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CAPÍTULO 3 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS

3.2 Moradias

As condições de moradia são consideradas por Sparovek (2003) um importante indicador do nível de acesso das famílias aos programas destinados aos assentamentos rurais no Brasil. Uma moradia de qualidade, possibilita a estruturação do núcleo familiar e consequentemente permite melhorar a qualidade de vida dos assentados. Desta forma, considerando as moradias como um elemento válido para avaliar as condições de infraestrutura nas Unidades, e, portanto, um parâmetro útil na construção do IAD framework, esta seção apresenta em que medida as formas de construção das moradias compõem um dos elementos necessários à compreensão das formas de viver dos moradores e como estas se associam às demais práticas sociais e produtivas.

Os aspectos relacionados aos tipos de moradias apresentam um padrão na região estudada (figuras 20 a 23). As moradias são constituídas geralmente de 1 ou 2 cômodos, a maioria não possui banheiro interno (82,6%) e os materiais utilizados para construção são basicamente madeira e palha, formando estruturas conhecidas como palafitas.

Figura 20: Moradia do PAE Botos.

Figura 21: Moradia do PDS Realidade.

Figura 22: Moradia da RDS Rio Madeira.

Foto: NUPEAS (2012) Figura 23: Moradia da Floresta Tapauá.

Foto: NUSEC (2013) Figura 23: Moradia da Floresta Tapauá.

Foto: NUSEC (2013) Foto: NUPEAS (2012)

A maioria das residências da região estudada é construída de madeira (80% no PAE Botos, 76,9% no PDS Realidade, 91% na RDS Rio Madeira e 82% na Floresta Tapauá), podendo-se encontrar também casas de alvenaria, casas construídas somente de palha e as combinações de madeira+palha, madeira + alvenaria, madeira + telha e palha, como apresenta o gráfico 02. Geralmente a madeira forma a estrutura da parede e do piso (assoalho) e a cobertura pode ser feita com telha de amianto ou palha.

Gráfico 02: Materiais de construção das moradias.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM) – Elaboração da autora

No gráfico acima é possível observar ainda que as construções de palha, alvenaria e mistas são observadas em menor frequência quando comparadas às construções de madeira. No caso das construções de palha, o maior índice é observado na Floresta Tapauá (10%) e a menor frequência ocorre na RDS Rio Madeira (3%). As construções mistas são observadas em maior proporção no PDS Realidade (19,2%), enquanto no Madeira não foram identificadas.

Esta situação pode representar as diferenças socioeconômicas existentes entre as Unidades. A RDS Rio Madeira, por exemplo, é a única a presentar construções de alvenaria (6,0%), além de possuir menor índice de casas construídas de palha. A Floresta Tapauá, por sua vez, apresenta o maior índice de casas construídas com palha, que apesar de ser um material mais eficaz a nível acústico e térmico para construções em ambientes amazônicos, apresenta o risco de apodrecimento em menor tempo, dado os altos índices de umidade da

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Madeira Alvenaria Palha Mista

80% 0% 5% 15% 76,90% 0% 3,90% 19,20% 91,00% 6,00% 3% 0% 82% 0% 10% 8% PAE Botos PDS Realidade RDS Madeira Floresta Tapauá

região, podendo ser considerado, portanto, um material de baixa qualidade para construções na região.

Segundo o I Censo da Reforma Agrária (INCRA, 1996) os tipos de moradias nos assentamentos rurais brasileiros são predominantemente constituídos de casas construídas de madeira (31,9%) e alvenaria (22,99%). Os tipos de construções representam as diferenças socioeconômicas regionais, pois, a maioria das casas é construída de madeira nas regiões Centro-Oeste (49,17%), Norte (50,89%) e Sul (73,46%), de taipa na região Nordeste (45,35%) e alvenaria na região Sudeste (65,35%).

Apesar da maioria das casas na região analisada serem construídas de madeira, as condições de conservação foram consideradas “precárias” pela maioria dos moradores (72%). Entretanto, esta situação mantém o padrão de moradias em encontrado no Estado do Amazonas e na Região Norte. Segundo Abelém e Hébette (1998), a maioria das habitações dos assentamentos rurais do Amazonas (38%) apresenta condições “regulares” de conservação, seguido de 30% com “boas” condições e 27% com condições de conservação “precárias”. As casas são construídas pelas próprias famílias, utilizando-se madeira retirada de áreas próximas às comunidades. Entretanto, com a criação das UCs e dos assentamentos, a proibição de retirada da madeira desencoraja os moradores a realizar os reparos necessários para manutenção da conservação das residências.

Dentre os tipos de moradia encontram-se também as casas flutuantes (figura 24), com estrutura semelhante às palafitas, porém, localizadas às margens dos rios e construídas sobre grandes troncos que funcionam como boias. Além da função de residência, os flutuantes também podem operar como pequenos comércios, bares ou restaurantes.

Figura 24: Casas flutuantes em Tapauá.

A casa flutuante apresenta-se então como uma estratégia de adaptação dos ribeirinhos às variações hídricas (cheia e seca) e facilita o deslocamento da residência de acordo com os interesses e necessidade dos moradores.

Na Floresta Tapauá foi observada uma especificidade em relação ao tipo de moradia, caracterizando-se a partir deste recurso dois tipos de moradores: aquele que reside diretamente na área da UC e aquele que utiliza as residências da Floresta sazonalmente para trabalhar. A estrutura da casa destes últimos geralmente é constituída apenas de cobertura (palha ou telha de amianto) e assoalho, não tem paredes laterais, divisão de cômodos ou quintais extensos (figura 25).

Figura 25: Diferenças habitacionais na Floresta Tapauá.

Fotos: NUSEC (2013).

A precariedade das condições de moradia percebida pelos moradores está em desacordo aos benefícios previstos pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Segundo o PNRA, moradores de Assentamentos Rurais e Unidade de Conservação de Uso Sustentável das categorias Reserva Extrativista, Floresta Nacional (ou Estadual) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável têm direito ao recebimento do crédito instalação já a partir do primeiro ano de implantação da Unidade, destinado à garantia das condições mínimas para permanência das famílias nos assentamentos, por meio do auxílio ao suprimento das necessidades fundamentais, fortalecimento das atividades produtivas, construção das residências e desenvolvimento de projetos (Instrução Normativa INCRA No. 68 de 2011).

Dentre as modalidades previstas no crédito instalação estão: a) Apoio Inicial no valor de R$ 3.200,00 visando o suprimento das necessidades básicas; b) Aquisição de Materiais de Construção no valor de R$ 15.000,00 para auxiliar na construção das unidades habitacionais e

c) Recuperação/Materiais de Construção destinado à recuperação das residências já construídas no valor de até R$ 8.000,00. O pagamento dos créditos pelos moradores deve ser efetuado em dezessete prestações anuais e sucessivas a contar da data de recebimento do recurso. Caso não haja o pagamento, a dívida é inscrita em Dívida Ativa, incorrendo multa e juros de mora, acrescidos dos encargos legais aplicáveis à Dívida Ativa da União (Instrução Normativa INCRA No. 69 de 2011).

Os benefícios são disponibilizados pelo INCRA em parcelas, condicionados ao cadastro dos beneficiários e à existência de uma associação regularizada no assentamento para atuar na supervisão do recebimento e aplicação do recurso de acordo com sua finalidade. No caso dos assentamentos sustentáveis e UC’s de Uso Sustentável, os créditos são concedidos individualmente, porém, a aplicação dos recursos deve ser definida coletivamente, de acordo com os Planos de Gestão nas UC’s e Planos de Desenvolvimento nos assentamentos. No entanto, muitos moradores demonstram-se desanimados com a necessidade de pagamento do crédito habitação ao governo, pois afirmam que se aproveitassem a madeira extraída diretamente da floresta, os custos para construção das casas seriam muito menores em relação àqueles cobrados pelo INCRA (R$ 15.000,00). A ideia de fixação das famílias nas comunidades obteria um melhor resultado caso os projetos de habitação procurassem integrar às moradias ao seu meio de vida, utilizando materiais locais renováveis e apropriação do aproveitamento dos recursos (SILVA, 2007).

De acordo com a Relação de Beneficiários do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA) do INCRA, atualizada em 26 de agosto de 2013, o PAE Botos possui 232 beneficiários cadastrados, o PDS Realidade tem 372 beneficiários, a RDS do Rio Madeira possui 818 beneficiários e a Floresta Tapauá tem 81 beneficiários cadastrados. Entretanto, nenhuma das Unidades teve suas agrovilas construídas até o momento.

Diante do cenário das condições de moradias nota-se que este parâmetro imprime particularidades à arena socioeconômica que se expressam no uso dos recursos. O arranjo espacial organizado em torno das fontes hídricas (rios, lagos e igarapés) e os materiais utilizados para construção das casas representam uma arena potencial para tomadas de decisão e escolhas destes moradores. Apesar das precárias condições das moradias (consideradas assim pelos próprios moradores) e da insuficiência da assistência recebida pelas políticas governamentais, os moradores estruturam suas residências a partir dos recursos naturais existentes próximos às comunidades.

A partir da realidade observada, a inserção deste parâmetro no IAD framework permitiu qualificar as condições das moradias como “mais ou menos insatisfatórias” em todas as Unidades, de acordo com as regras qualitativas da análise fuzzy apresentadas no capítulo 8, que determinam os intervalos quantitativos. Ao submeter os dados desta arena no QCA, e ao interpretá-los à luz da lógica fuzzy, estruturada pelo fuzzy set QCA foi possível observar uma aproximação mais consistente da realidade vivenciada nas comunidades.