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CAPÍTULO 3 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS

3.3 Saneamento básico

Adaptando-se o conceito de saneamento básico à realidade das comunidades amazônicas, a concepção aqui utilizada é de um sistema que envolve o tratamento do esgoto sanitário, o abastecimento de água potável e o manejo de resíduos. As condições de saneamento na região estudada foram consideradas precárias, uma vez que prejudicam a higienização das famílias. Não há redes de esgoto em 90% das moradias e os dejetos sanitários são lançados diretamente no ambiente, em valas a céu aberto (figura 26) ou em fossas negras, sendo encontrada a presença de fossas sépticas apenas na Floresta Tapauá (gráfico 03).

Figura 26: Estrutura de banheiro no PAE Botos (vala a céu aberto).

Gráfico 03: Destino dos dejetos sanitários nas áreas estudadas.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM) – Elaboração da autora

Conforme apresenta o gráfico acima, no PAE Botos os dejetos sanitários são lançados pela maioria dos moradores em valas a céu aberto (40%), no PDS Realidade e Floresta Tapauá ocorre eliminação dos dejetos direto no ambiente (no mato) pela maioria dos moradores (70% e 50% respectivamente) e na RDS Rio Madeira, os dejetos são eliminados principalmente em fossas negras (60,97%). Esta situação pode contribuir para a contaminação do lençol freático e dos recursos hídricos locais (rios, lagos, igarapés etc) mediante o processo de cheia e seca dos rios, e consequentemente provocar o aparecimento de doenças como verminoses, cólera, hepatite, dentre outras.

O gráfico 03 corrobora as diferenças socioeconômicas encontradas nos tipos de moradias. A RDS Rio Madeira apresenta o maior índice de residências que dispõem de fossa negra, alternativa menos nociva quando comparada à vala a céu aberto e ao “mato”. Entretanto, também não é uma opção segura. A fossa negra constitui-se de uma escavação sem isolamento, onde os dejetos caem diretamente sobre o solo e são absorvidos ou estabilizam-se na superfície da fossa, podendo contaminar o solo e trazer problemas à saúde dos moradores (BINOTTI e COSTA, 2009). A alternativa mais indicada é a utilização de fossas sépticas, considerada mais eficiente no tratamento dos dejetos e eliminação de agentes patogênicos (NOVAES, 2002), opção encontrada apenas em 5% das moradias da Floresta Tapauá. 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% Direto no ambiente

Fossa negra Fossa séptica Valas

30% 30% 0% 40% 70% 10% 0% 20% 8,60% 60,97% 0% 30,43% 50,00% 15% 5% 30% PAE Botos PDS Realidade RDS Madeira Floresta Tapauá

Em relação ao abastecimento de água, não foi observado na região oferecimento por meio de encanamento público. A água para consumo e uso doméstico é adquirida diretamente nos rios ou igarapés, coletada da chuva, obtida em perfurações no solo (nascentes ou cacimbas) ou poços artesianos, conforme apresenta o gráfico 04.

Gráfico 04: Fontes de abastecimento de água para consumo doméstico.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM) – Elaboração da autora.

Conforme apresenta o gráfico acima, a maioria dos moradores utiliza como fonte de água os rios ou igarapés mais próximos às residências (85% no PAE Botos, 78,18% na RDS Rio Madeira e 85% na Floresta Tapauá). Neste sistema, o acesso ao abastecimento durante a seca é dificultado devido à distância a ser percorrida para encontrar a fonte de água, tendo muitas vezes o morador que caminhar até 1 hora com recipientes pesados sobre as costas.

O uso de poço artesiano é a principal forma de abastecimento do PDS Realidade (80,70%), onde existe um poço instalado para uso coletivo. Este fato pode ser explicado também devido a maior distância das residências do assentamento às fontes de água de rios e igarapés, visto que localiza-se à margem da rodovia BR 319, em área de terra firme, enquanto que as comunidades das demais Unidades são ribeirinhas.

Durante o período chuvoso, a água da chuva é coletada por meio de calhas instaladas nos telhados onde é despejada diretamente em recipientes plásticos. Esta forma de abastecimento é utilizada por 5% das residências do PAE Botos, 3,8% no PDS Realidade, 10,9% na RDS Rio Madeira e 5% na Floresta Tapauá (gráfico 03). O maior índice na RDS

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

Cacimba Chuva Poço artesiano Rio/Igarapé

10% 5% 85% 11,7% 3,8% 80,70% 3,8% 9,12% 10,9% 1,8% 78,18% 5% 5% 5% 85% PAE Botos PDS Realidade RDS Madeira Floresta Tapauá

Rio Madeira deve-se ao uso de cisternas fornecidas pelo Programa de Melhorias Sanitárias e Armazenagem da Água (Pró – Chuva), iniciado em 2006 pelo Governo do Estado com o intuito de melhorar a qualidade da água consumida pelos ribeirinhos (figura 27).

Figura 27: Cisternas fornecidas pelo Pró – Chuva na RDS Rio Madeira.

Foto: NUSEC (2013).

O uso de cacimbas foi observado em todas as Unidades (10% no PAE Botos, 11,7% no PDS Realidade, 9,12% na RDS Rio Madeira e 5% na Floresta Tapauá). As cacimbas são poços artesanais, construídos a partir de escavações para retirada de água do lençol subterrâneo. Geralmente localizam-se nos quintais, reduzindo o trabalho para coleta de água em fontes mais distantes.

Devido à percepção de uma água de má qualidade para consumo, a maioria dos moradores da região (81,85%) realiza algum tipo de tratamento antes de beber, como mostra o gráfico 05. Os principais cuidados observados são o hábito de coar a água com um pano fino, fervura, filtragem ou adição de hipoclorito.

Gráfico 05: Tratamento da água realizado pelos moradores.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM) – Elaboração da autora.

Entretanto, o índice de moradores que não realiza nenhum tipo de tratamento pode ser considerado alto (20% no PAE Botos, 22,6% no PDS Realidade e 30% na Floresta Tapauá), quando comparado à RDS Rio Madeira onde todos os entrevistados afirmaram que realizam tratamento. Ao observar visualmente a água utilizada para consumo, coletada dos rios e igarapés e armazenada em potes nas residências, nota-se uma cor amarelada e um gosto de “barro”, o que pode comprometer a saúde dos consumidores.

O fato de 100% dos moradores da RDS Rio Madeira tratarem a água pode ser explicado pelo receio de contaminação por mercúrio proveniente da atividade garimpeira no Rio Madeira (figura 28). O garimpo de ouro é realizado por usuários externos vindos principalmente de Manicoré e Humaitá e cerca de 38,8% dos moradores indicaram a intensificação do aparecimento de doenças na época da atividade garimpeira (julho a outubro) como diarreia, doenças na pele e problemas respiratórios.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% PAE Botos PDS Realidade RDS Madeira Floresta Tapauá

Figura 28: Draga utilizada para atividade garimpeira na RDS Rio Madeira.

Foto: NUSEC (2013)

A prática de garimpo de ouro na Amazônia legal é apontada como responsável pelo lançamento de intensa quantidade de mercúrio no ambiente, que transformado em metil- mercúrio contamina os organismos aquáticos e acumula-se nas cadeias alimentares (PADOVANI et al, 1995). Na região do Rio Madeira, o garimpo é realizado há mais de 20 anos, usualmente por meio de balsas equipadas com dragas que revolvem o leito dos rios, podendo provocar modificações em sua estrutura. Foram encontradas evidências de contaminação em altas concentrações de mercúrio nos peixes consumidos e comercializados originários deste rio (PADOVANI et al, 1995). Além disso, o garimpo de ouro tem sido considerado causa de intensos conflitos na região e uma das atividades mais impactantes ao meio ambiente (SOARES, 2009).

Os moradores apontam também como causa da má qualidade da água a grande quantidade de dejetos lançados no rio pelas embarcações circundantes. Assim, o tratamento mais utilizado é o uso de hipoclorito (40% no PAE Botos, 50% no PDS Realidade e 75,6% na RDS Rio Madeira), exceto na Floresta Tapauá, onde o principal cuidado é o hábito de coar a água (60%). O hipoclorito é fornecido gratuitamente nas comunidades que possuem agente de saúde, e o menor índice de uso deste recurso em Tapauá corrobora as dificuldades encontradas ao acesso a agentes de saúde nesta Unidade. O hábito de coar e ferver a água é usado em menor escala na RDS Rio Madeira (4,87% e 4,93% respectivamente) e o uso de filtros, é maior no PDS Realidade (20,8%) e PAE Botos (20%).

O sistema de abastecimento de água na região é, pois, susceptível à contaminação. Foram apontadas a presença de doenças como cólera, hepatite, diarreia e verminoses nas Unidades, que podem estar associadas ao consumo de água contaminada. É necessária uma análise microbiológica da água consumida para embasar propostas de melhorias da qualidade da água, que devem ser integradas a propostas de sistemas de esgotamento sanitário, destinação correta do lixo e controle da atividade garimpeira.

Em relação ao destino dos resíduos sólidos, não há serviço público para coleta do lixo na região estudada. Lembrando que Darolt (2002) diferencia o termo resíduo sólido do termo lixo, referenciando-se o primeiro a materiais que podem ser reaproveitados e, portanto, possuem valor econômico agregado, enquanto o lixo refere-se ao material que não possui qualquer valor ou utilidade.

Gráfico 06: Destino dos resíduos sólidos na região estudada.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM)

Conforme apresenta o gráfico acima, o principal destino do lixo no PAE Botos, PDS Realidade e Floresta Tapauá é a queima (80%, 88% e 54,05% respectivamente), enquanto na RDS Rio Madeira os resíduos são lançados diretamente no ambiente pela maioria dos moradores (39,32%), seguido da queima (34,48%). O hábito de jogar o lixo direto no rio foi encontrado no PAE Botos (5%) e na Floresta Tapauá (13,06%). A prática de enterrar os

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00% 90,00% Lança no ambiente

Rio Queima Enterra

4,34% 5,00% 80,00% 11% 4,00% 0,00% 88,00% 8,00% 39,32% 0,00% 34,48% 26,20% 27,02% 13,06% 54,05% 5,87% PAE Botos PDS Realidade RDS Madeira Floresta Tapauá

resíduos foi observada mais expressivamente na RDS Rio Madeira (26,2%) seguido de 11% no PAE Botos, 8% no PDS Realidade e 5,87% na Floresta Tapauá. Estas formas de eliminação de resíduos são nocivas e apresentam riscos de danos ao ambiente e à saúde. Os moradores não demonstram percepção dos riscos relacionados ao descarte incorreto do lixo, ocasionado principalmente pela ausência de um sistema de coleta e reaproveitamento dos resíduos.

A queima pode promover a poluição do ar e reduzir os nutrientes do solo, que em longo prazo, podem se tornar inférteis (LIMA et al, 2005). O acúmulo de lixo nos quintais pode ocasionar a contaminação da água, do solo e até dos alimentos produzidos na agricultura, além da possibilidade de acidentes, nos casos dos materiais de vidro e alumínio, atração de animais peçonhentos e organismos transmissores de doenças (SANTOS e OLIVEIRA, 2009). O hábito de enterrar inadequadamente os resíduos pode contaminar o solo e o lençol freático e jogar lixo no rio, pode contaminar a água e promover a poluição dos mananciais hídricos.

Além da ausência de um sistema de coleta adequado à realidade de cada Unidade, que considere às distâncias das comunidades e localidades aos centros urbanos, foi observado um baixo nível de percepção quanto aos riscos dos métodos utilizados para o descarte dos resíduos sobre o ambiente e à saúde. A adoção de um sistema de separação do lixo, suscitando as possibilidades de uso do lixo orgânico na adubação e alimentação animal, e dos resíduos inorgânicos para reciclagem, poderia tornar-se mais uma fonte de renda aos moradores.

Apesar destas limitações, o cenário das condições de saneamento ambiental reflete a capacidade de adaptação e criação dos moradores, uma vez que os sistemas de fossas e de distribuição de água resultam de sua própria ação, já que não ocorre o oferecimento destes materiais e serviços pelo Estado. Este parâmetro representa, pois, parte fundante do IAD framework, qualificando os moradores no tocante a sua capacidade de resolver localmente questões de competência do Estado.

Assim o saneamento ambiental, parametrizado por meio do destino dos dejetos (esgoto), formas de abastecimento/qualidade da água e destino dos resíduos sólidos foi classificado qualitativamente como “parcialmente insatisfatório” no PAE Botos e na Floresta Tapauá e como “mais ou menos insatisfatório” no PDS Realidade e na RDS Rio Madeira, conforme a classificação detalhada no capítulo 8. A qualificação desta questão infraestrutural como um componente do IAD framework possibilitou ao fuzzy set QCA apresentar sua influência no modo de vida dos moradores e no desempenho do uso dos recursos em cada

unidade, associando-a aos demais parâmetros como moradia, energia elétrica, comunicação e transporte.