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CAPÍTULO II – O MODELO TEÓRICO DE ANÁLISE: CONTRUÇÃO TEÓRICA

4. OS MODELOS PÓS-BUROCRÁTICOS

4.1. O modelo político

4.1.1. Interesses conflito e poder

Os interesses para Morgan são “um conjunto complexo de predisposições que envolvem objectivos, valores, desejos, expectativas e outras orientações e inclinações que levam a pessoa a agir em uma e não em outra direcção” (1996, p.153).

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 105 No entanto, os interesses, na perspetiva de Morgan, são associados à ideia de aspetos a conservar, a ampliar ou a alcançar numa relação social organizacional e podem ser individuais ou grupais. Na política organizacional, estes interesses podem dispersar-se por três domínios, “tarefas, carreira e vida pessoal de alguém na organização”. Do trabalho que se desempenha numa organização decorre o interesse de tarefa que é associado ao alcance eficiente de resultados que permitem satisfazer expectativas e aspirações em termos de progressão na carreira ou alcance de outras tarefas mais equiparadas à visão do mundo de cada ator, traduzindo-se esta perspetiva no interesse de carreira. Mas este tipo de interesse pode ser assumido numa vertente mais ligada ao exterior da organização, expressando um “comprometimento com o mundo exterior” e configura “a forma de agir tanto em relação ao cargo, quanto à tarefa”, que o autor denomina por interesses extra-muros (ibid.).

Estes interesses, ao interagirem uns com os outros, podem provocar um equilíbrio instável, provocar tensões que se refletem na atividade política da organização. Os comportamentos pessoais ficam afetados por estas tensões e “tornam a sua relação com o trabalho inerentemente `política`” (ibid., p.155).

Os atores no meio social atuam segundo jogos de poder e influência, calculando procedimentos que lhes permitam realizar objetivos de ordem diversa, aí se incluindo, os objetivos pessoais, profissionais e políticos, não podendo ser dissociados uns dos outros quando falamos de professores (Hoyle,1988, p.257).

Aceitando que a realização de interesses individuais é mais eficaz quando os indivíduos procuram atuar em coligações de interesses, para com mais facilidade atingirem os seus objetivos, conforme defende Bscharach (1988, p.284), então os objetivos da organização são ambíguos e instáveis dependendo a cada momento da coligação de forças que domina a organização, passando esta “a dominar a tomada de decisão nas organizações escolares” (Costa, 1996, p.82).

Nas organizações educativas, as divisões funcionais, a especificidade de formações científicas e outras características da didática e da pedagogia da prática educativa, fragmentam os interesses de cada coligação de atores propiciando, por parte dos executivos, a promoção de “pessoas a posições-chave em que possam servi-los como escudeiros leais” (Morgan, 1996, p.159).

O espoletar de conflitos decorre das estratégias planeadas pelos diferentes grupos de interesses e da tomada de decisões, momento em que se manifesta, de forma explícita ou implícita, a divergência de interesses.

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Tendo em conta que o conflito “aparece sempre que os interesses colidem” (Morgan, 1996, p.158), que “surge como algo natural e inevitável […] enquanto uma parte e um momento do processo global de funcionamento da organização” (Costa, 1996, p.82), é por muitos considerado como podendo ser um “benefício para o desenvolvimento de uma saudável mudança organizacional” (ibid.).

Também Ball (1989) considera os conflitos como sendo um dos fatores essenciais do desenvolvimento da micropolítica organizacional escolar. Diz este autor: “ Considero las escuelas, al igual que prácticamente todas las otras organizaciones sociales, campos de lucha, divididas por conflictos en curso e potenciales entre sus membros, pobremente coordenadas e ideologicamente diversas” (1989, p.35).

Então, para compreender os conflitos que se produzem nas estruturas da escola, muitas vezes por via das interdependências entre os interesses particulares e a formulação de políticas escolares, é preciso conhecer as bases em que os mesmos assentam. Essas bases também condicionam a não existência de conflitos, a política pela não-política ativa nas organizações.

Como se sabe, as organizações educativas, pelas suas caraterísticas de trabalho, muito direcionado para a ação pedagógica, pelas rotinas do dia-a-dia e pela estrutura organizativa e comunicacional, favorecem as opções pela não participação ativa na definição das políticas educativas internas. Este aspeto e as suas motivações devem ser tidos em atenção na análise da vida organizacional.

É de lembrar mais uma vez que o conflito não é necessariamente prejudicial ao funcionamento organizacional. Também na opinião de Baldridge, citado por vários autores9, o conflito pode ser, e frequentemente é, salutar, e pode revitalizar um sistema que, de contrário, estagnaria.

Se, por um lado, o conflito se verifica mais na estrutura hierárquica das escolas competitivas, também está presente nas relações entre grupos de especialistas. A valorização das realizações e responsabilidades de cada ator é motivo de choque de interesses, nomeadamente quando a recompensa pelo desempenho está em jogo.

A complexa política nas escolas, onde os choques de personalidades e diferentes perceções do mundo podem, em situações de conflito de interesses, desencadear disputas pelo controlo do poder, torna visíveis forças poderosas do governo da organização.

Os conflitos nas organizações não poucas vezes são condicionados pelo ambiente. As políticas educativas introduzem tensões e instabilidade nas estruturas e dinâmicas organizacionais que

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 107 provocam profundos confrontos, por via das mudanças impostas, em cujo âmbito as coligações passam a ter palco para manifestarem, e onde a negociação é imposta taco a taco, até à decisão que não resolve as diferenças, só adia os novos ciclos de confronto.

Na perspetiva de Costa a decisão na arena política não surge em consequência de um processo racional nem a partir do desenvolvimento de consensos mas, “de complexos processos de negociação e compromisso que, não conseguindo satisfazer completamente as preferências dos vários sub-grupos ou indivíduos, traduzem as preferências daqueles que detêm maior poder e/ou influência” (1996, p.84).

Estes complexos processos de negociação são traduzidos por Friedberg por processos de troca negociada, que garantem aos participantes o que lhes é favorável, e onde os jogos de poder e as suas regras permitem transações e compromissos na dualidade e interdependência de poderes. Nesta troca, todos os atores ganham alguma coisa, apesar de, na dinâmica e nos contextos da ação, uns ganharem mais que outros. Podemos concluir, que cada grupo tem o poder de influenciar a ação nas margens de liberdade que tem, no respeito pelas regras do jogo de influência que estão ao seu alcance no contexto que em cada momento lhe é favorável (1995, pp.132-134).

À luz do que temos vindo a expor, a imagem das organizações é identificada, por Morgan, como uma instituição pluralista na medida em que assenta na ideia da “pluralidade de interesses, conflitos e fontes de poder”. Como nos diz este autor, a visão pluralista de uma organização social é consubstanciada no pressuposto de que os “diferentes grupos negoceiam e competem por uma participação no equilíbrio do poder e usam a sua influência para realizar o ideal aristotélico da política: uma ordem negociada que cria a unidade a partir da diversidade” (1996, pp.191-192).

Nesta perspetiva, os interesses dos grupos são diversos, provocam conflitos inevitáveis e transformam a organização numa instituição em que os objetivos formais estão em constante definição. Os poderes transformam-se assim, num processo fundamental de compatibilização e superação das diferenças dos detentores do poder obtido na pluralidade de fontes existentes. O dirigente aceita este quadro organizacional reconhecendo o conflito e os jogos de poder favoráveis ao funcionamento e cabendo-lhe essencialmente geri-los numa perspetiva dos seus interesses na organização.

Como já dissemos, não raras vezes é considerado que o conflito é benéfico ao funcionamento organizacional sendo o meio de contrariar a “letargia”, o “ranço”, a “obediência atípica” que é considerada perigosa para o desenvolvimento da organização (Morgan, 1996, pp.195-196).

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Os conflitos podem ser considerados de variados tipos e provocar dificuldades ou serem motores de inovação e mudança. Podem favorecer a qualidade das decisões quando existem num nível de intensidade adequado. Em congruência com isto, cabe ao dirigente um papel de controlo e resolução ou reorientação na direção certa, que será, do seu ponto de vista, a da organização ou a do seu próprio interesse (ibid.).

Dedicámos o ponto dois deste capítulo à apresentação de algumas teorias desenvolvidas em torno do poder nas organizações. Este tema, não sendo abordado numa perspetiva uniforme nem correspondendo a sua definição a princípios absolutos, é, no entanto, central nas abordagens organizacionais, do ponto de vista dos sistemas políticos.

Na senda de Ball, quando este fala das escolas e da micropolítica que nelas se desenvolve em torno da figura do diretor, ele considera que o poder vai muito para além da autoridade, e que esta, como decorrente da estrutura formal, deforma a realidade.

Ao considerar-se o poder como sinónimo de autoridade, apoia-se a ideia de legitimidade e consenso, onde o conflito existente é ignorado e considerado inaceitável. Assim, defende este autor um conceito de poder mais abrangente que sustenta numa citação de Hindess:

El ejercicio del control, la realización de la voluntad o los objectivos próprios, la protección de los interesses o qualquer cosa que sea, suponen sempre el despliegue de médios definidos de acción en situaciones particulares, que estos médios de acción mismo dependen de condiciones definidas y que su despliegue permite enfrentar obstáculos entre los que se cuentan las acciones de otros (1989, p.41).

Nesta definição de poder, no que às escolas diz respeito, sustenta-se que o exercício do diretor de cada escola no cumprimento dos objetivos definidos como resultado das lutas, é condicionado pela diversidade de condições e de meios de ação disponibilizados no tempo, e definidos pelo resultado do confronto com eventuais oposições que possam existir.

Como já, noutros momentos, referimos qualquer modelo tem limitações na análise das organizações. Os modelos políticos enfatizam o poder, o conflito e a manipulação, negligenciando aspetos decorrentes do funcionamento rotineiro das organizações que decorre segundo as regras formais ou informais aplicáveis. Outro aspeto a destacar é a ideia que este modelo dá de fragmentação da organização em função dos grupos de interesses o que em termos funcionais pode não ser exatamente assim. Um terceiro aspeto a indicar é a da existência em termos práticos da colaboração e harmonia no funcionamento institucional que este modelo ignora. Finalmente, estes modelos são especialmente explicativos dos processos de tomada de decisões. A

Do Projeto Educativo da Escola ao Projeto de Intervenção do Diretor: (Inter)dependências 109 generalidade dos atores educativos não chega a envolver-se nestes processos e não persegue incessantemente os seus interesses, traduzindo-se estas análises no ignorar desta realidade (Bush, 2006, p.12).

Neste enquadramento concetual e prosseguindo numa vertente de exercício da política numa perspetiva mais sistémica, onde o ambiente é fio condutor da política e da ação praticada, abordaremos um outro modelo teórico que nos parece ter várias potencialidades nos aspetos da análise que pretendemos efetuar.