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CAPÍTULO III – METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

3. MÉTODOS E TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO

3.4. A análise de conteúdo

A análise de conteúdo como técnica de investigação é segundo Bardin (2009), uma “prática que funciona há mais de meio século” (ibid., p.15) e “tudo o que é dito ou escrito é suscetível de ser submetido a uma análise de conteúdo” (ibid., p.34), de acordo com o mesmo autor, que utiliza as palavras de Henry e Moscovici (1968).

O lugar que a análise de conteúdo ocupa na investigação tem-se tornado cada vez maior, uma vez que esta técnica permite o tratamento, de forma metódica, das informações com um grau de profundidade e complexidade assinalável como é o caso das entrevistas (Quivy & Campenhoudt, 2013, p.227).

A técnica da análise de conteúdo tem subjacente a si um conjunto de processos técnicos que passam por divisões, cálculos e aperfeiçoamentos sistemáticos, que incluem os próprios materiais, tornando necessário um trabalho preciso. Poder-se-á dizer que a análise de conteúdo recorre a procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens e retira delas os elementos que lhe permitem, posteriormente, efetuar interpretações, na perspetiva defendida por Quivy & Campenhoudt de que a “análise de conteúdo em ciências sociais não tem como objetivo compreender o funcionamento da linguagem enquanto tal”, mas sim “tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de profundidade e complexidade” (2013, pp.226-227).

Nesta mesma linha de ideias Bardin, defende que a análise de conteúdo se revela como um “conjunto de técnicas de análise de comunicações” (2009, p.33). Será, assim, um instrumento, constituído por um conjunto de técnicas e marcado por uma diversidade de formas, sendo adaptável a um vasto campo de aplicação que são as comunicações, aplicando-se em vários domínios: linguístico (escrito e oral), icónico (sinais, grafismos, imagens, fotografias, filmes, etc.),

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 139 outros códigos semióticos (tudo aquilo que não sendo linguístico, pode conter significações: música, comportamentos, espaço, tempo, objetos diversos, etc.) (ibid., p.36).

A análise de conteúdo tem, por outro lado, duas funções que “podem ou não dissociar-se” na sua prática e que coexistem entre si de uma “maneira complementar”:

- uma “função heurística” que se baseia no enriquecimento de uma atitude exploratória, favorecendo e ampliando a propensão para a descoberta;

- uma função de “administração da prova”, na qual se infirmam ou confirmam as hipóteses elaboradas inicialmente (sob a forma de questões ou de afirmações provisórias) que, funcionando como orientações, invocam para o método de análise sistemática, com o intuito de “servir de prova” (Bardin, 2009, pp.31-32).

Consubstancia assim um método empírico, dependente da mensagem e da linha de interpretação que se pretende, pelo que a sua aplicação opera através de regras de base dificilmente transponíveis (ibid., p.32).

Considerando o seu campo, o seu funcionamento e o seu objetivo, a análise de conteúdo pode ser designada como:

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (ibid., p.44).

Assim, o recurso à análise de conteúdo pode ser útil quando o nosso objetivo é alcançar a compreensão da comunicação para além dos seus significados imediatos, uma vez que, por trás de um discurso, pode estar escondido um sentido que convém descobrir.

Na perspetiva de Bardin, a organização das diversas fases de análise de conteúdo é efetuada em torno de três pólos cronológicos: “1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação” (2009, p.121).

A primeira fase, a pré-análise, tem por objetivo a organização das ideias iniciais para um desenvolvimento de um plano estruturado de análise. É flexível, composto por três etapas sucessivas, “a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos, e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final” (ibid.).

A primeira atividade desta fase é a leitura flutuante que permite obter um conjunto de “impressões e orientações”. Esta leitura torna sucessivamente mais claras as hipóteses emergentes

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referenciadas às teorias aplicadas e facilita a escolha dos documentos quando estes não estão previamente definidos. A definição deste universo de documentos a submeter a procedimentos analíticos tem de atender a algumas regras (ibid., p.122):

- A “regra da exaustividade” que consiste em não deixar de fora qualquer um dos elementos que pertençam ao universo.

- A “regra da representatividade”, que tem por base a utilização de uma amostra rigorosa, ou seja, só o será se for uma parte representativa do universo, podendo-se, assim, generalizar os resultados ao todo.

- A “regra da homogeneidade”, que refere a necessidade de os documentos selecionados “obedecerem a critérios precisos de escolha”.

- A “regra da pertinência”, que tem por base a correspondência entre os documentos escolhidos para análise e o objetivo que a análise suscita (Bardin, 2009, p.122-124).

A formulação das hipóteses e dos objetivos, a segunda fase de pré-análise, consiste em formular uma “afirmação provisória que nos propomos verificar (confirmar ou infirmar), recorrendo aos procedimentos de análise” (Bardin, 2009, p. 124). Ou seja, a finalidade geral desta fase é o objetivo a que nos propomos, perante o quadro teórico que servirá de base aos resultados obtidos (ibid., p.124).

Relativamente à terceira fase da pré-análise, “a referenciação dos índices e a elaboração de indicadores”, podemos concluir que,

Se se considerarem os textos uma manifestação que contém índices que a análise vai fazer falar, o trabalho preparatório será o da escolha destes – em função das hipóteses, caso elas estejam determinadas – e sua organização sistemática em indicadores (Bardin, 2009, p.126).

Se se considerar o índice como o tema que possui mais importância para o locutor por ser o mais frequentemente repetido, “o indicador correspondente será a frequência deste tema de maneira relativa ou absoluta, relativamente a outros” (ibid.).

Construídos os índices, estamos em condições de proceder à construção de indicadores precisos, sendo a sua eficácia e pertinência testada em algumas partes dos documentos.

A preparação do material será prévia à análise, e passa, por exemplo, por transcrever entrevistas que foram gravadas, pela preservação das gravações e pela disposição das perguntas e respostas em formatações que permitam leituras de identidades e contrastes (Bardin, 2009, p.127).

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 141 A exploração do material e o seu tratamento é realizado com recurso a operações de codificação e de categorização, sendo uma fase longa e baseada na “aplicação sistemática das decisões tomadas” (ibid.).

A codificação de um texto é uma transformação que obedece a regras precisas, e faz-se por recorte, agregação e enumeração, permitindo obter uma representação das caraterísticas do texto, que podem servir de índices (ibid., p.129).

Para a mesma autora, a organização da codificação obedece a três possibilidades: o recorte que se traduz pela escolha das unidades, a enumeração traduzida pela escolha das regras de contagem e a classificação e a agregação feita pela escolha de categorias (ibid., p.129).

As escolhas devem ter em consideração duas noções importantes que servem de base ao recorte, a unidade de registo e a unidade de contexto.

A unidade de registo “é a unidade de significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização e a contagem frequencial” (Bardin, 2009, p. 130). Estas unidades podem ser de natureza e de dimensões muito variadas, prevalecendo uma relativa ambiguidade no que concerne aos critérios de distinção das mesmas.

De entre as unidades de registo realçamos as mais utilizadas:

- “A palavra” não possui uma definição concreta em linguística, mas tem significado para quem faz uso dum idioma, sendo que é possível ter em consideração todas as palavras do texto ou, pelo contrário, podemos reter unicamente as palavras-chave ou as palavras-meta. É possível realizar-se a “análise de uma categoria de palavras, sejam eles, substantivos, adjetivos, verbos, advérbios, com a finalidade de se determinarem relações”;

- “O tema”, muito utilizado na análise de conteúdo, define-se como “a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”. Assim, a realização de uma análise temática tem por objetivo a descoberta dos “núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. O tema como unidade de registo pode ser utilizado, por exemplo, na análise de respostas a questões abertas, de entrevistas não diretivas, no estudo de atitudes, de motivações de opiniões, de valores, de crenças, de tendências, etc.;

- “O objeto ou referente” entende-se como “temas-eixo, em redor dos quais o discurso se organiza”. São exemplo disto “os objetivos e atitudes numa análise da imprensa política” ou “as divisões de uma casa citadas num inquérito sobre a habitação”;

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- “O personagem” concentra-se no ator que tem um papel relevante no contexto dos objetivos da análise;

- “O acontecimento” aparece como unidade de registo quando se trata de relatos ou de narrações; - “O documento” pode ser considerado como unidade de registo “desde que possa ser caraterizado globalmente e no caso de análise rápida”, é o caso de um artigo, um filme, um livro ou um relato (Bardin, 2009, pp.130-133).

A unidade de contexto, além de servir de unidade de compreensão para a codificação da unidade de registo, corresponde, também, “ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registo) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registo”. É necessário, muitas vezes, fazer-se “referência ao contexto próximo ou longínquo da unidade a registar”, nomeadamente, ao estarmos a analisar mensagens políticas, as palavras liberdade, democracia, sociedade são palavras que necessitam de um contexto para serem compreendidas verdadeiramente (ibid., p.133).

A escolha da enumeração traduz-se pelo modo como as unidades de registo vão ser contadas. As regras de contagem têm que ser definidas. É essencial distinguir nas unidades de registo o que pode ser enumerado, ou seja, contado. A escolha de uma regra de enumeração (ou de várias),

assenta numa hipótese de correspondência entre a presença, a frequência, a intensidade, a distribuição, a associação da manifestação da linguagem e a presença, a frequência, a intensidade, a distribuição, a associação de variáveis inferidas, não linguísticas. É conveniente procurar-se a correspondência mais pertinente (Bardin, 2009, p. 139).

De acordo com a mesma autora, a categorização, não sendo obrigatória, é usada na generalidade das análises de conteúdo e passa pela escolha de categorias.

A categorização é definida como:

uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o género (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registo, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em razão das características comuns destes elementos (2009, p.145).

Relativamente ao critério de categorização, pode ser semântico, sintático, lexical e expressivo. São por Bardin explicados como: no semântico por categorias temáticas, ou seja, agrupamos por temas; sintático, agrupamos por verbos ou adjetivos; lexical, classificamos segundo o sentido, com

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 143 emparelhamento de sinónimos; expressivo, por categorias que classificam as diversas perturbações da linguagem (2009, pp.145-146).

A categorização é, então, um processo com duas etapas: o inventário, que visa isolar os elementos, e a classificação, que tem por objetivo repartir os elementos, procurando impor organização às mensagens.

A análise de conteúdo assenta na crença de que a categorização, ou seja, a passagem de dados em bruto a dados organizados, por condensação, não introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados em bruto.

Uma última palavra para o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Para Bardin, os resultados organizados em bruto são tratados de forma a tornarem-se “significativos (…) e válidos”. Este tratamento pode ser realizado com recurso a operações estatísticas simples (percentagens) ou complexas (análise fatorial) que possibilitam a construção de quadros de resultados, diagramas, figuras e modelos, que realcem as informações e permitam retirar inferências e interpretações (2009, p.127).

Poderemos, assim, concluir que o trabalho do investigador é realizado com o intuito de, por um lado, compreender o sentido da comunicação e, por outro, desviar o olhar para uma outra significação, tentando obter um sentido do que está oculto.

Nesta investigação, recorreremos à análise de conteúdo do conjunto de dados recolhidos nas entrevistas, visando a sua redução, por categorização e codificação, que possibilite uma descrição e interpretação.