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No homem sempre esteve patente a necessidade de comunicar e interagir com os outros. Nos primeiros tempos comunicava com aqueles que lhe estavam próximos através de grunhidos ou de bramidos (McMurtrie, 1997). Naturalmente, socorria-se também, para transmitir as suas ideias, como apendículo do som, dos gestos e da mímica. Mesmo depois de articular os sons continuam a recorrer ao gesto, tal como acontece nos dias de hoje. Não descuramos o recurso à linguagem não-verbal, até porque esta pode “gerar mais impacte do que as próprias mensagens verbais” (Rego, 2007, p. 147). Contudo, a linguagem e o som não bastam para satisfazer as suas necessidades naqueles tempos. Como tal, recorria a desenhos ou até mesmo gravuras

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para se poder expressar e esta foi a primeira tentativa para fazer com que o pensamento e o sentimento se tornassem visíveis de uma forma mais permanente, através do nascimento da “pictografia”, em que as paredes das cavernas apareciam pintadas com “touros e bisontes, cavalos e renas” (McMurtrie, 1997; Quelhas, 2008, p 67).

Há uma série de marcos que é necessário ter em consideração quando falamos da escrita e que passamos a mencionar de forma quase fotográfica. Deste modo, falar do aparecimento das placas de argila na Mesopotâmia no 4.º milénio a.C., do despontar de sistemas de registo mais “flexíveis e simbólicos”, tal como a escrita hieroglífica no Antigo Egito ou mesmo dos carateres chineses, no 3.º milénio a.C., da invenção do alfabeto pelos fenícios em 1200 a.C. e das ulteriores alterações com o aparecimento de novos alfabetos, sem se olvidar, conquanto, o enorme contributo de Gutenberg, com a imprensa, em meados do século XV, leva-nos a considerar estes como alguns dos momentos-chave no próprio crescimento do homem e que acarretaram uma enorme mutação no que diz respeito às feições da própria comunicação (Sim-Sim, 2006, p. 7; McMurttrie, 1997; Horellou-Lafarge & Segré, 2007; Ávila, 2008). Aliás, a invenção da escrita patenteia “a possibilidade de utilização de um meio de comunicação à distância, ou seja, a separação física entre emissor e receptor, sem recurso a qualquer tipo de contacto (visual ou sonoro) entre eles” (Ávila, 2008, pp. 43-44).

Os homens do início do séc. XV sonhavam com um processo que permitisse avultar, a baixo custo, os exemplares de um mesmo livro. Sem este problema, ninguém se teria preocupado em procurar a solução: a imprensa. Mas continuou-se a escrever à mão, pois o Ocidente ainda não dispunha de todos os recursos indispensáveis à adoção de um processo de reprodução mecânica.

Aquilo que se pode cognominar como indústria tipográfica era, desde a sua origem, sob a forma de artesanato, tributária de uma matéria-prima sem a qual nada era possível no seu domínio  o papel. A invenção da imprensa teria sido ineficiente se este novo suporte do pensamento, proveniente da China, não tivesse surgido na Europa porque “o papel, mais do que qualquer outra coisa, contribuiu para o grande êxito da imprensa, esta por sua vez universalizou o seu emprego” (McMurttrie, 1997, p. 83). Foi, então, no século XII que se assistiu ao advento desta nova espécie de pergaminho trazido pelos mercadores que mantinham relações com árabes. Apesar de inicialmente não parecer ter as mesmas qualidades externas de um pergaminho, pois era mais fino e frágil, o papel ganha terreno e começam a instalar-se, em Itália, os primeiros moinhos

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de fabrico de papel por volta de 1276 e acaba, paulatinamente, por se estender ao resto da Europa e o papel começa, assim, a comutar o pergaminho (McMurttrie, 1997). Em Portugal, de acordo com documentos constantes na Torre do Tombo, o uso de papel remonta ao reinado de D. Dinis, uma vez que terá sido este, em 1305, que estabeleceu que os tabeliães escrevessem as suas notas recorrendo ao papel em detrimento do pergaminho como até aí havia acontecido (Idem).

Na primeira metade do séc. XV, os investigadores tentavam encontrar um meio cómodo de multiplicar os livros, que fosse suscetível de ser utilizado de maneira mecânica, ou seja, compor uma página por meio de carateres móveis independentes. Neste domínio, beneficiariam da experiência dos ourives e dos gravadores de medalhas e de moedas. Nesta altura, conhecia-se já não só a técnica de fundição em moldes de metal ou de terra, como também a da cunhagem. Estava a conceber-se a ideia de adaptar esta técnica às necessidades da imprensa, tendo-se tateado durante muito tempo antes de chegar à solução definitiva. As gravuras de metal acabaram por ser substituídas pelas xilogravuras, o que permitiu uma maior facilidade de impressão. Começa a haver também, posteriormente, uma preocupação com o embelezamento e a própria decoração dos livros, nomeadamente através das ilustrações e da própria ornamentação, nomeadamente das letras (McMurttrie, 1997).

Com o decorrer dos séculos, o livro foi-se desenvolvendo até nos chegar às mãos nos moldes que hoje conhecemos e foi precisamente essa evolução no âmbito das técnicas de fabrico e de propagação dos textos impressos que acabou por tornar possível o desenvolvimento da prática da leitura (Horellou-Lafarge & Segré, 2007). Não obstante, não podemos de todo olhar para essa evolução de forma estanque ou alheada do seu contexto cultural, social e económico (Idem).

Nos nossos dias, o leitor que abre um livro sabe que encontra imediatamente, a partir da primeira página, todas as informações que o conduzem ou não para a leitura: o nome do autor, o título da obra, o lugar de edição e o nome do editor, a data de publicação. É inegável que, ao longo dos tempos, o livro, através da palavra escrita, se arrogou como uma das maiores fontes do saber. Pelo seu caráter duradouro e pelo facto de ser, enquanto objeto, estável e constante, o livro permanece ainda, atualmente, como um veículo de inoculação de uma memória cultural de um povo, de disseminação de princípios e valores humanos, de preservação do conhecimento e também como forma de entretenimento em espaços de lazer.

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Todavia, quando falamos do livro, reportamo-nos à leitura. Esta conglutina algumas funções capitais da sociedade, quer a nível moral, cultural, social ou mesmo em relação aos variados saberes. A leitura, enquanto prática social, é sempre um meio e nunca um fim. Acaba por se constituir como um dos principais instrumentos que possibilita ao indivíduo situar-se com os outros.

Nas sociedades atuais, a leitura é uma competência basilar, sendo que uma deficiente capacidade da leitura compromete o sucesso académico e social de cada indivíduo, dado que esta, para lá da sua função utilitária é um fator de socialização e de reconhecimento social. Tal como ler, escrever também não pode ser considerada uma atividade tão-somente mecanizada, não se confinam em técnicas e habilidades de descodificação de palavras (Vitorino, 2007).

Consultamos mais uma vez o dicionário de Língua Portuguesa, disponível on-line, e escrever surge definido como “pôr, dizer ou comunicar por escrito; encher de letras; compor, redigir; ortografar”, enquanto no dicionário impresso, numa versão mais antiga, considera-se que escrever é “representar por meio de caracteres gráficos; compor (uma obra literária); redigir; narrar; ortografar” (Dicionário Priberam; Costa & Melo, 1997, p. 733). Estabelecendo um paralelismo entre as duas definições, constatamos que elas pouco diferem no essencial.

O “carácter visual da escrita” só é percetível através do leitor, ou seja, da leitura que este faz do texto escrito (Vitorino, 2007, p. 11). Daí que não possamos desagregar estes dois conceitos porque a noção de leitura está associada à noção da palavra, neste caso da palavra escrita. Não podemos esquecer que se o domínio da leitura implica um processo constante, também a escrita nunca é total, implica um processo de aprendizagem continuado e durável no tempo e que o ato de ler e escrever servem, essencialmente, para comunicarmos, para expressarmos ideias, experiências, opiniões, sentimentos, fantasias, para termos acesso àquilo que outros viveram, cogitaram, sentiram ou opinaram (Cerrillo, Larrañaga & Yubero, 2002) A leitura e a escrita não são tão-só atos individuais, que abarcam um processo pessoal de construção de significados, mas são também, particularmente, atos sociais quando se compartem e concorrem para o desenvolvimento coletivo (Sim-Sim, 2006; Sardinha & Relvas, 2009).

É fundamental termos em consideração que a leitura funciona como uma mais- valia para o desenvolvimento da escrita, contudo não podemos olvidar que a escrita é igualmente um contributo substancial para a aprendizagem da compreensão da leitura

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(Balça, 2007). A escrita não deve ser encarada meramente como um produto, mas deve considerar-se como um processo que, paulatinamente, se vai edificando. Para que se possa proceder a essa estruturação é necessária uma planificação das ideias a transmitir, redigir o texto e revê-lo. Além disso, a palavra impressa permite retroceder vezes sem conta nos enunciados, ponderando, reformulando, contestando, adotando ou simplesmente rejeitando as ideias apresentadas (Mineiro, Bemfica & Cardoso, 2010).

Bresson salvaguarda que a escrita é uma codificação da linguagem oral, o que não significa que a língua escrita seja uma mera cópia da oralidade, uma elementar repetição de fórmulas, nem muito menos um simples agregar de fonemas e grafemas no papel em branco, ela implica a produção e a perceção de uma imensidade de novas mensagens (2003; Ferreiro & Teberosky, 1986; Jolibert & Gloton, 1978). Se pensarmos no dia a dia tal não é possível porque existem pontos distintos entre a oralidade e a escrita, em que esta última exige uma estruturação mais cuidada. A escrita, tal como salienta Lahire, decompõe a “cadeia sonora, o fluxo contínuo de enunciados orais ou signos descontinuados e leva a tomar consciência dessa realidade a que chamamos «palavra» e que não preexistia à sua descoberta pela escrita” e cada indivíduo aprende a arquitetar, a debelar e a reorganizar letras dispersas para metamorfoseá-las e arrecadá-las numa lista de palavras (2003, pp. 135-136).

A promoção do desenvolvimento das práticas de leitura e de escrita provoca o desenvolvimento do conhecimento explícito, formal, claro, regrado, fácil de ser comunicado (formalizado, por exemplo, em textos, desenhos, esquemas) e na prática da oralidade (Balça, 2007). Há claramente diferenças entre os usos, a frequência e até mesmo no domínio da escrita pelos atores sociais nas sociedades atuais. Deste modo, é necessário ter em conta que “as técnicas de objectivação do tempo, da linguagem, do espaço” são, não só incutidas pela escola, mas também acabam por ser “quotidianamente utilizadas pelos actores na sua vida familiar, pessoal, profissional, lúdica” (Ávila, 2008; Lahire, 2003, p. 182). Se pensarmos nas práticas de escrita no âmbito profissional torna-se percetível que estas constituem nos dias que correm “competências de processamento de informação necessárias (e exigidas) a uma proporção cada vez maior de trabalhadores” e essas exigências fazem com que haja da mesma forma cada vez maior competitividade e os indivíduos têm de colocar as suas fasquias cada vez mais altas para poderem fazer face às constantes exigências, até

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porque a escrita é “o tipo mais elevado e complexo de comunicação” (Ávila, 2008, p. 77; Lerner, cit. por Rebelo, 1992, p. 128).

A passagem de uma tradição de oralidade para uma tradição escrita não tem somente a ver com uma alteração no modo de comunicação e de memorização (Horellou-Lafarge & Segré, 2007). Ela acaba por acarretar uma série de alterações, dado que permite também uma maior reflexão antes de as palavras passarem para o papel. Se a oralidade é um processo imediato, o mesmo não acontece com a escrita.

A leitura e a escrita são inseparáveis, afinal todos leem e todos escrevem (Horellou-Lafarge & Segré, 2007; Mineiro, Bemfica & Cardoso, 2010). Na vida quotidiana, tal como salientámos relativamente à leitura, está cheia de textos escritos – bilhetes, listas, cartas, produtos de supermercado, sinalização de trânsito, diários, panfletos, os livros eletrónicos  ou os denominados e-books, que permitem, além de guardar a obra original, gravar as anotações que o leitor possa fazer (Horellou-Lafarge & Segré, 2007). Enfim, há uma panóplia de suportes que agregam a palavra escrita e com os quais nos deparamos todos os dias. Lahire considera que estes documentos em que a escrita está patente se constituem como “instrumentos de formação da nossa temporalidade, da nossa espacialidade e da nossa linguagem” (2003, p. 158).

2.8. Práticas e políticas públicas de leitura: das bibliotecas públicas às iniciativas

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