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O Movimento da Escola Moderna Portuguesa: um modelo de dupla

Capítulo I – FORMAÇÃO EM CONTEXTO NO DESENVOLVIMENTO

4. A formação em contexto, a construção de comunidades de aprendizagem e

4.4. O Movimento da Escola Moderna Portuguesa: um modelo de dupla

O Movimento da Escola Moderna [MEM], inspirado na perspetiva de Freinet, desenvolve, desde 1960, uma abordagem educativa baseada nos princípios democráticos e de educação inclusiva. Ao longo do tempo foi integrando as perspetivas socioconstrutivistas de Vygotsky e Bruner (Niza, 2007). Nesta perspetiva, a aprendizagem realizada através de interações socioculturais, enriquecida por adultos e pares, é o impulsionador do desenvolvimento (Folque, 1999).

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A ação do MEM sustenta-se em três princípios fundamentais: i) a iniciação às práticas democráticas; ii) a reinstitucionalização dos valores e dos significados sociais; e, iii) a reconstrução cooperativa (recriação) da cultura (Folque, 2008; Niza 2007).

Estes três princípios centram-se no “desenvolvimento pessoal e social dos professores e dos alunos, bem como sobre o objetivo mais amplo do seu desenvolvimento cultural” (Folque, 2008, p.23). Segundo Folque (2008) o primeiro objetivo traduz-se no exercício da cooperação e da solidariedade em comunidades democráticas; o segundo enfatiza a necessidade constante de refletir e clarificar os valores e significados sociais e incentivar tanto os professores como os alunos a tomarem decisões e a instituírem regras de grupo, através de um processo de cooperação que continuamente se reinstitui; o terceiro implica uma visão da aprendizagem como um processo sociocultural, participativo, onde o grupo não só acede ao conhecimento cultural da sociedade, como o reconstrói através de um processo dialógico de construção de significados.

Neste sentido, a aprendizagem é encarada como um processo que fornece os meios para a construção de cidadãos autónomos, responsáveis e ativamente comprometidos com a solidariedade e com o desenvolvimento pessoal e social. A escola é, pois, considerada como uma comunidade onde as experiências culturais dos membros individuais são compartilhadas e enriquecidas pelo encontro com o conhecimento social acumulado. Neste sentido, o MEM assume-se como um

movimento social de desenvolvimento humano e de mudança pedagógica. Propõe-se construir respostas contemporâneas para uma educação escolar intrinsecamente orientada por valores democráticos de participação directa, através de estruturas de cooperação educativa. Fá-lo a partir de processos de formação colegialmente compartilhados por professores dos vários graus de ensino e de outros profissionais das ciências da educação, seus associados. A perspetiva cultural que assegura o desenvolvimento pessoal e profissional, em comunidade de formação recíproca, chama-se no MEM auto-formação cooperada, por processar-se numa estrutura horizontal e dialógica de aprendizagem-ensino sujeita às regras sociais da cooperação. É esse compromisso social que lhe dá coesão e que assegura a solidariedade e a dimensão ética que requer a formação humana dos que se dispõem a educar outros homens e mulheres, em convívio democrático para a democracia (in

www.movimentoescolamoderna.pt).

Segundo Niza e Formosinho (2009) é através de um sistema compartilhado sobre a profissão que se reconstrói a ecologia concetual de cada um dos participantes. A construção dos conhecimentos realiza-se dentro da comunidade, onde cada um assume o papel de formador e formando e se obriga a pensar e a refletir criticamente sobre os seus percursos. No MEM a formação tem o papel de promover a mudança pessoal e o desenvolvimento profissional num contexto de socialização. Desta forma, o modelo

65 pedagógico e o modelo de formação fundam-se nos mesmos princípios, porque parte do isomorfismo pedagógico como estratégia metodológica, consiste em fazer experienciar através de todo o processo de formação, o envolvimento e as atitudes, os métodos e os procedimentos, os recursos técnicos e os modos de organização. Tal como afirma Oliveira-Formosinho (2003) “o modelo curricular [do MEM] é visivelmente uma dupla instância de mediação: constitui-se em participação guiada do educador que promove a participação guiada das crianças” (p.8). Apresenta-se como um modelo sociocêntrico no qual o grupo se constitui como o lugar desafiador ideal para o desenvolvimento social, intelectual e moral dos sujeitos em formação. A vida do grupo organiza-se numa experiência de democracia direta, onde se privilegia a comunicação, a negociação e a cooperação (Folque, 1999). Conforme salienta Niza (1997) a cooperação é o estado mais avançado de desenvolvimento moral. Por ser um processo voluntário, os papéis e as expectativas dos formandos clarificam-se num clima de participação cooperada, onde os interesses de cada um se ligam com os recursos do grupo (Niza, 1997).

A formação por projetos em grupos cooperativos sustenta a estratégia de formação cooperada. No MEM

os grupos de trabalho cooperativo são estruturas de formação que têm como objectivo principal: a formação permanente dos sócios, através da avaliação e planificação das práticas de intervenção escolar (função técnico-pedagógica); a construção e partilha de instrumentos de trabalho pedagógico (função instrumental), e o aprofundamento teórico das práticas e partilha de documentos de investigação (in www.movimentoescolamoderna.pt).

Segundo Niza e Formosinho (2009) o Movimento da Escola Moderna radica “num sistema ecológico de formação em rede: um ambiente formador auto-sustentado, gerado por uma dinâmica interactiva e cooperante que promove a socioconstrução das aprendizagens da profissão e da cidadania” (p.362), sustentado na concetualização de Bonfenbrenner (1996). Os circuitos de comunicação entre os pares são fundamentais para partilhar a experiência, para produzir novo conhecimento e desenvolvimento. Como refere Niza, no MEM, “estruturamos o trabalho de maneira cooperativa. E motivamo-nos e avançamos no conhecimento, comunicando. Se aquilo é um bem comum, nós temos de pôr em comum todo esse bem comum” (in entrevista realizada por Peças, 2006, p.23).

É nesta perspetiva que se estruturam as estratégias formativas31, corporizadas em três processos fundamentais:

31 Para um maior aprofundamento sobre a organização e modalidades de formação do MEM. Ver Niza (1997) e

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i) Do processo de produção para a compreensão – constitui-se como um momento de reflexão pós implementação do modelo pedagógico que leva à tomada de consciência e promove a compreensão mais profunda do modelo;

ii) Da intervenção para a comunicação – a comunicação do experienciado permite a regulação dos avanços e dos recuos do trabalho realizado em socialização cooperada.

iii) Da experiência pessoal para a teorização – as necessidades de aperfeiçoamento, aprofundamento, clarificação e fundamentação dão um novo rosto à teoria, numa interação dialética como ação que se desenvolve e se pensa, quotidianamente (Niza, 1997).

Nestas estruturas de formação desenvolve-se o trabalho de projeto, onde se gera o modelo pedagógico32, a partir dos processos crítico-reflexivos continuados. A participação

ativa nesta construção coletiva permite aos educadores/professores aperceberem-se, gradualmente do real sentido e significado que as suas práticas e a sua participação vão tomando.

O Movimento da Escola Moderna constitui-se como uma associação que se tem reconstruído permanentemente. O diálogo com as fontes de sustentação e a reflexão conjunta sobre as práticas pedagógicas têm estimulado o desenvolvimento profissional dos educadores/professores. A procura conjunta de um determinado profissionalismo docente que assenta numa ideia de reconstrucionismo constante e progressivo, corporiza-se na identidade profissional que os memistas assumem e que procura responder às exigências que se colocam à profissão docente.

32O Modelo do MEM para a Educação pré-escolar desenvolve uma ação socioconstrutivista sustentada nas conceções de

Vygotsky e de Bruner, valorizando uma perspetiva de desenvolvimento das aprendizagens através de uma interação sócio centrada, radicada na herança sociocultural a redescobrir com o apoio dos pares e dos adultos (Niza, 2007). Para um maior aprofundamento ver Niza (2007) e Folque (2008).

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