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A Aprendizagem Sistemática de uma Língua Estrangeira

CAPÍTULO I A Importância da Línguas Estrangeiras nos Sistemas Educativos

6. A Competência Plurilingue e Pluricultural – objectivo educativo indispensável

7.3. A Aprendizagem Sistemática de uma Língua Estrangeira

O último modelo que apresentamos de abordagem de LEs nos primeiros anos de escolaridade é um modelo que contempla, tal como o modelo anterior, o contacto com uma só LE, mas desta feita não somente através de uma sensibilização mas sim através da aprendizagem sistemática dessa mesma língua. Quer isto dizer que, num modelo de aprendizagem sistemática de uma língua estrangeira, os objectivos serão mais ambiciosos dos que os propostos nos modelos anteriores. Se nos modelos anteriores se desejava que a criança desenvolvesse um sentimento de curiosidade e respeito pelas novas línguas, neste modelo exige-se um pouco mais, quando se demanda um domínio, não só da oralidade, mas também da escrita, como poderemos verificar nos parágrafos que se seguem.

Segundo Strecht-Ribeiro a própria noção de aprendizagem privilegia uma definição de objectivos terminais e de uma estratégia clara para os alcançar, comportando em si as ideias de progressão, etapas e objectivos intermédios (cf. Strecht-Ribeiro, 1998: 108). Desta forma, este modelo de aprendizagem da língua, enquanto modelo mais formal, implica uma maior preocupação com a performance dos alunos. Espera-se que as crianças sejam capazes de produzir frases correctas na LE, quer na oralidade quer na escrita, traçando-se desta forma objectivos linguísticos concretos (cf. Dias & Mourão, 2005: 18).

A implementação da LE nos primeiros anos de escolaridade através de uma aprendizagem sistemática visa alcançar três grandes metas: a) aprender a comunicar em LE, com o consequente desenvolvimento das quatro capacidades básicas (ouvir, falar, ler e escrever); b) aprender a descobrir uma outra cultura, utilizando actividades que ultrapassem uma experiência monolingue e monocultural; c) aprender a reflectir sobre o funcionamento das línguas, partindo das diferenças e semelhanças entre as línguas em

aprendizagem (LM e LE), para uma consciencialização de certas regras que influenciam a capacidade de comunicar e aprender línguas (cf. Strecht-Ribeiro, 1998: 120-121).

No que se refere à aprendizagem sistemática de uma LE, alguns autores referem que a mesma deve der efectuada de forma integrada e articulada com as outras áreas curriculares (cf. Alonso et al, 1994; Pereira, 2003; Strecht- Ribeiro, 1998). Relacionar o ensino-aprendizagem da LE com as restantes áreas disciplinares (os conhecimentos, as actividades, os materiais e as competências específicas que as outras áreas desenvolvem), irá estabelecer um modo de mediar os novos conhecimentos com outros, supostamente, já adquiridos (Pereira, 2003: 59).

Desta forma, relacionar a LE com as restantes áreas do currículo significa associar algo novo a realidades já experienciadas e vividas pela criança. Segundo os defensores desta abordagem, uma metodologia integradora da aprendizagem da LE com as restantes aprendizagens parece facilitar o processo de ensino-aprendizagem, ao possibilitar a exploração de ligações com outros saberes e outras formas de pensar (cf. ibid.).

Uma metodologia de integração da LE com as outras áreas do currículo na aprendizagem sistemática de uma LE aparece como a mais aconselhável neste modelo de abordagem, já que, sem descurar o aspecto da língua em si, facilita a consecução dos objectivos educacionais gerais dos primeiros anos de escolaridade (cf. Alonso et al , 1994). Os objectivos principais que se pretendem atingir através da realização de actividades que, sendo de LE, também envolvam outros saberes, prendem-se, nomeadamente, com o desenvolvimento de atitudes sócio-afectivas positivas e com a tomada de consciência de culturas diferentes por parte da criança, ao mesmo tempo que desenvolvem aspectos de carácter cognitivo.

Segundo Widdowson,

um dos meios mais eficazes de ensinar uma LE consiste na associação desta com conteúdos das outras áreas do currículo escolar. Na sua perspectiva, este será o único meio de ensinar a língua com base na comunicação, relacionando a aprendizagem da língua com a experiência quotidiana dos alunos, particularmente nos casos em que a escolaridade é ainda curta e as experiências novas proliferam (in Strecht-Ribeiro, 1998: 47-48).

Num contexto integrador da LE com as outras áreas curriculares, torna-se importante verificar de que forma este processo é viável. Desta forma, Halliwell determina quatro estratégias que apontam para a realização de actividades que, de alguma forma, integram as competências definidas para os primeiros anos de escolaridade:

• utilização do trabalho realizado em aulas de LE para construir materiais que possam ser usados noutras áreas;

• utilização de técnicas de outras áreas para estimular o trabalho com a LE;

• introduçao de tópicos de outras áreas na aula de LE;

• utilização da LE para dar aulas inteiras de outras áreas em LE (in Strecht-Ribeiro 1998: 49).

Associar a aprendizagem da LE às restantes áreas disciplinares poderá atribuir-lhe uma dimensão de instrumento de acesso aos diferentes saberes, dimensão essa que se apresenta como desejável porque permite estabelecer ligações entre as experiências vividas e as novas, sendo que esta constitui uma forma eficaz de ensinar a LE com base na comunicação.

A integração curricular das LEs, centrada nos interesses, nas necessidades e nas motivações das crianças, conseguirá aumentar progressivamente o ritmo e a qualidade da aprendizagem das línguas de modo a alcançar situações de bilinguismo e futuras situações de plurilinguismo. Estamos a falar de um currículo que terá ainda de conter conteúdos claramente definidos, realistas e acessíveis a todos os aprendentes, podendo adaptar-se aos vários contextos e ritmos de trabalho e de aprendizagem de modo a ser gerido de forma flexível e contextualizada (cf. Alonso et al, 1994; Pereira, 2003; Strecht- Ribeiro, 1998)

Strecht-Ribeiro (1998) apresenta-nos algumas recomendações que importa considerar quando se pensa numa aprendizagem sistemática de uma LE, baseadas em alguns estudos e experiências de outros países, nomeadamente a França e a Itália, recomendações essas que importa seguramente ponderar. Salientamos as dimensões que são mais enfatizadas nessas recomendações, a dimensão linguística e a dimensão sócio- cultural.

Numa dimensão linguística torna-se crucial implementar actividades que explorem a dimensão oral da língua, recorrendo à música, educando o ouvido, ajudando a

um triplo propósito: no campo linguístico (estrutura rítmica com tempos fortes e fracos facilitando a acentuação correcta das palavras e a sua pronúncia, etc), no campo psicológico (trabalho em grupo diminui a angústia por vezes associada à produção oral) e no campo cultural (não é de negligenciar o contributo das canções tradicionais, por exemplo, para despertar para uma cultura diferente). Como diz MacCarthy (1978) a educação do ouvido é um dos pré-requisitos para a aprendizagem eficiente da língua estrangeira (in Strecht-Ribeiro, 1998: 123).

Neste modelo de aprendizagem sistemática de uma língua estrangeira encontramos algumas características novas relativamente aos modelos anteriormente apresentados, nomeadamente a referência ao rigor da pronúncia e entoação das palavras e/ou expressões da LE.

Uma outra característica, não incluída nos modelos anteriores, é a abordagem da expressão escrita. Como a expressão escrita se trata de um processo complexo e nada espontâneo, requer uma boa dose de prática e de explicitação. Desta forma deverá começar-se por exercícios de destreza e automatização que vão até à escrita compositiva (cf. Strecht-Ribeiro, 1998).

Na dimensão sócio-cultural, por sua vez, torna-se crucial implementar actividades que explorem a dimensão social e cultural, através de valores, atitudes e comportamentos.

Se na sensibilização à diversidade linguística e cultural, assim como na sensibilização a uma só língua estrangeira a dimensão cultural está presente sendo fundamental no contacto com uma ou várias línguas, também aqui o factor cultural não é de descurar. Como temos vindo a referir, a língua não acontece num vazio e o seu conteúdo cultural não é uma abstracção. A cultura não se ensina porque queremos, mas porque temos de o fazer, a sua abordagem é virtualmente inevitável (Strecht-Ribeiro, 1998: 124; ver também Byram, 1992).

Se desejarmos alcançar os objectivos traçados teremos de proporcionar um conjunto de actividades que explorem os aspectos culturais e que ajudem o aluno a melhorar a compreensão da sua própria cultura. Este trabalho irá conduzir à formação de atitudes de tolerância para com os outros grupos étnicos, assim como despertar a curiosidade para com a LE, tal como acontece nos outros modelos (cf. Beacco & Byram, 1997; Conselho da Europa, 2001; Hagège 1996; Ferrão Tavares, 1999; Strecht-Ribeiro,

Partindo dos princípios metodológicos aqui definidos para a aprendizagem sistemática de uma língua estrangeira, poderemos então seleccionar algumas actividades e estratégias que poderão consolidar a sua execução em sala de aula.

Tal como nos outros modelos, as actividades deverão ser realizadas através de, por exemplo, jogos, canções, observação e descrição de imagens, sempre no sentido de envolver a criança numa nova língua e fomentar a abertura para com a outra língua e cultura.

Mais ainda, a utilização de textos, imagens, filmes e vídeo criteriosamente bem escolhidos ligados à realidade quotidiana e histórica da língua-alvo, irá de certeza provocar reacções conducentes ao reconhecimento de semelhanças e contrastes culturais, à aceitação das diferenças e respeito para com os outros (cf. Argondizzo 1992, Halliwell, 1992; Scott&Ytreberg, 1990; Strecht-Ribeiro, 1998).

Sabemos que as crianças são capazes de compreender o que se lhes diz ainda antes de compreenderem o significado das palavras individualmente. A entoação, os gestos, as expressões faciais, as acções e as situações são elementos que as podem ajudar a detectar o significado provável das palavras e das expressões desconhecidas. Ao compreenderem uma mensagem por este processo, as crianças começam a compreender a língua e o seu funcionamento (cf. Strecht-Ribeiro, 1998: 53).

Quanto à avaliação que melhor poderá responder aos padrões descritos de uma aprendizagem sistemática de uma língua estrangeira, e segundo Strecht-Ribeiro devido ao grupo etário envolvido, parece revestir-se de maior importância um tipo de avaliação formativa, mais do que sumativa ou prognóstica. Desta forma, e atendendo ao tipo de actividades envolvidas, torna-se fundamental desenvolver meios e critérios relevantes para avaliação da expressão oral, tendo em conta não só a correcção do que é dito, mas ainda outros factores como, por exemplo, a vontade de falar e a disponibilidade para comunicar.

Podemos então afirmar que, na aprendizagem sistemática de uma língua estrangeira, importa ter consciência das vivências que a criança já transporta consigo, ou seja, do seu desenvolvimento social, cultural e cognitivo. A motivação será pois a palavra- chave para a aprendizagem, onde as situações cativantes numa vertente integradora com outras áreas que a criança bem conhece, são uma grande possibilidade.

Em qualquer um dos modelos apresentados, o contacto com outras línguas é sobretudo despertar para as novas línguas e aceitar as diferenças que elas transportam consigo. Qualquer um dos modelos apresentados é viável nos primeiros anos de escolaridade no entanto, na nossa perspectiva e perante tudo o que temos vindo a descrever ao longo deste primeiro capítulo, quer seja por razões sociais, culturais ou cognitivas, a criança nesta fase escolar deverá, em primeiro lugar beneficiar de uma sensibilização à diversidade linguística e cultural. Na nossa opinião, este é o modelo que melhor vai ao encontro das recomendações do Conselho da Europa relativamente ao ensino de LEs, mais concretamente por ser o modelo que mais directamente poderá desenvolver a competência plurilingue e pluricultural. As outras opções, ainda que possam, ou devam ser consideradas, terão de ser, primeiramente bem pensadas.

8. As Línguas Estrangeiras nos Primeiros Anos de Escolaridade – a realidade