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1. Grupo de espécies que entre si têm certas analogias 2 Classe 3 Modelo 4.

3.3. O papel da animação sociocultural e os contextos de receção

3.3.1. A animação sociocultural e a educação de adultos

Quando se aborda a questão da educação de adultos, nos dias que correm, já não nos ficamos pela sua definição clássica, que associava este tipo de educação, principalmente, à alfabetização, tal como pudemos constatar pela análise do conteúdo das diferentes CONFITEA’s que se foram realizando nos últimos anos e que abordámos no capítulo inicial. Tal como pudemos constatar também, foi na conferência de Tóquio que a Educação de Adultos passou a ser reconhecida como componente da educação permanente, o que fez com que um dos seus propósitos estivesse relacionado com a promoção cultural da comunidade.

Falar de animação sociocultural é remeter para uma” perspectiva tridimensional” que está associada às estratégias de intervenção e que nos remete para uma dimensão etária  infantil, juvenil, adultos e terceira idade; de uma área de intervenção e de uma multiplicidade de âmbitos aliados a setores de áreas temáticas, em que podemos também aqui englobar a educação (Lopes, 2006, p. 315). Considerando o universo que nos ocupa, vamos deter-nos com mais detalhe sobre a animação sociocultural na faixa etária dos adultos. Tal como ressalva Lopes, “um programa de animação sociocultural para adultos comporta princípios que devemos ter em conta, pois associam-se a uma necessidade de elevar o ser humano e a torná-lo protagonista e portador de autonomia plena” (Idem, p. 328).

Ainda que os adultos que constituem os grupos nestes cursos não sejam totalmente homogéneos e as personalidades, bem como a sua história cultural sejam díspares, há determinados elementos que lhes são comuns. Falamos de algumas características como a autonomia, o prazer na realização de atividades, a identificação, por exemplo, com aquilo que aprendem, com uma atividade e autorrealização pessoal, que passa pelo alcance de determinadas metas, nomeadamente profissionais, familiares, sociais e culturais” (García, Hérnandez Serrano & Pizarro Juárez, 2008).

Não se pode negar que as atividades socioeducativas ganham maior relevo nestes cursos, uma vez que dão a estes adultos a possibilidade de colmatar as novas necessidades que vão sentindo, consoante as alterações que ocorrem na própria sociedade. A animação sociocultural abarca o reconhecimento do caráter educativo da experiência vivida em distintos contextos do universo escolar. Daí que consideremos, de acordo com a nossa experiência no terreno e mediante o contacto com estes públicos,

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que nos cursos EFA mais importante do que inculcar-lhes uma imensidão de novos e mais conhecimentos teóricos é preciso estimular e desenvolver competências diversificadas a diferentes níveis. Petrus reforça esta ideia salientando que mais importante que dar conhecimentos é quiçá despertar a capacidade de observação, de atenção, de crítica (cit. por Froufe Quintas & González Sánchez, 1995, p. 34). Importa essencialmente desenvolver espaços de diálogo entre estes públicos e todos aqueles que os acompanham no seu percurso.

Na verdade, não podemos descurar, tal como salientam Puigvert e Ruíz, mediante o trabalho desenvolvido com estes públicos e em particular com mulheres, há uma elevação da autoestima quando se verifica uma aposta nas suas capacidades, em particular pelos formadores, o que em alguns casos conduz a” transformações pessoais, nas relações no lar, assim como transformações sociais” (2004, p. 209). Essas transformações a vários níveis que acabam por se verificar advém dos novos significados que se introduziram nas suas vidas, principalmente quando elas se apercebem que aquilo que descobrem entre as quatro paredes de uma sala de formação tem algo a ver com elas, com as inquietações, com o seu dia a dia (Puigvert e Ruíz, 2004).

Quintana considera que a Animação Sociocultural é um modo frequente e muito apropriado para fazer a Educação de Adultos (1992). Esta ideia acaba por estar também patente na 3.ª CONFITEA, em Tóquio, quando se salienta que com o intuito de permitir aos adultos participarem de forma significativa e criativa na vida cultural da própria comunidade, deve ser dada especial atenção à dimensão cultural da educação de adultos, até porque estas duas noções são interdependentes (UNESCO, 1972, p. 20).

O conceito tradicional de educação sofreu uma amplificação com o decorrer do tempo e das próprias instituições, tal como frisámos no capítulo inicial. Relativamente à variável tempo, apercebemo-nos que a educação não está meramente relacionada com a infância e adolescência das pessoas. Ela acaba por se estender pelos vários períodos da vida dos indivíduos, transformando-se, desse modo, em educação permanente. Tal como podemos aferir mediante uma leitura da Figura 3.3, a escola e a família já não são os únicos elementos que contribuem para a educação dos indivíduos, uma vez que existem muitas outras instituições sociais que contribuem para a formação das pessoas mesmo na idade adulta (Quintana, 1992).

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Fonte: Adaptado de Quintana Cabanas, 1992, p. 14.

Figura 3.3  Animação sociocultural e Educação de Adultos

No contexto da educação na idade adulta, Requejo Osório fala de uma pirâmide

dos públicos relativamente aos recursos educativos e no acesso aos bens culturais (2004,

p. 245). Deste modo, distingue quatro níveis distintos de públicos, começando pelo topo daquela que designa como pirâmide, enquadrando aí o “público real”, que corresponde a uma minoria daqueles que têm o apanágio de possuir instrumentos e infraestruturas culturais; o “público potencial”, que embora tenha dificuldade em usufruir dos bens culturais possui níveis relativamente altos de instrução; na base da pirâmide encontramos o pré-público e o não público, cujos indivíduos correspondem, segundo o autor, à maioria da população, caracterizada pelos baixos níveis de instrução ou pela exclusão do acesso a infraestruturas culturais (Ibidem). Não podemos desconsiderar, quando falamos de públicos, que o “alargamento do acesso às obras não se faz, exclusivamente (…) pela mera aprendizagem de um conjunto de regras e cânones elucidativos da maneira «correcta» de as ler, mas reivindica a “integração dessa aprendizagem numa «totalidade de sentido» ” (Lopes, 2000, p. 60; Rodrigues, cit. por Lopes, 2000, p. 61).

Tendo em conta esta distribuição de públicos que Requejo Osório mencionou, não podemos deixar de estabelecer uma relação com o capital escolar de que Bourdieu nos fala, que não se converte necessariamente em capital cultural. De acordo com Bourdieu, o capital cultural pode adotar três formas distintas: um capital incorporado, sob a forma

Tempo Educação Permanente Educação de adultos Instituições Adolescência Infância Escola Família Animação sociocultural

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de disposições duráveis, que Bourdieu designa de habitus; um capital objetivado sob a forma de bens culturais, ou seja, possui uma forma material (livros, dicionários) e um capital institucionalizado, cuja objetivação se faz sob a forma de títulos que as instituições atribuem (1979). Quando falamos do capital cultural, de uma forma abrangente, temos de ter consciência que muitos destes adultos acabaram por adquiri-lo no exterior dos seus contextos familiares porque, conquanto as suas habilitações escolares não sejam elevadas as dos seus pais acabam por ser francamente inferiores, e nos adultos mais jovens revela-se a importância da “convivialidade informal, associada a uma ética de diversão” (Lopes, 1998, p. 187).

Importa neste caso direcionarmo-nos para o capital incorporado a que Boudieu faz menção, indo ao encontro do conceito de habitus, princípio gerador e estruturador das

práticas e das representações (1982; 2007). Quando nos reportamos à cultura, e neste caso concreto a uma articulação entre a animação sociocultural e a educação de adultos, este conceito não pode ser pensado fora deste âmbito, dado que é produto de relações sociais. Através dele, os indivíduos incorporam as regras, os valores e os lugares do mundo social. Na ótica de Bourdieu, o corpo está no mundo social e o mundo social está no corpo , assim como a incorporação do social que concretiza a aprendizagem é o alicerce da presença no mundo social que assume a ação socialmente bem sucedida e a experiência habitual deste mundo (1982, p. 38). Não podemos deixar de salientar, a este propósito, os comentários de Wacquant em que afirma que o habitus é

Na verdade, as pessoas movimentam-se em campos, esferas da vida social que, de modo paulatino, foram alcançando autonomia através das relações sociais estabelecidas. Neste sentido, Bourdieu considera que é necessário conhecer por um lado as condições sociais de produção dos atores principais ou, mais precisamente, as suas disposições duráveis, e por outro lado a lógica específica de cada um dos campos (1982, p.39).

Campo e habitus são, deste modo, aquilo que Bourdieu designa como dois modos de

existência do social (Idem, p. 38).

uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade do senso comum entre indivíduo e sociedade ao captar “ a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade”, ou seja, o modo como a sociedade se torna depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis, ou capacidades treinadas e propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de determinados modos (2004., p. 36).

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No início deste capítulo abordámos a questão da socialização dos indivíduos, aludindo às várias instâncias que o acompanham ao longo do ciclo vital. No contexto da animação sociocultural e da educação de adultos recuperamos essa ideia. É importante termos em conta que o adulto é, por um lado, objeto de socialização “na medida em que o mundo social exerce sobre ele uma dominação cultural, uma pressão social, um condicionamento social ou um controlo social, que levam à interiorização de elementos culturais (saberes, saber-fazer, ideias, valores, normas)”, mas é também, por outro lado, “sujeito da sua própria socialização”, de acordo com a informação que foi conquistando através da imposição social e numa influência recíproca contínua com o seu meio sociocultural (Lesne, 1977, p. 32).

Todavia, Lesne considera que o adulto é também um agente de socialização, uma vez que desempenha uma determinada ação sobre as outras pessoas, até porque “todas as pessoas estão potencialmente aptas a apresentar e a transmitir novas formas de agir, de pensar, de sentir” (Idem, p. 33). Os adultos, e reportando-nos em concreto àqueles que frequentam os cursos de educação de adultos, não devem cingir-se a cumprir o papel de simples recetores. Cremos que essa posição é necessária em alguns momentos, mas ela deve ser conciliatória ao longo do seu percurso entre uma postura de agente e criador, com o intuito de contribuir para o seu crescimento enquanto pessoa e cidadão.

A propósito das duas posições supramencionadas, importa reter a ideia de que, “a reprodução nunca se processa na invariância. Qualquer processo reprodutor (…) acrescenta sempre algo de novo à realidade” (Lopes, 1997, p. 70). Além disso, importa salvaguardar que “não há práticas culturais eminentemente passivas: a «natureza» da expressão cultural não é a apatia inexpressiva, pelo contrário, a passividade absoluta será a exceção” (Ibidem).

Ressalve-se que, quando nos reportamos aos indivíduos que integram estes cursos de educação de adultos, a socialização primária, feita no seio da família, não é suficiente para a aprendizagem da leitura, daí que o gosto pela leitura, quando é alcançado, seja feito no exterior do círculo familiar. A complexificação dos papéis sociais e uma maior interação entre os grupos constituem, na verdade, fatores marcantes no âmbito da leitura.

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3.4. A animação da leitura e os espaços de mediação: articulação entre os cursos

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