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A aplicação do conceito de governança ao oceano

PARTE I: BASES TEÓRICAS

CAPÍTULO 1. CONSIDERAÇÕES CONCEPTUAIS SOBRE A GOVERNAÇÃO APLICADA AO OCEANO

1.3. A aplicação do conceito de governança ao oceano

As anteriores definições e interpretações do conceito de governança ganham sentido ao entender o oceano numa perspectiva de “bem comum”. Um bem comum é aquele em que os membros de uma certa comunidade partilha, e não é apenas entendido como um conjunto de bens atribuídos a um grupo de indivíduos (IUCN, 2009). O oceano é considerado um dos denominados bens públicos primários devendo ser governado conjuntamente pelas esferas.

Autores como Olsen (1993), com uma importante experiência nos assuntos do oceano, consideram que a reformulação e revitalização do termo "governança" visa também uma reavaliação de objectivos sociais, uma reavaliação das estruturas e dos seus costumes:

A governança do oceano é vista como a abordagem integrada dos valores, das políticas, das leis e das instituições do sistema oceano permitindo a resolução em multiperspectiva de diversas questões e planeamentos.

Para Juda (2003), o processo de governança visa responder às seguintes questões: • Como se utilizam os recursos e o ambiente;

• Como se avaliam e analisam os problemas e as oportunidades; • Considera-se aceitável ou proibido determinado comportamento; • Que tipo de regras e sanções podem afectar o padrão de uso.

Estas formulações aplicadas ao oceano introduzem uma noção mais abrangente ao incluir as estruturas, os processos e os relacionamentos. Neste sentido, para oceano é também aceite a visão segundo a qual o “governo” é constituído por múltiplas entidades e a governança refere- se a múltiplas escalas e esferas. Por outro lado, a integração dos interessados no processo de Governança do oceano altera a concepção de um modelo político desenvolvido exclusivamente numa direcção, seja ela vertical (de cima para baixo ou das bases para o topo), ou horizontal (entre sectores), com o objectivo de alcançar uma coordenação adequada.

Para Kooiman (2008), uma das características actuais da governança é o seu carácter interactivo, entendido como o somatório de interacções, que ocorrem na resolução dos problemas e na criação de oportunidades sociais, incluindo a formulação e aplicação de princípios orientadores e as instituições que as sustentam.

1.3.1. Componentes da governança do oceano

Miles (1999), com o objectivo de explicar de maneira clara e sucinta o processo de governança e a sua aplicação ao oceano, (Figura 1.2), refere as peças chave do processo, os níveis de governação, denominando como “Dimensões da Governança”, designadamente, a dimensão normativa, os arranjos institucionais e as políticas substanciais.

Fonte: Adaptado de (Miles, 1999).

Figura 1.2 As dimensões da governança do oceano.

A dimensão normativa é apenas um dos três componentes do conceito de Governança do oceano5. O estabelecimento desta dimensão é crucial dado que as normas não só prescrevem o comportamento permitido como, também, atribuem competências a determinados indivíduos ou entidades para poder ordenar e aplicar políticas. As duas últimas componentes têm sido as menos desenvolvidas, tanto por parte do Direito Internacional do Mar, como por parte dos Estados à escala nacional.

Conforme já foi referido, o processo de Governança abrange tanto os arranjos formais como os informais, as instituições e os costumes que a estruturam e a influenciam. Neste sentido destaca-se o contributo prestado pelas organizações internacionais e regionais, sejam elas governamentais ou não, na área da governança do oceano, tanto a nível conceptual como a nível estratégico. Referem-se os seguintes exemplos: a Convenção para a Diversidade Biológica (CBD); a Convenção para a Protecção do Ambiente Marinho no Nordeste Atlântico (OSPAR); o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Convenção de Ramsar.

Por outro lado, o sector privado participa através de consórcios para a formulação de políticas e avaliação do processo e dos planos de execução. Salienta-se ainda a importância que a

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O termo oceano, mar, meio marinho, ambiente marinho, é usado com o mesmo significado e deve ser entendido de acordo com o primeiro paragrafo do preâmbulo da Lei do Mar,«como um todo.»

Níveis de Governança Mecanismo Decisão Interessados Dimensão normativa Dimensão institucional Dimensão política Usos do Oceano Pressões Soluções

sociedade da informação detém na facilitação do acesso ao conhecimento, facultando autonomia, funcionalidade, responsabilização e comunicação entre os diferentes estádios do processo.

1.3.2 Gestão e a governança

Na sequência do exposto na primeira parte do capítulo, e conforme decorre de diversas interpretações presentes na literatura, é conveniente estabelecer a dicotomia entre dois conceitos fundamentais - gestão e governança. Na verdade, estes conceitos não são sinónimos, já que a governança inclui, além da gestão, todos os outros mecanismos e instituições que contribuem para influenciar e alterar o comportamento humano (Juda, 1999; Juda e Hennessey, 2001).

Vallega (2001), numa análise sobre a governança oceânica, reflecte sobre o significado etimológico das palavras governança e gestão. A ‘gestão’ procede do latim regere - levar a cabo, significando a realização de acções para atingir um determinado resultado. A palavra ‘governança’ provém do grego, kybernan - decisão, com origem no termo náutico “manter o leme”, no sentido da capacidade de dirigir uma estrutura. Assim, a gestão está relacionada com as acções, sem atender ao sistema organizacional no seu conjunto, enquanto a governança focaliza-se na organização dos sistemas como um todo, atendendo, sistematicamente aos valores de consistência da organização face aos objectivos a alcançar e metas para avançar.

A Governança demonstra que os objectivos fundamentais e os processos institucionais são a base do planeamento e da tomada de decisão. A gestão, pelo contrário, é o processo pelo qual os humanos e os recursos são aproveitados para alcançar um objectivo definido dentro de uma estrutura institucional conhecida. As metas e os mecanismos de administração são bem conhecidos como é o caso por exemplo da gestão de parques, ou a gestão de catástrofes. A governança define o estágio em que a gestão ocorre (Olsen et al., 2006).

A Governança é mais abrangente do que a gestão, a qual configura uma questão técnica que envolve um conjunto de ferramentas que podem ser aplicadas para solucionar uma tarefa específica, onde os objectivos são claros e a saída é mensurável. Estes últimos seriam os

denominados por Rittel & Webber Problemas domésticos6, onde a abordagem mais adequada é a da gestão (Jentoft and Chuenpagdee, 2009).

A análise dos assuntos do oceano e a sua contribuição para o desenvolvimento é considerada na perspectiva do planeamento como uma situação complicada7. Neste sentido, a complexidade dos problemas do oceano não permite encontrar uma única solução e a sua governança não pode ser tipificada. O conceito de Governança, por outro lado, inclui deliberação e determinação dos objectivos, integrando valores, normas e princípios que o sustentam (Rittel & Webber, 1973 fide Jentoft, 2009 ).

Jentoft (Biermann, 2009), considera essencial o conhecimento local na abordagem das questões do oceano, implicando que a governança seja exercida numa relação de proximidade e envolvendo os conhecedores. Aplica esta visão ao caso particular da actividade da pesca e das zonas costeiras, dado que na sua complexidade se configuram problemas mais profundos como: a pobreza; o conflito social; a desobediência civil; e os direitos de uso. As medidas políticas, a este nível, devem ser efectivas já que podem ocasionar limitações nas escalas sociais e desigualdades, ou outros problemas de maior escala, como sejam os problemas de legitimidade. No caso da governança é exigida uma abordagem mais compreensiva, política, social e não apenas um tratamento sintomático.

Rittel and Webber (1972), assumem uma postura radical desde a pré-inscrição do processo de planeamento. Estas situações devem ser entendidas como um processo argumentativo: equacionam-se questões relativamente às quais, face às provas recolhidas, se podem encontrar, em simultâneo, tanto argumentos num sentido como no seu contrário, levando-nos a assumir diferentes posições geradoras de impasse .

Por outro lado Gilmore & Camilius (1996), consideram que a natureza das questões em ambientes dinâmicos e complexos, requer uma mudança fundamental na forma como são conduzidos ao nível do planeamento estratégico. O foco da mudança de exercício deve definir as soluções para os problemas que se supõem existir, a definição de um processo contínuo que

6 Tamed problems 7 Wicked problems

vai encontrando respostas à medida que se confronta com problemas geradores de impasse e que evolui à medida que ocorrem aprendizagens adicionais, sendo inclusivo e auto-correctivo.