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O papel dos participantes e do investigador/formador no âmbito da

Capítulo III – METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

3. A investigação-ação como meio de inquirir a realidade social em estudo

3.1. O papel dos participantes e do investigador/formador no âmbito da

Segundo Reason e Bradbury (2008) investigação-ação é

um ramo da família da linving inquiry, que visa, através de várias formas, associar práticas e ideias, ao serviço do desenvolvimento humano. Não é tanto uma metodologia, mas mais uma orientação de pesquisa que procura criar comunidades participativas de investigação, nas quais as qualidades de envolvimento, curiosidade e questionamento sustentam significativamente as questões da prática. A investigação-acção desafia o saber recebido tanto na academia, como nas mudanças sociais e o desenvolvimento dos práticos, não só porque é uma prática de participação, que envolve aqueles que de outra forma seriam sujeitos da investigação ou destinatários da intervenção, tornando- os com maior ou menor extensão como coinvestigadores. A investigação-acção não inicia com um desejo de mudar os outros, pode contudo, ter esse resultado, ao contrário ela começa a partir de uma orientação de mudança com os outros (p.1)68.

Esta definição enfatiza a ideia de que a investigação deve ser desenvolvida coletivamente pelos participantes que pesquisam a sua própria ação. Neste sentido, o envolvimento dos educadores, enquanto investigadores da sua ação, resulta num compromisso capaz de contrariar a sua passividade, enquanto sujeitos de estudo, colocando-os, antes, numa indagação constante sobre a práxis pedagógica (Ponte & Ax, 2010).

A imbricada teia de relações que se estabelecem entre os diferentes atores e as múltiplas facetas que caracterizam os fenómenos educativos fazem emergir a ideia de complexidade. Uma complexidade que determina que se olhem os fenómenos educativos como transfenomenais, percebendo o contributo dos diferentes atores na construção coletiva dos significados (Sumara & Davis, 2010). Neste sentido, trabalhar no âmbito da complexidade é interagir e construir conhecimento, o que pressupõe que os profissionais se envolvam em processos de aprendizagem permanente e contínua. É nesta perspetiva que Sumara e Davis (2010) consideram que “os sistemas complexos são sistemas que aprendem” (p.359).

Esta linha aceita os educadores como indivíduos inteligentes que formulam questões sobre a sua prática e que têm experiência relevante para partilhar com os outros. Nesse sentido, os educadores estão disponíveis para procurar os dados que lhes permitam responder às questões e problemas que formulam. Será através da análise dos

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dados que emergem da sua prática e da sua experiência que os educadores desenvolvem novas formas de compreensão sobre os fenomenos educativos. Estas ideias radicam nas conceções de Dewey (1952, 1953) que advoga a importância dos professores/educadores desenvolverem ações refletidas em torno da sua prática profissional. Para Dewey (1953) a ação reflexiva implica uma consideração ativa, persistente e cuidadosa daquilo em que se acredita ou se pratica, à luz dos motivos que o justificam e das consequências a que conduzem. Esta ação refletida, segundo o autor, evoca a abertura de espírito, do professor/educador que lhe permita examinar, constantemente, as fundamentações lógicas da ação, indagando o porquê e o como do que desenvolveu em contexto educativo. A abertura de espírito implica segundo o pedagogo, a ponderação cuidadosa e responsável das tomadas de decisão, assumindo, assim, a condição de aprendente, planeando a ação de acordo com as intencionalidades que define e lhe permite saber qual é o seu papel enquanto ator e autor. Concordamos, assim, com Oliveira-Formosinho e Formosinho (2008) quando referem que ser profissional reflexivo “é fecundar as práticas nas teorias e nos valores, antes, durante e depois da acção; é interrogar para ressignificar o já feito em nome do projecto e da reflexão que constantemente o reinstitui” (p.8). Decorre desta concetualização o reconhecimento do papel do educador, enquanto investigador da sua prática e como coconstrutor de um corpo comum de conhecimentos. A construção do conhecimento prático realiza-se através da compreensão dos efeitos da mudança educacional, decorrente do envolvimento coletivo dos educadores na investigação (Kemmis, 2008).

Assim, o processo tem como finalidade o envolvimento das educadoras na desocultação das situações que as rodeiam, tendo em vista a melhoria do seu desempenho profissional e, consequentemente, a qualidade das aprendizagens das crianças. Como salientam Oliveira-Formosinho e Formosinho (2008) “o conhecimento profissional prático é uma janela para uma melhor compreensão e apropriação da prática profissional” (p.8). Mas a prática profissional, sustentada em pedagogias sem rosto, como afirma Oliveira-Formosinho (2007b), é uma porta aberta para a perpetuação do modo de ação tradicional. Defende-se, por isso, o desenvolvimento de práticas profissionais sustentadas em gramáticas pedagógicas que permitam a valorização da criança na sua competência participativa, onde se assuma a heterogeneidade e a diversidade como riqueza para a aprendizagem, oferecendo modos alternativos de pensar a ação (Oliveira-Formosinho, 2007b).

É neste sentido que Ponte e Ax (2010) apresentam uma proposta que interliga a investigação-ação à pedagogia, argumentando que

133 a investigação-acção enquanto estratégia de desenvolvimento profissional dos educadores requer princípios da pedagogia no sentido de transformar os princípios da justiça69 e da crítica70 que tenham consequência na sua prática educativa […] essa transformação é necessária para prevenir que a investigação-acção degenere em métodos práticos e instrumentais que resolvam os problemas imediatos da prática ou numa mera aplicação académica do conhecimento, um método que deixa as inadequadas práticas existentes, como elas estão (p.334)71.

Os vários estudos de casos coordenados por Oliveira-Formosinho (2009c), no âmbito do Projeto Desenvolver a Qualidade em Parcerias, evidenciam a necessidade de apoio externo para o desenvolvimento dos processos de desenvolvimento profissional. As parcerias constituem-se como fontes de aprendizagem integrada entre os atores envolvidos. Como afirma Oliveira-Formosinho (2009c) “os docentes do ensino superior aprendem com o mergulho na realidade que os questiona e permite renovar a sua compreensão, os profissionais de terreno aprendem com o mergulho na teoria que permite complexificar a prática” (p.23). Nestes processos parece que todos saiem beneficiados a partir da leitura dos significados que emergem do confronto concetual sustentado na reflexão crítica e que se traduzem na construção de conhecimento

praxiológico.

Num artigo de 1988, Kemmis (1990) referia que apenas os práticos ou as comunidades de prática podiam realizar investigação-ação, evidenciando, no entanto, que seria comum existirem outsiders envolvidos nos processos, providenciando materiais e dando apoio organizacional, emocional e intelectual aos práticos. Nessa reflexão o autor salientava que a relação que se estabelecia entre o facilitador – outsider – e os práticos poderia afetar profundamente o caráter da investigação-ação em curso. Alertava para a possibilidade da intervenção do facilitador poder introduzir significativas distorções no processo, conduzindo os práticos para meras experimentações e aplicações de formulações externas levadas a cabo pelos académicos.

No mesmo Handbook72, Elliott (1990) considerava que o papel dos outsiders deveria assumir mais a perspetiva de facilitação do que controle. Nesse sentido, ficaria legitimada a sua ação ao focalizar os professores nas suas conceções, ajudando-os a clarificar as suas ideias através do diálogo. A facilitação para Elliott (1988) também

69Os princípios da justiça de acordo com os autores fundam-se nas teorias que fazem parte de uma tradição democrática

liberal. A investigação-ação nesta tradição legitima-se através do compromisso com a liberdade humana, a igualdade de oportunidades em educação e o respeito pelas crenças.

70Os princípios da crítica fundam-se nas teorias Críticas.

71Tradução própria

72 Elliott, J. (1990). Teachers as Researchers. In J. Keeves, Educational Research, Methodology and Measurement: an international handbook (pp.78-80). Oxford: Pergamon Press.

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envolve a ajuda no uso das técnicas para o levantamento dos dados, sobre a sua prática e a sua posterior análise. No entanto, mais recentemente Kemmis e McTaggart (2005) afirmaram que a concetualização do papel dos facilitadores como neutral ou meramente técnica nega a sua responsabilidade enquanto agentes de transformação. Participar num processo construtivista de investigação-ação é, segundo Reason e Bradbury (2008), mais do que uma técnica. É uma atitude de pesquisa que requer o desenvolvimento e a compreensão daquele que está envolvido, como parte integrante, numa comunidade ecológica e socialmente situada, de forma interconectada com os outros. Neste estudo o

facilitador73 assume-se como investigador da prática, na medida em que “a investigação

sobre a prática é também ela prática” (Kemmis & McTaggart, 2005, p.572)74. Ao operacionalizar-se de forma reflexiva e dialética, a investigação, abre espaços de

comunicação (Kemmis, 2008) e de ação, tentando incorporar as conexões entre o

objetivo e o subjetivo, o individual e o coletivo. Os facilitadores situam-se numa perspetiva de agenciadores – os que ajudam a construir agência -, o que reclama o seu questionamento, a construção de significados sobre a melhor maneira ajudar os educadores a questionarem-se, a partilharem os significados e a construírem a sua agência participativa. Mas, implica, também, que se concentrem na sua própria agência, bem como nas consequências e implicações éticas das suas ações para os outros e para os sistemas com os quais interatuam (McNiff & Whitehead, 2010).

Esta forma de concetualizar a investigação praxiológica pressupõe que estes facilitadores estabeleçam o necessário compromisso e revelem a imprescindível sensibilidade e criatividade para se integrarem nas dinâmicas de uma situação específica. Neste sentido, existe transferibilidade dos saberes entre os educadores e o

facilitador que, em comunidade, reveem as suas experiências, o que permite que cada

um se aproprie dos significados construídos para criar a sua própria história (Rahman, 2008), mas também a da comunidade, na qual se envolvem (Kemmis & McTaggart, 2005). Assim, o facilitador desenvolve um processo de reinterpretação da sua própria

práxis. A construção de conhecimento, através da investigação-ação, revela-se, também

para o facilitador, como um “processo de vida e envolvimento de aprender a conhecer, a

73 Os investigadores da prática que estabelecem ligação com os educadores têm, em diferentes estudos, assumido

diversas designações. Kemmis (1990), Kemmis e McTaggart (2005) e Elliott (1988) designam-nos como facilitadores. No estudo de Rahman (2008) são designados por animadores. Para Feet e Patterson (2001) e Kemmis e McTaggart (2005) são considerados amigos críticos. As diferentes designações têm algumas nuances que se ligam com o papel do investigador face à investigação.

74 Kemmis e McTaggart (2005) consideram existir três formas de investigar a prática que envolve a relação que se

estabelece entre o investigador e a investigação. Assim numa perspetiva objetiva, o investigador coloca-se numa posição de outsider, assumindo a investigação na terceira pessoa; numa linha subjetiva assume a prática como um insider, na segunda pessoa; e a perspetiva dialética-reflexiva tende a ver a prática da perspetiva do grupo, cujos membros interconectam atividades para constituem e reconstituem as suas práticas, na primeira pessoa do plural.

135 partir da experiência de todos os dias, ”como “arte de fazer emergir no agindo” (Reason & Bradbury, 2008, p.5).