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A Aprendizagem de Línguas Estrangeiras e o Bilinguismo

CAPÍTULO I A Importância da Línguas Estrangeiras nos Sistemas Educativos

4. A Aprendizagem de Línguas Estrangeiras e o Bilinguismo

Na maior parte dos casos, é no sistema escolar que são lançadas as bases para uma aprendizagem de línguas ao longo da vida, na altura em que crianças obtêm uma primeira noção da variedade da língua e da cultura que as rodeiam e das suas próprias capacidades singulares de comunicar com os outros.

É na escola que a maioria dos jovens europeus aprende uma segunda língua. Em 2002, o número de alunos europeus que aprendia uma língua estrangeira no ensino primário, era aproximadamente 50% da sua totalidade. Esta percentagem aumentou de forma particularmente significativa a partir de 1998 em vários países da Europa central e oriental, assim como na Dinamarca, Espanha, Itália e Islândia, estando esta tendência frequentemente ligada às reformas que, na última década, estabeleceram a antecipação da idade para iniciar o ensino obrigatório de uma primeira LE (cf. Eurydice, 2005).

Mas, se regressarmos um pouco no tempo, verificamos que a década de 70 foi pioneira em experiências de ensino de LEs na escola primária e que, somente na década seguinte, ressurgiu na maior parte dos países da Europa um movimento a favor da introdução do ensino de línguas nos primeiros anos de escolaridade (cf. Hagège, 1996: 65).

No entanto, as práticas conhecidas caminhavam no sentido do ensino de apenas uma língua estrangeira nos primeiros anos de escolaridade, daí que as preocupações da época fossem essencialmente sobre aspectos que diziam respeito ao bilinguismo.

Pelas experiências vividas nesta primeira etapa do ensino de LEs nos primeiros anos de escolaridade, verificamos que o bilinguismo era sem dúvida uma meta a alcançar. Dizemos primeira etapa relativamente a uma segunda nova etapa que teve início na última década, e que abordaremos mais à frente.

O bilinguismo é uma realidade internacional, existindo pessoas bilingues um pouco por todo o mundo.

Existem múltiplas situações nas quais as crianças podem desenvolver o bilinguismo: imigração, migração, o contacto restrito com outros grupos linguísticos ou a instrução, a escola.

Podemos confirmar este pensamento nas palavras de Baker & Jones quando afirmam que o bilinguismo se pode desenvolver formal ou informalmente,

the topics of bilingualism and second language acquisition are closely related. Becoming bilingual often involves second language acquisition, either achieved formally (e.g. in the classroom) or informally (naturally, for example, in the street and playground, via television and radio) (Baker & Jones, 1998: 642).

Relativamente ao contacto formal com uma LE (na escola, por exemplo), esperava- se que tal contacto resultasse numa situação de bilinguismo para a criança que fazia esse mesmo contacto.

Tal como referimos, o contacto com uma língua estrangeira pode ser efectuado de diferentes formas e em diferentes contextos, daí que ao termo bilinguismo sejam atribuídas várias classificações. Por exemplo, só no glossário de bilinguismo de Mackey, encontramos referência a dezasseis tipos de bilinguismo: complementar, bilateral, de transição, funcional, horizontal, institucional, minimal, natural, não recíproco, ocasional, produtivo, receptivo, recíproco, regressivo, residual, suplementar, unilateral e vertical (1978, in Coste, Moore & Zarate, 1997). Encontramos ainda referência a mais seis tipos de bilinguismo na obra de Hoffman, An Introduction to Bilingualism (1991): escolar, cultural, infantil, precoce, primário e secundário. Desta forma verificamos que o bilinguismo (ou o processo de se tornar falante de mais do que uma língua) se traduz na diversidade de situações de contacto com a LE, dependendo cada uma delas da relação com a própria língua estrangeira.

Interessa-nos particularmente referir que a relação entre uma LE e o seu resultado final (ou esperado) pode acontecer dentro ou fora da escola, de modo formal ou informal e que o bilinguismo faz parte da realidade linguística de muitos países e regiões do planeta.

Uma vez que o bilinguismo era, ou é, associado directamente à aquisição de uma segunda língua, achamos pertinente verificar como o mesmo era considerado durante a

primeira etapa do ensino de LEs nos primeiros anos de escolaridade quando o bilinguismo era a meta a alcançar.

Assim como para a aprendizagem de línguas nos primeiros anos de escolaridade apontamos algumas vantagens também em relação ao bilinguismo, apontaremos vantagens e desvantagens, relativas a diferentes domínios, principalmente linguísticos e socioculturais.

Na segunda metade do século XIX e primeira do século XX, o bilinguismo era encarado como um mal relativamente à situação monolingue, responsável pelas dificuldades de aprendizagem oral e escrita. Na primeira metade do século XX, autores como Borel Maisonny atribuíam ao bilinguismo a gaguez ou o seu favorecimento (cf. Gonçalves, 1998: 92). A vivência de uma criança com duas línguas era, à priori, vista como um facto negativo. Encarando o facto de que, para aprender outra língua, a criança inicialmente tenta compreender os inúmeros sons que a rodeiam para depois lhe atribuir um significado, para ser capaz de compreender dois sistemas linguísticos diferentes unindo as palavras para conseguir comunicar, poderá resultar em frustração e insucesso na comunicação se falhar num destes mecanismos (cf. Cunningham-Andersson, 2003: 57). Somente nas últimas décadas do mesmo século, o bilinguismo foi valorizado e considerado como um potencial recurso que oferecia uma mais-valia para a realização de outras aprendizagens.

As vantagens das crianças contactarem com outras línguas foram sendo confirmadas por especialistas de diferentes áreas (cf ponto 2 deste capítulo), o que levou a uma mudança de pensamento relativamente à relação bilinguismo /aprendizagem de língua(s),

considera-se que o bilinguismo pode ser, em muitos casos, um factor de desenvolvimento e de realização da personalidade se se desenvolver num quadro social equilibrado: ao permitir o acesso a duas línguas, tal como a dois sistemas de cultura, abre à criança um universo alargado (Frias 1992: 92, in Gonçalves, 1998: 92).

Para maior clarificação do que acabámos de expor, analisamos algumas definições de bilinguismo.

Uma das primeiras definições referenciadas de bilinguismo é a do linguista Leonard Bloomfield, que remonta aos anos 30 nos Estados Unidos da América. O bilinguismo é apontado como resultado da aquisição de uma segunda língua (L2) por parte dos imigrantes, facto que poderia levar a uma troca de língua. Isto é, a nova língua seria de tal modo adquirida pelos imigrantes que resultaria numa proficiência linguística, ao ponto de não os distinguir dos nativos (cf. Hoffman, 1991: 15). Podemos ver que esta definição se refere particularmente a uma aquisição informal da LE, fora da realidade escolar.

Uriel Weinreich, um dos fundadores do estudo do bilinguismo e também ele bilingue, oferece uma das mais pequenas definições no seu livro Languages in Contact: “The pratice of alternately using two languages will be called bilingualism, and the person involded, bilingual.” (1968:1, in Hoffman, 1991: 15). Simples e concreto, o autor faz referência ao uso de duas línguas, sem especificar o contexto de aquisição de uma segunda língua.

William Mackey vai um pouco mais longe incorporando no conceito de bilinguismo o uso alternativo de duas ou mais línguas,

it seems obvious that if we are to study the phenomenon of bilingualism we are forced to consider it as something entirely relative. We must moreover include the use not only of two languages, but of any number of languages. We shall therefore consider bilingualism as the alternate use of two or more languages by the same individual (1970: 555, in Hoffman, 1991: 17).

Inicia-se aqui a noção de plurilinguismo tal como hoje a encaramos, que abordaremos no ponto seguinte deste capítulo.

Também Skutnabb-Kangas ao traçar o perfil ideal do falante bilingue, refere o facto deste ter a possibilidade de funcionar em duas ou mais línguas, no seio de comunidades seja unilingues, seja bilingues, em conformidade com as exigências socioculturais de competência comunicativa e cognitiva individuais requeridas por essas sociedades e pelo próprio indivíduo, ao mesmo nível dos locutores nativos (…) (1981, 93, 96, in Hagège, 1996: 197).

em conta o nível das quatro competências comunicativas dos falantes, implicando que se saiba falar, compreender, ler e escrever duas línguas com a mesma facilidade (cf. Hoffman, 1991; Skutnabb-Kangas, 1984).

No entanto, Cohen (1991) ao considerar bilingues todos aqueles que pensam em duas línguas da mesma forma, defende também que, a ausência do contexto cultural na aprendizagem de uma LE na escola assim como a existência de uma língua dominante, a língua do território, não transforma o aluno num bilingue (in Gonçalves, 1998: 88), traduzindo a concepção de bilinguismo é mais restrita e exigente do que para outros autores já citados.

Desta forma concluímos que, ao longo dos anos, o bilinguismo foi alvo de reflexão da parte de vários autores e que estes (uns mais do que outros) tinham uma visão mais ou menos complexa de bilinguismo. No entanto, o conceito ao sofrer algumas alterações, desde o simples uso de duas línguas, passando pelo uso de duas ou de várias línguas que se possam dominar, sofreu alterações até chegar ao ponto de ocupar um lugar de destaque nas exigências socioculturais dos indivíduos.

Este lugar de destaque é reconhecido nas palavras de Andrade quando escreve: Actualmente é de opinião geral que o bilinguismo é algo original, rico em potencialidades comunicativas, extremamente dinâmico, portador de criatividade linguística (…) e absolutamente imprescindível para as necessidades comunicativas das sociedades modernas, nomeadamente na perseguição de uma Europa sem barreiras, dado esta se revelar como uma das zonas menos bilingues do globo (1997: 108-109).

As necessidades comunicativas das sociedades modernas, referidas por Andrade (1997), foram-se expandindo e nos últimos anos temos assistido a uma extensão das exigências europeias, onde o bilinguismo (domínio de duas línguas) já não é suficiente para servir os actuais propósitos europeus. Uma sociedade com porta aberta a outras sociedades, na qual podemos contactar, mais facilmente, com outras pessoas e consequentemente suas culturas e línguas, mesmo sem sairmos do nosso país, implica que cada vez mais, se compreenda a necessidade de dominar mais do que duas línguas (cf. Comissão da União Europeia, 2004).

As novas realidades originaram, desta forma, uma mudança nas prioridades europeias relativamente à relação com as outras culturas e, consequentemente, na relação com as outras línguas. Desta forma, uma nova etapa surgiu nos últimos anos nas sociedades europeias, rumando no sentido ao plurilinguismo, que ultrapassa, como veremos de seguida, o bilinguismo da etapa anterior.

Acreditamos aqui que o contacto com uma LE fornece, de alguma forma, um contrato de garantia para o plurilinguismo posterior (cf. Hagège, 1996: 70). Com efeito, tal como já referimos, há quem defenda que as crianças que começaram muito cedo a aprendizagem de uma LE, possuem, em comparação com aquelas que só começam mais tarde, uma facilidade muito maior na aprendizagem de novas línguas. Se acreditarmos na existência de um contrato de garantia, teremos de concordar que o primeiro lugar onde esse contrato se inicia e começa a ser lavrado é nos contextos escolares que as nossas crianças vão vivenciando.