de variáveis que resultem em diferentes resultados

Número de vezes que a variável independente é observada é relevante (há quantificação das ocorrências).

Número de observações dos atributos não é relevante (não há quantificação de ocorrências)

Casos podem ser analisados de forma anônima. Possível manipulação de variáveis.

Casos são conhecidos e manipulados. Há transparência na intervenção sobre os dados, vista como um incremento substantivo do conhecimento teórico.

Fonte: Gurgel (2011).

As Unidades analisadas neste trabalho são o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Botos, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Realidade, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Madeira e a Floresta Tapauá, localizadas no

Estado do Amazonas. As duas primeiras são projetos de assentamento federais gerenciados pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e estão localizadas no município de Humaitá. As duas últimas são Unidades de Conservação de Uso Sustentável gerenciados pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), órgão estadual responsável pela execução da política ambiental. A RDS abrange os municípios de Manicoré, Novo Aripuanã e Borba e a Floresta, abrange os municípios de Tapauá e Canutama.

Considerando o contexto das Unidades analisadas, marcado pela diversidade de fatores que compõem o universo analítico, tais como os grupos de usuários dos recursos com suas relações específicas e formas de uso, as políticas às quais estão sujeitos, as condições naturais, dentre outros fatores, pode-se inferir que o fenômeno aqui estudado (o sucesso do uso dos recursos comuns) é envolvido pela combinação de fatores complexos, como explicado acima. Desta forma, os dados foram tratados aqui por meio do software fsQCA 2.0. Neste instrumento RAGIN adapta a lógica analítica utilizada na QCA (binária) aos pressupostos da lógica fuzzy.