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Estratégia de investigação: o estudo de caso qualitativo

Capítulo III – METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

1. Estratégia de investigação: o estudo de caso qualitativo

Na perspetiva de Rodriguez Gómez, Gil Flores e García Jiménez (1999) a complexidade de um estudo qualitativo torna difícil predizer com grande precisão o vai acontecer, por isso, a característica fundamental do desenho qualitativo é a sua

flexibilidade, a sua capacidade de se adaptar, em cada momento e circunstância, em

função da realidade que se está a investigar. Os autores, citando Janesick (1994), referem que nos estudos de natureza qualitativa importa considerar a sua visão ampla e, portanto, o seu caráter holístico, centrado nas relações dentro de um sistema ou cultura, para apreender a sua complexidade i

Os estudos de caso têm sido uma estratégia muito utilizada na investigação qualitativa, observando-se, nas últimas décadas, um forte incremento nas linhas de

121 pesquisa em educação, mais concretamente em educação de infância. Podemos encontrar diferentes estudos de caso que se situam em abordagens etnográficas que procuram compreender as relações que se estabelecem entre as educadoras e as crianças, tal como se apresenta no estudo de Vasconcelos (1997) ou sobre um modelo pedagógico concreto, tal como foi narrado e interpretado por Folque (2008). Outros estudos procuram compreender os processos inerentes ao mesmo fenómeno em diferentes contextos (estudo de caso multicontexto) como se destaca na investigação de Novo (2009) e que teve como foco investigacional a aprendizagem das interações adulto- criança durante o estágio pedagógico. Têm-se desenvolvido também estudos de caso no âmbito da investigação-ação, procurando apreender os processos de transformação que emergem da formação em contexto e que potenciam o desenvolvimento profissional das educadoras, como se salienta nos estudos de Pascal e Bertram (2000), Parente (2004), Craveiro (2006), Taylor (2007), Oliveira-Formosinho (2009d) e MacNaugton (2005).

Como se observa pela diversidade de exemplos o caso pode ser estudado a partir de diferentes linha metodológicas: analítica, holística, organizacional cultural ou utilizando métodos mistos. Como salienta Stake (2005) “o estudo de caso não é uma escolha metodológica mas uma escolha do que deve ser estudado” (p.443). Para Yin (2005) os estudos de caso representam uma boa estratégia quando se colocam questões do tipo

como e porquê e quando o foco investigacional se centra em fenómenos

contemporâneos inseridos em contextos da vida real, emergindo do desejo de compreensão dos fenómenos sociais complexos. Outros autores como MacDonald e Walker (1977, citados por Rodriguez Gómez, Gil Flores & García Jiménez, 1999) definem estudo de caso como “um estudo em acção” (p.92), fazendo emergir o caráter real, contextual e vivencial desta estratégia.

Diferentes autores (Rodriguez Gómez, Gil Flores & García Jiménez, 1999; Yin, 2005; Stake 2005, 2007; Oliveira-Formosinho, 2002c) consideram que pode configurar

um caso uma criança, um professor, um grupo de crianças, uma comunidade, um projeto

desde que possua um limite físico e social que lhe confira identidade (Rodriguez Gómez, Gil Flores & García Jiménez, 1999). Esta estratégia de investigação implica o estudo intensivo e pormenorizado dessa entidade que se designa de caso. Neste sentido, o caso é uma realidade específica, complexa e em funcionamento (Stake, 2005; 2007).

A diversidade de estudos de caso existente, tendo em conta a intencionalidade assumida pelo investigador, levou alguns autores a identificar diferentes tipologias. Segundo Stake (2005, 2007) existem três tipos de estudos de caso, o intrínseco, o instrumental e o coletivo. O autor considera que quando um investigador revela interesse por um caso, sobretudo porque precisa de apreender as suas particularidades, manifesta

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um interesse intrínseco no caso. Por outro lado, revelará um interesse instrumental quando a partir de uma necessidade de compreensão mais global de um fenómeno ou cultura sentir que pode alcançar um conhecimento mais profundo se estudar um caso particular. Mas, se na mesma situação considerar que o aprofundamento do conhecimento resulta melhor do estudo de vários casos, então, o trabalho que desenvolve, enquadra-se no tipo estudos multicaso ou coletivos.

A concetualização de Yin (2005) propõe uma divisão em caso único e casos múltiplos, que podem assumir vertentes globais ou inclusivas. Deste encontro resultam quatro tipos de estudos de caso: i) caso único global (com unidades de análise simples); ii) caso único inclusivo (com unidades de análise múltiplas); iii) caso múltiplo global (com unidades de análise simples); e, iv) caso múltiplo inclusivo (com unidades de análise múltiplas). O autor considera que tendo em conta os objetivos os tipos de caso enunciados podem enquadrar-se em estudos exploratórios (definindo uma questão e hipóteses para um estudo posterior); descritivos (realizando uma descrição completa do fenómeno dentro do contexto) ou explicativos (apresentando dados que traduzem relações de causa-efeito).

Os estudos de caso, na perspetiva de Rodriguez Gómez, Gil Flores e García Jiménez, (1999), podem, ainda, ser agrupados a partir da consideração de três critérios fundamentais: a quantidade de casos objetos de estudo (caso único ou casos múltiplo); a unidade de análise (global, inclusivo); e, os objetivos da investigação (exploratório, descritivo, explicativo, transformador, avaliativo).

Esta análise deter-se-á, neste momento, nas características do estudo de caso único, por ser aquele que corporiza esta investigação. Para Yin (2005) a utilização de um estudo de caso único é adequada em várias circunstâncias e justifica-se por cinco razões. Uma primeira razão centra-se no facto de o caso representar o teste decisivo a uma teoria significativa. Neste sentido o caso único apresenta um caráter crítico, uma vez que permite confirmar, mudar ou ampliar o conhecimento sobre o objeto em estudo. Nesta perspetiva o caso único configura-se como um importante contributo ao conhecimento e à construção teórica. Uma segunda razão justifica-se nos casos extremos ou raros. As particularidades únicas, irrepetíveis e peculiares dos sujeitos que intervêm no contexto educativo dão sentido a este tipo de desenho investigativo, mais ainda se ocorrerem em circunstâncias que o tornam mais extremo (Rodriguez Gómez, Gil Flores & García Jiménez, 1999). Em terceiro lugar a utilização do estudo de caso único justifica-se por ser um caso típico ou representativo. Nesta perspetiva o objetivo é capturar as circunstâncias e as condições de uma determinada situação. Outra razão prende-se com o facto de o estudo de caso poder conduzir o investigador à observação e

123 análise de fenómenos anteriormente inacessíveis, do qual emerge o seu caráter revelador. Uma última razão que fundamenta a utilização do estudo de caso único relaciona-se com a possibilidade de uma utilização longitudinal, permitindo a análise do caso em momentos diferenciados espaçados no tempo. Este tipo de desenho permite analisar as mudanças que foram efetuadas ao longo do tempo.

Nesta linha de análise pode considerar-se que o estudo de caso se baseia numa análise indutiva. A descoberta das particularidades da realidade em estudo surge a partir da análise minuciosa dos dados. O que caracteriza o estudo de caso é a descoberta de novas relações e conceitos, mais do que a verificação e comprovação de hipóteses previamente estabelecidas. Tal como salienta Stake (2005), o estudo de caso privilegia a compreensão intencional das complexas interrelações que se estabelecem na realidade. Esta estratégia investigativa adquire credibilidade pela exaustiva triangulação das descrições e interpretações que decorrem não apenas numa única etapa, mas que se realizam continuamente ao longo do período de estudo. Ao concentrar-se no conhecimento experiencial presta atenção às influências dos contextos sociais e políticos onde se desenvolvem os fenómenos ou se inserem os contextos. Para a profunda compreensão do caso requer-se uma atenção minuciosa às suas atividades tendo em consideração a variedade de instrumentos de recolha de dados que permitam aceder aos seus diferentes ângulos. Pretende-se, como se referiu, aceder ao peculiar, ao subjetivo e ao idiossincrático, revelando-se, por tal, como uma “oportunidade de aprender” sobre uma realidade concreta (Stake, 2005, p.451).

De acordo com Flyvbjerg (2006b) a experiência dos estudos de caso e a riqueza dos seus detalhes, resulta importante para os investigadores por duas razões. Em primeiro lugar, porque estudar um caso possibilita a criação de uma visão matizada de realidade, incluindo a visão de que o comportamento humano não pode ser significativamente compreendido simplesmente a partir de um conjunto de atos guiados por regras que se encontram ao nível dos processos mais básicos de aprendizagem e em demasiada teoria. Em segundo, o caso é importante para o próprio processo de aprendizagem do investigador que desenvolve competências necessárias à realização de uma boa investigação. As experiências concretas podem ser melhoradas continuadamente pela proximidade do investigador com a realidade em construção, através da devolução dos dados e interpretação coletiva da realidade.

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