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PARTE I: BASES TEÓRICAS

CAPÍTULO 1. CONSIDERAÇÕES CONCEPTUAIS SOBRE A GOVERNAÇÃO APLICADA AO OCEANO

1.5. A abordagem multidisciplinar e holística

1.5.1. A Gestão Integrada das Zonas Costeiras

As zonas costeiras apresentam graves sinais de deterioração, consequência do aumento da diversidade de usos que têm suportado nos últimos tempos, especialmente face às novas oportunidades de uso. Os problemas associados ao litoral europeu não são diferentes dos diagnosticados noutros lugares do mundo. Deste modo, os principais problemas (Godschalk, 1992), que a gestão costeira pretende resolver são:

Perda de habitats naturais;

Perda de biodiversidade e diversidade cultural; Declínio da qualidade da água;

Subidas do nível do mar;

Diversificação das actividades humanas; Competição pelo espaço;

Variações sazonais das actividades e consequentemente das pressões.

O Programa de Gestão de Zonas Costeiras enquadrado no Plano de Acção para o Mediterrâneo (PAM) das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), iniciado em 1988, tinha como um dos seus objectivos implementar o conceito de gestão de zonas costeiras e marinhas integradas (Integrate Coastal Áreas Management, ICAM ). Após a aplicação destes projectos à Agenda 21 (1992) da Conferência para o Ambiente e o Desenvolvimento das Nações Unidas, recomenda a todas as nações litorais a adopção do processo de gestão integrada das áreas costeiras e marinhas (ICAM) e o desenvolvimento de planos nacionais de ICAM próprios. O ICAM é um processo dinâmico que procura atingir objectivos ambientais e de desenvolvimento sustentável dentro das limitações do meio físico e social, das condições económicas, e das limitações do sistema jurídico, financeiro e administrativo.

1.5.1.1.

O caso de estudo dos Estados Unidos da América

Em 1972, os Estados Unidos da América, através de seu Coastal Zone Management Act (CZMA) estabeleceram o primeiro quadro legislativo nacional para gestão das zonas costeiras. Actualmente, pode-se assinalar que, em geral, os diferentes programas têm sido bem sucedidos, essencialmente devido à sua persistência e a uma adaptação favorável ao nível dos diferentes estados (Humphrey et al., 2000).

O CZMA surgiu como resposta à degradação do ambiente natural, em especial, devido ao elevado valor social e ecológico das zonas costeiras. A protecção e o uso correcto destas zonas no documento, não se refere apenas ao nível nacional, havendo também uma implicação importante das iniciativas de nível local. As principais disposições desta lei estabelecem o Coastal Zone Management Programme (CZMP) que proporciona aos estados o quadro técnico e financeiro necessário para a implementação das políticas costeiras nacionais.

Outro dos objectivos, é conceder aos estados federais maiores envolvimentos e competências, apesar de estas terem sido delimitadas previamente em áreas com importância estratégica para a navegação e defesa costeira. A participação por parte dos estados é voluntária embora seja encorajada pelas ajudas financeiras disponíveis para a preparação e implementação de programas a nível estatal baseadas na exigência da coerência das actividades com as políticas aprovadas. Com o objectivo de aplicar uma gestão correcta, o CMZA fixa um conjunto de elementos base requeridos na integração dos programas, nomeadamente:

Identificação dos limites;

Definição dos usos permitidos, do território e do mar; Inventário e designação das principais áreas em apreço;

Identificação das medidas pelas quais os programas exercem o controlo sobre o território e a água;

Guia de usos prioritários em determinadas áreas;

Descrição de organigramas propostos para a gestão do programa que incluam: responsabilidades, inter-relações locais, de determinadas áreas, do estado, de regiões e de agências inter-estaduais, envolvidas no processo de gestão.

Ao longo da experiência ocorrida, várias foram as iniciativas introduzidas nos programas. Salienta-se o facto de o CZMA exigir aos estados áreas específicas de actuação com interesse nacional. Uma das medidas consiste na criação de incentivos económicos que facilitam a introdução de alterações dos programas, e a penalização dos estados que não ajustem os seus programas às medidas impostas.

Relativamente às competências dos estados federais, o CZMA persegue um objectivo nacional comum: “preservar, proteger, desenvolver e quando for possível, restaurar o estado dos recursos da zona costeira nacional”. Encoraja, também, os estados a delinearem programas experimentais e adaptativos cuja implementação e competências, ao nível institucional em matéria de usos do solo e água nas zonas costeiras, são autorizadas mediante a abordagem a três níveis:

2. Planeamento e regulação dos usos da água directamente por parte do estado;

3. Revisão dos planos, projectos e regulamentos por parte do estado, tendo a capacidade de os aprovar.

Estas bases da gestão costeira americana serviram de apoio ao desenvolvimento da GIZC na Europa, permitindo análises mais aprofundadas a nível de gestão e posteriormente, indo ao encontro das necessidades de um sistema de governança conjunto para as zonas costeiras e marinhas, tal como foi apresentado nos pressupostos do capítulo 1.

1.5.1.2.

As iniciativas europeias

Perante a necessidade de uma abordagem multidisciplinar das zonas costeiras Beatley (1994 & 2002), define o conceito de Gestão Integrada das Zonas Costeiras “como “um processo contínuo, pró-activo e adaptativo de gestão de recursos para o desenvolvimento sustentável das zonas costeiras”. Neste processo os diferentes quadros culturais, políticos e legais devem encontrar-se coordenados, num sistema de governança das zonas costeiras. Esta visão mais abrangente do processo (a longo prazo) foi abandonada, posteriormente, ao nível europeu face à perspectiva de atingir os objectivos a curto e a médio prazo.

A Europa deu os seus primeiros passos na coordenação da gestão das zonas costeiras com o Programa Demonstração para a Gestão Integrada das Zonas Costeiras (EC, 1996). Este documento estabelece as bases para a gestão das zonas costeiras e sublinha o interesse das entidades políticas e públicas para a conservação das zonas costeiras e seu desenvolvimento sustentável, assinalando a necessidade de troca de experiências entre os diferentes estados membros. As principais lacunas existentes que interferem com a implementação de medidas nas zonas costeiras europeias que o documento destaca são:

A tradição de uma deficiente gestão das zonas costeiras;

A limitada resiliência das zonas costeiras para recuperar das graves situações da gestão incorrecta;

O curto espaço de tempo de evolução das dinâmicas costeiras;

O grande potencial das zonas costeiras, face às actividades económicas para o desenvolvimento;

Os problemas de poluição e as suas consequências no mar;

Os limites e desafios particulares do ordenamento do território e da gestão de recursos devido à barreira física entre terra e mar;

O risco elevado destas zonas face às catástrofes naturais;

O número elevado e a concentração das diferentes actividades que rivalizam pela utilização dos mesmos recursos;

Os desafios na implementação das políticas a nível de nacional.

A experiência adquirida, com o Programa de Demonstração, confirmou que a maioria dos problemas e conflitos existentes nas zonas costeiras seriam causados por deficiências processuais de planeamento, políticas e institucionais. Muitas das falhas apontadas têm a sua origem na falta de consciência da importância económica e das estratégias sociais que possam ter no sucesso na gestão sustentável das zonas costeiras.

Neste período, Mullard (1995) salientava a necessidade da implementação de uma estratégia comum para a Europa, argumentando o seguinte:

Existem questões de interesse na gestão costeira que são transversais, como por exemplo, as pescas e a conservação da natureza;

As zonas costeiras encontram-se afectadas pelo incremento das actividades, especialmente pelo turismo;

Falta de coordenação das políticas europeias existentes e dos programas que afectam as zonas costeiras;

A importância que o papel da UE tem na influência da actividades dos estados membros.

Este autor propunha, também, a inclusão de alguns instrumentos políticos e financeiros para o seu estabelecimento. Sugere por exemplo, a criação de regulamentos indispensáveis destinados à melhoraria das infra-estruturas a fim de atingir os objectivos ambientais.

Em 1999, é lançado o documento Towards a European integrated coastal zone management (ICZM) strategy: general principles and policy options, publicado pela Comissão Europeia (CE, 1999). Este documento assume a GIZC como uma ferramenta válida para o cumprimento de

outros objectivos comunitários incluindo a coesão regional, a pesca, os assuntos sociais, os transportes, a energia e a promoção das pequenas e médias empresas. Perante estes desafios o documento propõe a aplicação dos princípios base para a gestão integrada das zonas costeiras na Europa:

Uma perspectiva abrangente;

O conhecimento específico da área abrangida; Análise e integração dos processos naturais;

Visa garantir que as opções presentes não limitem as opções futuras; O planeamento participativo;

O apoio e envolvimento de todas as entidades com actuação nas zonas costeiras; A combinação de instrumentos.

Em 2000, a Comissão Europeia apresentou a comunicação do programa demonstração COM/2000/547:12 Gestão Integrada das Zonas Costeiras: uma Estratégia para Europa, programa que terá sido o grande dinamizador da gestão das zonas costeiras na Europa. O documento pretende a elaboração de uma estratégia comum que vise:

A promoção de actividades GIZC no âmbito dos Estados-Membros e ao nível dos "Mares Regionais”;

A compatibilização das políticas da UE com a GIZC;

A promoção do diálogo entre as partes interessadas das zonas costeiras europeias; A criação das melhores práticas em GIZC;

A criação de informação e conhecimentos acerca das zonas costeiras; A difusão de informação e sensibilização do público;

A execução da Recomendação Europeia sobre GIZC.

Face à necessidade de adoptar critérios flexíveis e homogéneos, ao nível europeu, no que refere à interpretação do conceito de Zona Costeira, a COM 511 final/2 permitiu a definição do

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Communication by the Commission to the Council and the Parliament on Integrated Coastal Zone Management: a Strategy for Europe (COM/2000/547), adopted 27 September, 2000.

esquema de organização da Zona Costeira, com os seus variados elementos de demarcação (INAG 2006), (Figura 1.3).

Fonte: (INAG, 2006)

Figura 1.3 Esquema sobre a zona costeira adoptado na União Europeia.

A recomendação GIZC da UE 2002/413/EC13 apela a uma abordagem estratégica do planeamento e da gestão da zona costeira, de modo a alcançar um desenvolvimento sustentável. A Recomendação desenvolve os princípios que definem as características essenciais da GIZC. Como marcas distintivas da GIZC, destaca-se a integração entre os diversos sectores e níveis de governação, bem como uma abordagem participativa e baseada em conhecimentos. Com base nestes princípios, convidaram-se os Estados-Membros costeiros a desenvolverem estratégias nacionais com vista à execução da GIZC para Europa. Dada a natureza transfronteiriça de muitos dos processos costeiros, foi necessária uma coordenação e cooperação com os países vizinhos, em especial, no contexto dos mares regionais.

A recomendação da GIZC da UE, relativa à execução da implementação da GIZC, guia a elaboração das estratégias nacionais da GIZC para os Estados Membros tendo em atenção princípios fundamentais.

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Recommendation of the European Parliament and of the Council of 30 May 2002 concerning the Implementation of integrated coastal zone management, OJ L148 of 6.6.2002.

Por outro lado, a Recomendação da GIZC da UE também convidou os Estados-Membros costeiros a informar a Comissão sobre os progressos alcançados na execução da recomendação e, em especial, em relação ao desenvolvimento de uma estratégia nacional de promoção da GIZC. A avaliação da implementação da Recomendação Europeia, visou:

avaliar a implementação da Recomendação COM/2000/547: Gestão Integrada das Zonas Costeiras: uma Estratégia para Europa;

avaliar o valor acrescentado da GIZC no contexto e envolvimento das políticas e legislação comunitária existente;

identificar as acções futuras, necessárias à política das Zonas Costeiras, e ao mesmo tempo, proporcionar recomendações, para futuras acções, com relevância ao nível comunitário.

Até 2006, 14 dos 20 Estados-Membros costeiros da UE apresentaram relatórios oficiais que informavam a Comissão sobre os progressos alcançados na execução da Recomendação COM/2000/547, em especial em relação ao desenvolvimento de uma estratégia nacional de promoção da GIZC. Os resultados mostram que a recomendação teve um efeito claro na estimulação da sensibilização e na intensificação das medidas de planeamento. No entanto, são ainda raros os casos em que uma GIZC, na sua plena maturidade, permita um funcionamento adequado que envolva todos os níveis de governação relevantes, de acordo com os princípios recomendados no Livro Branco da Governança Europeia, COM (2001) 428, da Comissão Europeia. O documento salienta que as estratégias nacionais deveriam proporcionar um quadro mais estratégico e integrado dado que os relatórios GIZC nacionais apenas apresentam indicações limitadas sobre os mecanismos de execução efectivos. Entende-se assim, que os princípios da GIZC devam ser mais operacionais e transmitidos de uma forma mais eficaz.

Outro problema importante, é assegurar um financiamento suficiente para apoiar as estratégias, alcançando apoios e compromissos efectivos e o seu estabelecimento a longo prazo continua a ser um desafio. Além disso, a GIZC tende a envolver mais os interesses ambientais, quando o desenvolvimento económico sustentável e os aspectos sociais deveriam estar igualmente incluídos nas estratégias. O documento salienta ainda a falta de uma

metodologia que permita unir os esforços, no âmbito da GIZC, às tendências na sustentabilidade e ao processo de governança.

Em 2007, uma análise realizada por (Shipman and Stojanovic, 2007) sobre o balanço da GIZC na Europa, intitulada Facts, Fictions, and Failures of Integrated Coastal Zone Management in Europe, assinala as principais dificuldades na implementação das estratégias:

A complexa regulação na interface terra -mar; Vazio na política nacional relativa a GIZC;

Ausência de redes de informação para a gestão da costa;

A existência de um défice democrático, causado pela falta de capacidade e de convicção dos agentes do poder para mostrar a GIZC como uma ferramenta eficaz para o planeamento e gestão das zonas costeiras.

Nos últimos anos muitas destas dificuldades foram ultrapassadas, mas além destes desafios persistem falhas evidentes do próprio processo de GIZC, designadamente:

O carácter transitório dos projectos;

O vazio de acção na fase de implementação;

A falta de mecanismos de financiamento sustentável;

A escassa cobertura das zonas costeiras europeias com projectos IZCM;

O escasso empenhamento das comunidades e aplicação dos princípios à escala local e a sua articulação com outros programas;

A falta de envolvimento e de parcerias entre as comunidades, empresas e indústrias.

Apesar destas realidades existem evidências positivas relativas a um avanço continuado na aprendizagem e nos benchmarkings a ser implementados na Europa. Os autores salientam a importância de uma abordagem baseada nos princípios: integração social e política entre as interfaces terra-mar, a legitimidade democrática, a parceria e apoio da comunidade são vistos como os principais desafios. Destacam como elementos chave para o futuro desenvolvimento da GIZC na Europa:

Identificar e gerir os efeitos e impactos da inter-relação terra-mar onde os efeitos do desenvolvimento e mudanças marítimas têm os seus impactos nas áreas costeiras e suas comunidades e vice-versa;

Assegurar a plena integração entre o ordenamento e gestão do ambiente marinho e terrestre, permitindo às comunidades costeiras a realização das suas legítimas aspirações;

Consagrar a mesma consistência, transparência e responsabilidade democrática na tomada de decisões em águas costeiras como em áreas terrestres, criando uma agenda política equitativa que considere o desenvolvimento, a sociedade e a natureza; Capacitar as comunidades locais e as partes interessadas a longo prazo e, se for adequado, constituir legalmente parcerias para águas costeiras e águas interiores.

Humphrey (Natura 2000 network), após a análise conjunta das experiências de GIZC dos Estados Unidos de América propõe o estabelecimento de uma directiva europeia com o objectivo de facilitar o processo de implementação da GIZC por parte dos Estados Membros, em particular a nível institucional. Argumenta, que a existência de precedentes de outras directivas europeias facilita a implementação dos programas ambientais. Neste sentido a Directiva Quadro da Água (DQA) poderia servir como modelo para a criação de um quadro de suporte para a aplicação da GIZC à escala nacional. Isto é argumentado dada a semelhança entre ambas as estratégias, por exemplo, a abordagem dos ecossistemas para a gestão dos recursos é auxiliada por processos como: o estabelecimento de modalidades administrativas, o estudo dos problemas, a predeterminação de objectivos, a elaboração do plano para atingir esses objectivos, a monitorização, a elaboração de relatórios, a consulta pública, e execução de medidas. A directiva permitiria uma flexibilidade maior para alcançar os objectivos.

Na actualidade, o nível de actividade das políticas europeias em matéria de gestão dos recursos, em especial relativas ao mar, propiciam o ambiente adequado para um novo impulso no processo de GIZC e na redefinição de seu papel, perante os recentes desenvolvimentos. Pode-se afirmar que devido ao grau de maturidade atingido na Europa, a GIZC aparece como uma nova forma de governança e propõe como principais eixos:

Criação de estratégias nacionais suportadas por legislação, para a GIZC; Um quadro financeiro para apoio às iniciativas locais de GIZC;

Criação de sinergias com a Directiva Quadro Estratégia Marinha, Politica Marítima Europeia, reforma dos sistemas de planeamento terrestre e, ainda, da regionalização dos esforços de gestão.

A implementação conjunta da GIZC e da Estratégia Marinha pode ser a chave para a consolidação de todo o trabalho até agora realizado a nível europeu, retomando a ideia inicial de processo, mediante a coordenação conjunta das novas políticas marítimas e da nova perspectiva europeia de desenvolvimento espacial, o processo de governança surge como uma ferramenta completa, capaz de estruturar a transversalidade (importância social, ambiental e económica) e a diversidade de agentes implicados.

A Comissão Europeia aprovou recentemente uma revisão da Recomendação GIZC da UE, com vista a uma proposta de acompanhamento até ao final de 2011. Uma avaliação da implementação é efectuada para analisar a necessidade e as opções para a acção futura da UE e avaliar as possíveis consequências sociais, económicas e ambientais que as novas iniciativas propostas pela Comissão Europeia possam ter (EU, 2011).