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PARTE I: BASES TEÓRICAS

CAPÍTULO 1. CONSIDERAÇÕES CONCEPTUAIS SOBRE A GOVERNAÇÃO APLICADA AO OCEANO

1.4. A sustentabilidade do oceano

O conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) foi usado pela primeira vez em 1987 no Relatório Brundtland, intitulado “O nosso futuro comum” elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e é definido como:

”O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração actual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem o seu próprio desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais” (OCDE, 1999).

O DS é amplamente aceite e enuncia claramente a necessidade de considerar um conjunto de sistemas que interagem com os seus ambientes externos. A abordagem conjunta da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) e o quadro legal estabelecido pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), que também introduziu o conceito da aproximação dos ecossistemas, permitiram promover esta filosofia. Assim, o Programa o Homem e a Biosfera (MAB) e a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), consideram que o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como a procura de:

Integridade do ecossistema; Eficiência económica;

Equidade social intra e inter-geracional.

As conclusões retiradas da Agenda 21, plasmadas no seu capítulo 17, constituíram a chave para a aproximação e para a elaboração de um quadro teórico para a gestão global do oceano, fornecendo a visão de como o oceano pode ser explorado, protegido e gerido. Na realidade, a sua eficácia foi apenas aparente, pois partindo das bases teóricas, a sua aplicação foi limitada. Por outro lado, a Agenda 21 focou o objectivo principal, na aplicação da gestão integrada e na

abordagem holística como ferramentas para operar o desenvolvimento sustentável tanto para as áreas costeiras como áreas oceânicas.

Na aplicação da abordagem à sustentabilidade do oceano a Independent World Commission on the Oceans (IWCO)8 pretende:

Alertar para questões relevantes do desenvolvimento do oceano e do impacto directo e indirecto da actividade humana sobre os recursos do oceano;

Incentivar o desenvolvimento do regime de governação dos oceanos;

Estudar formas de promover a aplicação do Direito do Mar e outros instrumentos jurídicos existentes e programas;

Analisar o potencial económico existente e futuro do oceano;

Promover a incorporação da dimensão marítima nos planos de desenvolvimento nacional;

Analisar os requisitos de uma gestão integrada da zona costeira;

Explorar novas formas de cooperação para o desenvolvimento da tecnologia;

Estudar as ameaças para os mares e oceanos e a sustentabilidade dos seus recursos e aplicações;

Contribuir para a definição das formas de reforço do quadro institucional da governação dos oceanos em vários níveis;

Contribuir para o desenvolvimento da utilização pacífica do oceano.

A governação sustentável dos oceanos requer uma perspectiva ampla e interdisciplinar que pode integrar as ciências naturais e sociais no processo político. Não existe uma abordagem exclusiva ou modelo único, dado que os assuntos relacionados com o desenvolvimento do oceano são extensos e complexos, mas o uso de certos conceitos podem auxiliar outras áreas de conhecimento (Cho, 2006).

Entre as várias teorias discutidas, Constanza (1999) propõe uma abordagem a partir da economia ecológica enquanto ciência que proporciona a perspectiva da sustentabilidade das interacções entre os sistemas económicos e ecológicos. Este problema envolve questões

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Relatório "Ocean governance: National, regional, global institutional mechanisms for sustainable development in the oceans" (Papayoto, 1994)

cruzadas, transculturais e transdisciplinares, e apela a abordagens inovadoras para a investigação, a política e a construção de instituições sociais (Costanza, 1998; Berkes & Folke,1994).

Estas novas perspectivas na área da governação marinha e do desenvolvimento sustentável permitem a aplicação de ferramentas para atingir estes desafios. Como actuais desafios, podem-se elencar, os seguintes: a integração dos usos existentes e dos potenciais usos económicos; a protecção perante ameaças das actividades humanas; e processos para a gestão e a governança. A economia ecológica representa um compromisso entre as ciências naturais, económicas e sociais e os profissionais, promovendo uma compreensão nova e pluralista do modo pelo qual os diferentes sistemas vivos interagem uns com os outros, permitindo extrair ilações tanto para a ciência como política.

Em 1998, do Workshop internacional da IWCO9,resultaram as seguintes ideias:

i. Um crescente reconhecimento da dependência ecológica, económica e social para o bem-estar humano a partir da sustentabilidade dos oceanos (Costanza, 1999);

ii. Um quadro, com base no valor do ecossistema e outros serviços que prestam, para avaliar os problemas do oceano, incluindo as possíveis ameaças a esses serviços. Os principais problemas são :1) sobrepesca; 2) terrenos e poluição; 3) disposição oceânica e derrames; 4) destruição dos ecossistemas costeiros e, 5) alterações climáticas; iii. Uma visão integrada ecológica e económica da governação dos oceanos, que

reconhece o valor do capital natural e dos serviços dos ecossistemas, as grandes incertezas inerentes à ciência do oceano e do governo, a importância do problema da inadequação de escala entre os ecossistemas e as instituições de governança humana, e as limitações da propriedade actual regimes de direitos em relação às questões de governação do oceano;

iv. Um conjunto de seis princípios fundamentais para a realização de governação sustentável dos oceanos com base nesta perspectiva, designados como os Princípios de Lisboa. Eles são:

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Princípio da responsabilidade, o acesso aos recursos ambientais acarreta responsabilidades relativas ao seu uso ecologicamente sustentável, economicamente eficiente e gestão social justa. As responsabilidades individuais ou colectivas devem estar de acordo com os objectivos sociais e ecológicos.

Princípios de scale-matching, os problemas ecológicos raramente estão confinados a uma única escala. A tomada de decisão sobre os recursos ambientais deve (Svein Jentoft) ser atribuído a um nível institucional ou níveis que maximizem a informação relevante sobre o sistema ecológico e reconheçam que a informação ecológica precisa de ser fluida; (Biermann) as decisões dos proprietários e dos actores-chave das partes interessadas devem ser tomadas em consideração; interiorizar custos e benefícios. As escalas adequadas de governação serão aquelas que tenham as informações mais relevantes e que possam responder com rapidez e eficiência sendo capazes de integrar os limites.

Princípio da precaução, dado a existência de incerteza relativa aos potenciais impactos ambientais irreversíveis, as decisões relativas à utilização dos recursos ambientais deve errar por excesso de zelo. O ónus da prova deve ser transferido para as actividades potencialmente prejudiciais ao ambiente. Princípios da gestão adaptativa, tendo em conta que, sempre que existe

algum nível de insegurança na gestão dos recursos ambientais, os decisores devem reunir-se e integrar as informações ecológicas, sociais e económicas adequadas com o objectivo de uma melhoria adaptativa.

Princípio da destinação integral de custos,

todos os custos internos e externos

e os benefícios (sociais e ecológicos) das decisões alternativas relativas à utilização dos recursos ambientais devem ser identificados e atribuídos. Quando seja apropriado, os mercados devem ser ajustados para reflectir os custos totais.

Princípios da participação, todos as partes interessadas devem ser envolvidas na formulação e implementação de decisões que concernem aos recursos ambientais. A plena participação das partes interessadas contribui para a credibilidade, aceitando as regras identificadas e permite a atribuição das responsabilidades.

v. Uma análise dos principais problemas e ameaças dos oceanos em termos de como eles violam os princípios de Lisboa;

vi. Um conjunto de exemplos de soluções possíveis perante os problemas que representa a aplicação dos princípios, incluindo: com base em acções de pesca, a gestão integrada de bacias hidrográficas, áreas marinhas protegidas, e títulos de garantia ambiental .

Constanza (1999), acentua os desafios específicos que precisam de ser resolvidos para que o oceano possa ser governado de forma sustentável, nomeadamente:

As características do acesso público e os direitos da propriedade comum exigem medidas para regulamentar o acesso;

O papel dos oceanos no sistema ecológico global e as medidas para a conservação de alguns países ou autores podem beneficiar do sistema sem ter que pagar o custo de utilização;

Os efeitos inter-geracionais são o resultado da dependência inter-espacial da utilização dos recursos do oceano com tendência para ignorar os efeitos ao longo do tempo do espaço. Existe necessidade de mudar a forma como esses efeitos são manipulados;  O impacto das actividades humanas sobre os oceanos leva a uma incerteza sobre o

comportamento do sistema, em parte devido à sua complexidade. Isso exige novos modelos de tomada de decisão e regras de gestão diferentes, baseadas na manutenção do sistema dentro de limites sustentáveis e do uso do princípio da precaução, a fim de manter a incerteza dentro dos limites aceitáveis;

 O mercado dá uma dimensão insuficiente ao valor social dos recursos do oceano precisando de incentivos correctivos a fim de orientar o comportamento;

 A pobreza é agravada pelas formas de globalização que ignoram as externalidades ambientais. O uso do oceano é particularmente susceptível a esse problema.

Outro marco importante na evolução e aplicabilidade do termo governança é o da publicação da “Declaração do Milénio”, confirmada por mais de 200 estados, onde se afirma “Não devem ser poupados esforços para libertar toda a humanidade e, acima de tudo as nossas crianças, da ameaça de viver num planeta irremediavelmente destruído pelas actividades humanas, e cujos recursos não serão mais suficientes para suas necessidades.” (WSSD, 2000).

Esta declaração apontava para uma visão de desenvolvimento sustentável, incluindo a redução da pobreza e equidade. Neste sentido, vários são os estímulos para alcançar os objectivos de desenvolvimento do Milénio, confirmados na Cimeira de Joanesburgo, em 2002, os quais podem ser encontrados nos recursos e serviços dos Oceanos e Zonas Costeiras. Assim, o Fórum Global dos Oceanos conseguiu introduzir a perspectiva dos Oceanos, das Zonas Costeiras e das Ilhas Pequenas em Desenvolvimento (SDIS) na agenda política internacional. Os progressos significativos foram feitos em direcção às metas da WSSD no sentido de reduzir as fontes terrestres de poluição, até 2006; introdução da abordagem dos ecossistemas na avaliação e gestão dos recursos marinhos, até 2010; designação duma rede de Áreas Marinhas Protegidas (AMPs), até 2012; e, manter e restaurar os stocks pesqueiros para o máximo rendimento sustentável (Foley et al., 2010), em 2015 (Sherman, 2006).

A Governança e Gestão associada aos ‘Objectivos do Milénio’, deve ser abrangente e baseada no quadro legal e numa abordagem orientada dos sistemas que toma em conta as inter- dependências dos vários componentes do sistema de suporte de vida, do qual o oceano é uma parte necessária. Uma governança adequada requer, portanto, uma compreensão razoável do sistema, juntamente com o conhecimento ambiental. Em 1991 Arvid Pardo propôs uma abordagem integrada e interdisciplinar no desenvolvimento e gestão dos recursos, serviços e actividades humanas. A governança e a gestão, para o desenvolvimento sustentável do oceano, precisam de ter:

Uma dimensão ética: o oceano deve ser regulado e gerido em nome da humanidade como um todo, com especial atenção para as necessidades dos pobres (equidade); Uma dimensão económica: os recursos do oceano necessitam de ser desenvolvidos e geridos de forma sustentável e, em áreas, fora da jurisdição nacional, pelo menos, não apropriada (o património comum);

Uma dimensão ambiental: os recursos do oceano devem ser conservados para serem partilhados com as gerações futuras (sustentabilidade);

Uma dimensão de paz e de segurança: o oceano deve ser reservado para usos pacíficos, de modo a beneficiar a humanidade, como um todo (de segurança humana).

Estas dimensões não se encontram ultrapassadas uma vez que abrangem o que está consubstanciado no conceito do Desenvolvimento Sustentável, designadamente: o pilar social, o pilar económico e o pilar ambiental. As ferramentas para, eventualmente, colocar em prática

esses princípios foram enunciadas por Borgese (1998), destacando a educação científica e tecnológica; os recursos financeiros, a monitorização, a vigilância e a execução. Estes aspectos, necessitam, também, de ser vistos como um todo e como um processo contínuo. A sua abrangência implica que todos os elementos sejam analisados, enquanto que a vertente holística implica, somente, que os elementos a considerar sejam úteis para a obter da visão global (Vallega, 2001).

O oceano e as zonas costeiras constituem um sistema complexo que necessita de ser representado como um todo. Uma das principais questões científicas a abordar, relaciona-se com o modo como o sistema se encontra organizado. A zona costeira é um bom exemplo para ilustrar essas necessidades. Os problemas assumem ainda um carácter transfronteiriço devido ao facto de não existirem fronteiras físicas, nestes sistemas. Esta situação deve ser tida em conta no processo de desenvolvimento e de gestão. A abordagem orientada para o sistema operacional necessita, também, de incluir a cooperação e compreensão entre jurisdições, bem como disciplinas e sectores. Esta circunstância, encontra-se patente nas disposições do Direito do Mar (Kullenberg, 1999).

As quatro dimensões identificadas por Arvid Pardo são aplicáveis ao desenvolvimento sustentável dos oceanos. A sua visão baseia-se no ecossistema e coloca o ser humano numa posição central, no que diz respeito à gestão e comportamento.

O uso dos serviços do oceano apresenta também estas dimensões. A nível económico vários estudos (Borgese,1998; Palumbi, 2009), salientam a importância do oceano e das zonas costeiras e, do modo, como influencia em maior ou menor escala todos os sectores da economia. A grande importância da economia do oceano para o desenvolvimento nas diferentes escalas, desde a mundial à local, salienta a importância que oceano tem para o bem-estar da humanidade e dos ecossistemas. A abordagem deve ser mas abrangente, não centrando a atenção apenas nos serviços ambientais, mas também os serviços económicos e sociais.

As receitas da economia do oceano deverão ser usadas para fornecer, aos países em desenvolvimento, meios e recursos para a governação e, especificamente, para a educação, formação e desenvolvimento das competências necessárias para beneficiar das disposições da UNCLOS. Trata-se de atribuir maior equidade e justiça, e parece ser do interesse geral a sua

prossecução. A sugestão é que a sustentabilidade do ocenao pode ser organizada através da implementação da governação dos oceanos em função do papel do património do oceano para a economia orientada para os serviços globais (Kullenberg, 2010).