• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 A DINÂMICA DE USO DOS RECURSOS NATURAIS

4.4 Extrativismo

4.4.3 Extrativismo animal

4.4.3.1 Caça

A carne de animais silvestres é uma das principais fontes de proteína animal para populações tradicionais da Amazônia. Estimativas apontam o consumo de 9 a 23 milhões de aves, mamíferos e répteis anualmente na região, o que contribui para a indicação da caça como a principal causa da redução populacional das espécies da fauna silvestre (ROSAS e DRUMOND, 2007).

Entretanto, além da finalidade alimentícia (subsistência), as populações tradicionais mantêm diferentes interações com os animais silvestres. A caça representa também uma atividade sociocultural, baseada em práticas e saberes transmitidos entre gerações, constitutivos de uma cultura ecológica, já que os povos da floresta detém importantes conhecimentos a respeito do comportamento, hábitos e usos dos animais (PEZZUTI e CHAVES, 2009).

O controle do uso da fauna silvestre no Amazonas, por exemplo, ocorre muitas vezes em função de mitos surgidos entre as populações que usam diretamente este recurso, tendo como consequência a caça excessiva ou a preservação de algumas espécies. Na Floresta Tapauá, os moradores não matam o tatu-canastra (Priodontes maximus) porque acreditam que

o caçador ou algum membro de sua família será morto de alguma forma logo após a caça. Esta crença contribui para preservação da espécie no local que está na lista dos animais vulneráveis à extinção (MMA, 2003; IUCN, 2012).

A lei 5.197 de 03 de janeiro de 1967 (lei de caça) proibiu a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de animais silvestres diretamente da natureza, salvo regulamentações que estabelecessem o uso em regiões que comportassem a caça de acordo com peculiaridades regionais. Posteriormente, a lei de crimes ambientais No. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 previu que não é constituído crime, o abate de animais silvestres quando realizado: “para saciar a fome do agente ou de sua família; para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente e por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente”. Assim, a caça é tolerada em áreas protegidas apenas para alimentação das famílias residentes e desde que atividade seja inserida nos Planos de Gestão ou de Uso, de acordo com as regras estabelecidas para cada Unidade.

MENEGALDO et al (2012) em estudo realizado no Parque Nacional do Jaú, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral com território localizado nos municípios de Barcelos e Novo Airão, no Estado do Amazonas, observou que a relação dos moradores de UCs com a atividade de caça pode ser observada em dois estratos distintos: crianças e adolescentes que crescem nas áreas protegidas após sua criação apresentam maior aceitação e percepção da proibição, quando comparados a adultos e idosos, socializados por antecessores cuja subsistência era baseada também na comercialização de animais silvestres. No entanto, completam os autores, é possível perceber uma transformação no cotidiano dos moradores mais velhos em relação a caça, que gradativamente adaptam-se à nova realidade: a proibição. A atividade de caça pode ser classificada como de subsistência, exploratória, oportunista ou proposital (ROSAS e DRUMOND, 2007). Na região de estudo, geralmente a caça ocorre nas mesmas áreas onde são praticadas a pesca, a agricultura e o extrativismo, como forma de aproveitamento do tempo e diminuição do esforço de deslocamento para áreas mais distantes, podendo ser classificada como oportunista. Porém, encontra-se também a caça proposital, pois alguns caçadores planejam saídas exclusivas para atividade geralmente realizada em grupos de 3 (três) pessoas em média.

A finalidade do abate dos animais silvestres foi indicada apenas para o consumo alimentar em todas as unidades analisadas, podendo ser classificada neste caso também como caça de subsistência. A ausência de comercialização de animais silvestres pelos moradores

pode ser evidenciada pela quantidade média indicada de animais caçados anualmente por família que variou de 1 a 3 unidades. Entretanto, há relatos informais da comercialização de animais silvestres por moradores da Floresta Tapauá, com preço de venda variável entre R$ 3,00 e 5,00 o quilo.

A caça é realizada principalmente com uso de arma de fogo e na Floresta Tapauá foi observado o uso de cães de caça, justificado pelos moradores pela presença de onças próximas às residências que atacam animais domésticos e até mesmo as famílias. A caça é observada mais intensamente em comunidades localizadas mais distantes dos centros urbanos, alegando- se a necessidade da atividade pela dificuldade de obtenção de proteína animal para alimentação. Os moradores se deslocam até as cidades em média uma vez ao mês ou a cada dois meses e necessitam do alimento para variar o cardápio da família. A carne de caça representa de 3 a 53% do total de proteína consumida pelas comunidades rurais amazônicas (OLIVEIRA, 2002).

O gráfico 22 apresenta as espécies mais caçadas nas áreas estudadas. De modo geral observa-se que a pressão de uso é maior sobre a anta (Tapirus terrestres), catitu (Tayassu tajacu), cutia (Dasyprocta sp.), paca (Agouti paca), queixada (Tayassu pecari), tatu (Priodontes maximus) e veado (Blastocerus sp.). A menor diversidade de espécies caçadas é observada no PAE Botos e no PDS Realidade.

Gráfico 23: Principais espécies caçadas nas áreas estudadas.

Fonte: dados coletados em campo (NUPEAS/UFAM e NUSEC/UFAM) – Elaboração da autora. 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% A nta C ap iv ar a C at itu C ut ia Jacu Mac aco Mut um N ha m bu P ac a Q uei xa da Tat u V ead o PAE Botos PDS Realidade RDS do Rio Madeira Floresta Tapauá

No PAE Botos, as espécies mais caçadas são anta, catitu, cutia, paca, queixada e tatu. No PDS Realidade, são caçados anta, catitu, paca, queixada, tatu e veado. Na RDS Rio Madeira, são caçados principalmente anta, catitu, cutia, jacu (Penelope obscura), macaco, mutum (ave), inhambu (Crypturellus sp), paca, queixada e veado. Na Floresta Tapauá, as espécies mais caçadas são anta, capivara (Hydrochoerus hydrochoeris), catitu, cutia, macaco, mutum, nhambu, queixada, tatu e veado (gráfico 22).

Na Floresta Tapauá, onde há relatos de comercialização de carne de animais silvestres, os moradores apresentam percepção do declínio populacional de quelônios e capivara na região decorrente da caça indiscriminada, sendo relatada inclusive a quase extinção destas espécies no local, que segundo os moradores, não são vistas há pelo menos dez anos.

Na RDS Rio Madeira existem conflitos relacionados à caça entre moradores e invasores não reconhecidos como usuários da Reserva. Para solucionar os problemas, algumas comunidades estabeleceram regras de uso, como troca de favores para caçar na área de outras comunidades e estabelecimento do número de animais que podem ser caçados por ano, como por exemplo, 4 cutias/família/ano. Observa-se aqui uma proposta de gestão do recurso (fauna silvestre) identificada pelos moradores que poderá ser incorporada no plano de gestão da Reserva pelo CEUC.

A percepção dos problemas causados pela caça indiscriminada gera nos moradores da RDS do Rio Madeira o desejo de participar de propostas de manejo. Foi citada pelos entrevistados a possibilidade de elaboração de um “acordo de caça”, cuja principal ação seria a proibição da caça comercial para as espécies mais ameaçadas por três anos, sendo possível a partir daí estabelecer regras para consumo destes animais conforme estudos realizados na área. Para efetivação deste acordo, os moradores reiteram a necessidade de intensificar as ações de fiscalização por parte do órgão gestor.

Os Planos de Gestão e Planos de Uso das Unidades deveriam incorporar as interações existentes entre os moradores e a fauna local. A partir da realidade observada, a elaboração de propostas de manejo participativo serão mais adequadas, com vistas ao alcance de benefícios da conservação do recurso, bem como, da proteção das práticas e saberes voltados à valorização dos animais silvestres como unidade de consumo e fonte de conhecimento tradicional ecológico.