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A aprendizagem profissional das interações

Capítulo I – FORMAÇÃO EM CONTEXTO NO DESENVOLVIMENTO

2. Formação de educadoras de infância: a importante articulação entre a

2.2. A aprendizagem profissional das interações

O estudo das interações adulto-criança tem, nos últimos anos, observado um forte impulso, por se considerar que a qualidade das aprendizagens da criança depende muito da qualidade das interações entre a educadora e a criança (Oliveira-Formosinho, 2000; Grande & Pinto, 2009; Luís, 1998).

Como salientam Grande e Pinto (2009) os estudos sobre a qualidade das interações educador-criança têm demonstrado que o envolvimento dos educadores em interações responsivas e sensíveis têm maior probabilidade de desenvolver uma relação segura e essencial para promover a segurança das crianças. No estudo de Philips, McCartney e Scarr (1990, citados por Grande & Pinto, 2009) menciona-se que as crianças cujos educadores são menos diretivos, menos ríspidos e menos desligados, demonstram níveis mais elevados de desenvolvimento da linguagem e são mais competentes nas atividades cognitivas. Reconhece-se, neste sentido, o papel que o educador tem ao encorajar as crianças a envolverem-se em ações mais complexas e em interações verbais com o seu ambiente.

Destacaremos, neste momento, alguns estudos de âmbito nacional, sobre a interação adulto-criança, desenvolvidos no âmbito da pedagogia da infância e que assumem, no dizer de Novo (2009), duas linhas empíricas diferenciadas: os que utilizam

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a escala de empenhamento do adulto (Luís, 1998; Oliveira-Formosinho, 1998, 2002b; Novo, 2009) e os que se focalizam nas vozes das crianças como fonte de recolha de dados (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2008b; Oliveira-Formosinho & Lino, 2008).

O estudo de Oliveira-Formosinho (1998, 2002b) realizou-se no quadro do modelo ecológico de supervisão apresentado, situando-se na dimensão central do desenvolvimento curricular e do desenvolvimento profissional que é a interação educativa. A autora desenvolveu uma investigação longitudinal de curto prazo, com uma amostra de alunas de prática em situação de estágio profissional, de educação de infância. O objetivo central da investigação era o de “evidenciar que a interacção não é (predominantemente) um traço do sujeito, uma característica inata da sua personalidade é, antes, uma competência da ação profissional que pode ser aprendida e, portanto, deve ser ensinada em processo de supervisão (p.122). Esse processo teve uma contextualização pedagógica construtivista que conduziu à identificação dos campos de ação do educador de infância.

Para a recolha de dados Oliveira-Formosinho (2002b) utilizou a escala de observação do

empenhamento do adulto (Laevers, 1994), adaptada, no âmbito do Projeto Effective Early Learning (EEL)11, por Pascal e Bertram (1999). Esta escala pretende analisar as características

pessoais e profissionais que definem a capacidade de intervenção da educadora no processo ensino e aprendizagem, permitindo focalizar o olhar do observador nas características da intervenção do adulto. A avaliação é realizada a partir de três subescalas que enfocam a sensibilidade, estimulação e autonomia que cada educador confere às crianças, focalizando-se a observação nos seguintes aspetos:

Sensibilidade: a atenção e cuidado que o adulto demonstra ter para com os

sentimentos e bem-estar emocional da criança. Inclui também sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afetividade.

Estimulação: o modo como o adulto concretiza a sua intervenção no processo de

aprendizagem e o conteúdo dessa intervenção.

Autonomia: o grau de liberdade que o adulto concede à criança para

experimentar, emitir juízos, escolher atividades e expressar ideias e opiniões. Engloba também o modo como o adulto lida com os conflitos, as regras e os problemas de comportamento (Oliveira-Formosinho, 2002b, p.134).

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O projecto EEL é um programa de desenvolvimento profissional de educadores/professores que procura suportar a auto- avaliação e a melhoria dos cuidados em educação de infância. Iniciou em 1993, com uma equipa de pesquisadores, liderada por Christine Pascal e Tony Bertram, a partir do Centre for Research in Early Childhood na University College Worcester. Este projecto foi desenvolvido por profissionais em 60 localidades diferentes do Reino Unido. Foi ainda desenvolvido na Holanda e em Portugal. Cada grupo de trabalho é suportando por um consultor externo que atua com uma fonte de conhecimentos especializados e que apoia a equipa sobre recursos, formação contínua, estruturas de apoio ou mudanças organizacionais (Pascal & Bertram, 1999a).

35 O estudo revela que as alunas iniciam o estágio com níveis de sensibilidade,

estimulação e autonomia inferiores ao ponto médio12 nas três subescalas, mas os desafios da aprendizagem profissional, em contexto supervisivo de apoio, permitiram às alunas terminar o seu estágio com níveis de sensibilidade e autonomia que ultrapassam o ponto médio, mantendo, no entanto, os níveis de estimulação. A autora, a partir das narrativas das alunas, refere que a tentativa de elevar os níveis de estimulação as tornou muito didáticas e transmissivas.

Neste sentido Oliveira-Formosinho (1998, 2002b) considera que a aprendizagem das interações é uma aprendizagem complexa que exige tempo e apoio e, cuja reconstrução, necessita de suportes pedagógicos, que intencionalize a ação das alunas em interações específicas com as crianças, nos diversos domínios curriculares, sensíveis à cultura da criança, estimulantes e desafiantes.

Tendo por objetivo a caracterização do perfil de empenhamento de educadoras de infância, Luís (1998) desenvolveu um estudo, em duas instituições Particulares de Solidariedade Social envolvendo oito profissionais. A autora inicia o processo a partir de um registo vídeo, realizado pelas estagiárias, e avaliado por profissionais com experiência na supervisão da prática pedagógica de educadores de infância. A partir da utilização da escala de

observação do empenhamento do adulto (Pascal & Bertram, 1999a)13, a investigadora observou que a estimulação, em quase todos as educadoras, era inexistente, apontando para a ausência de estímulos facilitadores da comunicação e do pensamento da criança. Verificou, ainda, que a maioria de intervenções da educadora era neutra, em relação à autonomia concedida à criança. O estudo conclui que as educadoras apresentam um estilo de interação assistencial ou de guarda, indicando, por isso, a necessidade de formação sobre linhas alternativas de intervenção pedagógica, no sentido de melhorar a interação adulto-criança e, consequentemente, a aprendizagem das crianças.

A investigação realizada por Novo (2009) constitui-se como um estudo multicontexto de natureza qualitativa visando compreender o contributo da formação prática para a aprendizagem da competência profissional da interação educativa. A autora, utilizando a escala de observação do empenhamento do adulto, anteriormente referenciada, observou de janeiro a julho de 200314, as jornadas de aprendizagem de

12O ponto médio de qualidade referido por Laevers (1995) situa-se no nível 3,5.

13 Os procedimentos de observação tiveram como base as indicações de Pascal e Bertram (1999a) e Bertram & Pascal

(2009) realizando quatro sessões por adulto (duas manhãs e duas tardes) em cinco observações de dois minutos por sessão., num total de 20 observações, ou seja quarenta minutos por adulto.

14 A investigadora utilizou, de igual modo os procedimentos de observação indicados por Pascal e Bertram (1999a)

Bertram e Pascal (2009) realizando quatro sessões por adulto (duas manhãs e duas tardes) em cinco observações de dois minutos por sessão.

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cinco educadoras-estagiárias que desenvolveram o estágio final em contextos diversificados que adotavam orientações pedagógicas próximas do socioconstrutivismo (três contextos) e de pedagogias tradicionais ou tradicionais melhoradas (dois contextos).

Decorre da análise realizada por Novo (2009) que os contextos próximos do socioconstrutivismo “situaram as estagiárias no diálogo com o construtivismo, o interacionismo, com os direitos da criança e com a qualidade de interações com as mesmas” (p.266). Evidencia-se que as supervisoras não guiam as estagiárias para a mera aplicação das gramáticas pedagógicas, mas antes para a conquista de uma gramática pedagógica que se constituiu como fonte de aprendizagem. As estagiárias que desenvolveram o seu estágio numa linha pedagógica mais transmissiva mostraram estilos interativos com baixa sensibilidade e pouco promotores da autonomia da criança. Situaram-se numa pedagogia da transmissão orientando-se por objetivos que visam a aquisição de capacidades académicas e a compreensão dos défices.

Para Novo (2009) as supervisoras que se encontram envolvidas em redes de apoio e diálogo com a Associação Criança15 promovem contextos educacionais de qualidade que favorecem a ocorrência de aprendizagens significativas das estagiárias. Neste sentido, as educadoras “fortaleceram os seus saberes profissionais práticos, adensando uma cultura profissional que torna as estagiárias mais conscientes da sua aprendizagem profissional e dos valores e princípios que a informam e norteiam” (p.268). O estudo salienta, na linha apontada por Oliveira-Formosinho (2005), o papel substantivo da pedagogia da infância e o papel instrumental dos processos supervisivos.

Como aspetos a considerar na formação prática das educadoras de infância, Novo (2009) aponta para a necessidade de: i) melhorar a qualidade dos contextos onde se realizam os estágios; ii) repensar as práticas de supervisão e compreender as vantagens da formação em contexto; iii) reequacionar a seleção das supervisoras e as políticas que regulamentam os estágios, nomeadamente a previsão temporal para a sua realização, que pode ser considerada relativamente curta para aprendizagens tão complexas.

Uma outra linha de estudos salienta a importância de escutar as crianças como meio de aprender as interações que se desenvolvem em contexto. No livro a “Escola Vista pelas Crianças”, Oliveira-Formosinho (2008) reúne cinco estudos, que seguem uma abordagem qualitativa sobre as práticas educativas no âmbito da educação de infância. No prefácio do livro, Pinazza e Kishimoto (2008) referem que as cinco pesquisas “são pautadas em compreensões e interpretações de fatos, todas elas valorizam o

37 procedimento de triangulação de dados. O que há de inovador é que um dos importantes vértices dessa triangulação é representado pela criança, como fonte e sujeito da pesquisa” (p.8). Esta linha de investigação que valoriza a voz das crianças e as suas realizações enfoca uma conceção de criança como ser competente e sensível, que realiza a sua autonomia, na relação com os outros, sustentada pelos instrumentos da cultura. Neste sentido os estudos que procuram escutar as vozes das crianças, como condição importante na (re)construção do conhecimento acerca da infância centram-se nos seus direitos como prática, implicando o redimensionamento do papel do investigador e profundo comprometimento com questões éticas muito particulares (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2008a). Destes estudos salientaremos dois que ajudam a compreender a forma como as crianças interpretam as interações desenvolvidas em contexto e, consequentemente, as perspetivas pedagógicas adotadas pelas educadoras e o seu reflexo nas aprendizagens das crianças.

Os estudos de Oliveira-Formosinho e Araújo (2004b, 2008b) centram-se nos aspetos do desenvolvimento social da moralidade na criança, a partir das vivências que experimenta nos contextos educativos, relativamente às considerações adultas do bom comportamento,

mau comportamento e comportamento de ajuda. As autoras analisam os dados, a partir do

princípio de que a forma como a educadora responde a essas considerações é reveladora do tipo de interações que se desenvolvem entre os adultos e as crianças e, consequentemente, das perspetivas pedagógicas adotadas. Centram a pesquisa, numa amostra de 44 crianças e 4 educadoras de dois contextos de educação de infância: o

contexto 1, onde se desenvolve uma pedagogia socioconstrutivista, considerado como um

local onde os adultos acreditam na criança como sujeito de direitos, cujo processo de aprendizagem se encontra centrado na construção ativa da realidade física e social, com base no jogo educativo e no jogo livre, nas atividades espontâneas e nas orientadas, enfatizando o questionamento, a planificação, a experimentação, a investigação a cooperação e a resolução de problemas; o contexto 2, caracterizado por uma abordagem tradicional, centrada no adulto, cujos objetivos visam a aquisição de capacidades pré- académicas, onde a função da criança se reduz a uma atividade respondente. O estudo utiliza como instrumentos de recolha de dados, a entrevista semiestruturada, a observação participante e a escala de empenhamento do adulto.

A pesquisa revela que através da voz das crianças é possível encontrar diferenças ao nível da reação dos adultos face aos comportamentos e atitudes das crianças. Evidencia-se, relativamente à ação da educadora perante a transgressão que, no contexto socioconstrutivista, se valoriza uma dinâmica de construção colaborativa das regras,

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enquanto no contexto onde impera uma pedagogia tradicional, é dada uma grande ênfase ao castigo. Além disso as crianças do contexto 1 reconhecem a existência de consequências positivas relativamente aos comportamentos de ajuda, no contexto 2, não é explícita esta consciencialização nos discursos das crianças. As autoras referem ainda que emergem do estudo duas imagens distintas de criança: i) a criança como tábua rasa, na qual é necessário, progressivamente inscrever a lei e a ordem para benefício da criança e da sociedade; ii) a criança como ser ativo e competente, construtora de conhecimento e participante no seu próprio desenvolvimento, através da interação com os contextos de vida (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2008b, pp.48-50).

Outro estudo que utiliza a voz das crianças centra-se no modo como as crianças experimentaram, na sala do jardim de infância, as interações e papéis que nela se desenvolviam. A investigação de Oliveira-Formosinho e Lino (2008) foi informada pela concetualização de Oliveira-Formosinho (1996) que reconhece a experiência de interação da criança com a educadora como uma introdução à experiência das relações de poder. Os dados foram recolhidos, realizando entrevistas semiestruturadas a uma amostra de 80 crianças de quatro salas de jardim de infância de dois contextos distintos. Na entrevista colocaram-se três questões fundamentais: O que é uma professora? O que faz uma

professora? Quem te diz o que podes fazer na sala?

Os dados emergentes das entrevistas das crianças foram triangulados com os dados provenientes de entrevistas realizadas às educadoras e os resultados observados na escala de empenhamento do adulto (Laevers, 1994). Desta análise triangular resulta que as crianças conhecem as características dos contextos educativos, naquilo que são as suas experiências e os papéis dos adultos.

Salienta o estudo que as educadoras que dominam a ação, orientando as crianças acerca do que têm que fazer, controlando as suas ações, mas sem participar nos seus jogos, ainda que com sensibilidade, apresentam níveis baixos de estimulação, concedendo pouca autonomia às crianças. Por outro lado, as educadoras que encorajam as crianças a resolverem os seus conflitos, a formularem e aplicarem as regras, a expressarem as suas ideias, observando as crianças e escutando-as atentamente, revelam melhores níveis de sensibilidade, estimulação e concedem maior autonomia às crianças.

Neste sentido, Oliveira-Formosinho e Lino (2008) constatam que “a agência do professor como poder para a diferença na pedagogia requer transformar estruturas, sistemas, processos que eventualmente se constituem em constrangimento à agência do aluno e, assim, a mediar” (p.69). Segundo as autoras para contribuir para o desenvolvimento cívico de cidadãos participativos, desde os anos da infância, importa: i)

39 construir instituições de educação de infância como comunidades de práticas; ii) criar sala de jardim de infância como comunidades de aprendizagem; iii) providenciar experiências onde as crianças se sintam participantes, se sintam com poder; iv) aprender a construir um quotidiano dialogante onde a prática é escutar o outro e um processo ético; v) dar voz às crianças em questões relevantes, tais como as do papel do adulto e o delas próprias no processo de ensino e aprendizagem.

As investigações que enunciámos constituem referentes de compreensão importante para as questões do presente estudo. As convergências salientes alertam para o valor das interações educativas e para o papel da mediação em contexto. Reconhece-se a importância das interações adulto-criança, sublinhando-se o necessário diálogo com gramáticas pedagógicas que escutem a criança, lhe deem voz e a aceitem como participante ativo no seu processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, aponta-se para a aprendizagem das interações tendo por base uma linha socioconstrutivista.

Por outro lado, reconhece-se que os contextos que guiam os estagiários e as educadoras no seu processo de crescimento profissional, através de uma pedagogia do diálogo, da reflexão, onde todos são aceites como atores e autores (crianças, estagiários e educadores), oferece melhores oportunidades formativas para a compreensão da complexidade e multidimensionalidade que emerge da profissionalidade específica dos