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A formação em contexto na perspetiva da Associação Criança

Capítulo I – FORMAÇÃO EM CONTEXTO NO DESENVOLVIMENTO

4. A formação em contexto, a construção de comunidades de aprendizagem e

4.1. A formação em contexto na perspetiva da Associação Criança

Concetualizar a perspetiva de formação em contexto no seio da Associação Criança implica contextualizar o seu percurso de construção e, por isso, clarificar o papel do Projeto Infância nesse processo.

O Projeto Infância iniciou-se no ano letivo 1991/92 por uma equipa do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, coordenado por Júlia Oliveira- Formosinho, tendo como principal finalidade “a identificação e a contextualização no terreno de perspetivas pedagógicas construtivistas para a educação de infância, de modo a melhorar a educação e os cuidados oferecidos às crianças e respetivas famílias” (Oliveira-Formosinho, 2007a, p.45). O Projeto assumia três vertentes principais: a investigação, a formação e a intervenção no terreno, através das quais se reconhecia o compromisso social de oferecer educação de qualidade.

Como salienta a autora, no projeto considerava-se a formação das educadoras como um dos objetivos centrais numa perspetiva de “educação durante todo o ciclo de vida” (p.45). Intervinham diretamente na formação inicial de educadores de infância, através do modelo ecológico de supervisão (Oliveira-Formosinho, 1998, 2002a, 2002b; Vieira, 2010), na formação especializada em pedagogia da infância e supervisão de profissionais que frequentaram os Cursos de Estudos Superiores Especializados [CESE] (Lino, 2005) e na formação pós-graduada, no âmbito do mestrado.

A intervenção do terreno incluía várias dimensões que contribuíam para a reconstrução do significado da educação de infância: as dimensões pedagógicas, a dimensão da educação sociomoral e, para a cidadania, a dimensão da educação multicultural, a dimensão do envolvimento parental, no quadro de um processo mais geral de desenvolvimento profissional. Este projeto assumia como meio de concretização dos seus objetivos a criação de parcerias com a comunidade profissional, estabelecendo o diálogo entre os profissionais do terreno e os académicos numa troca de benefícios mútua (Oliveira-Formosinho, 2007a).

Tendo em conta os resultados das investigações e o amadurecimento dos processos de formação/intervenção, o projeto passou a incorporar novas significações ao nível da formação contínua que acentuam claramente a formação centrada na escola e a supervisão centrada nas práticas e no terreno. Foi sobretudo o Projeto Effective Early Learning [EEL] (Pascal & Bertram, 1999) que tomou, em Portugal, a designação Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias26, que melhor afirmou a formação em contexto,

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O Projeto DQP foi contextualizado inicialmente (1996) no âmbito do Projeto Infância e, posteriormente (1998), assumido pelo Departamento de Educação Básica, como um projeto de extensão nacional. Como o Projeto Desenvolvendo a

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tendo em conta diferentes dimensões da qualidade. Este projeto opera numa estratégia colaborativa e democrática, envolvendo toda a comunidade educativa (profissionais, instituições, pais, crianças, autarquias e os conselheiros do EEL/DQP).

Saliente-se que o Projeto Infância sofreu ainda algumas reconfigurações tendo em conta os enquadramentos legais e contextuais observados, fazendo deslocar boa parte da formação em contexto e intervenção no terreno para o seio da Associação Criança 27 (Oliveira-Formosinho, 2007a) que se constitui como “uma associação de profissionais de desenvolvimento humano – professores, educadores de infância, formadores, psicólogos, investigadores – tendo como missão promover programas de intervenção para a melhoria da educação das crianças pequenas nos seus contextos organizacionais e comunitários” (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001, p.28).

Esta Associação parte de uma visão de sociedade sustentada nos princípios da liberdade individual e da justiça social, concedendo à educação um importante papel no desenvolvimento de um sistema social mais livre, justo e equitativo28. Os seus fundadores, reconhecendo o valor formativo da infância, assumem-no como responsabilidade social e coletiva, o que significa fazer da educação de infância a primeira etapa da educação em cidadania. Decorre, daqui, a importância de promover apoio sustentado ao desenvolvimento dos profissionais e das organizações onde se inserem, tendo em conta o desenvolvimento e aprendizagem das crianças e das suas famílias (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2002). Assim a ação da Associação Criança traduz-se

no apoio à construção de contextos educativos humanizantes que desempenhem um papel importante na construção da cidadania emergente das crianças, bem como na promoção da interligação entre os diversos contextos de vida das crianças. Elegem-se os professores como elemento estruturante dessa construção e interligação; assim a promoção do desenvolvimento profissional desses professores é o instrumento principal da missão, articulada com o desenvolvimento organizacional dos seus contextos de trabalho (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2002, p.5).

Como advoga Oliveira-Formosinho (2002a) o desenvolvimento profissional das educadoras de infância é uma caminhada que envolve crescer, ser, sentir e agir em contexto, pelo que se assume o desenvolvimento profissional na perspetiva da mudança ecológica. Assumindo a perspetiva de Bronfenbrenner (1996) a autora refere que a

Qualidade em Parcerias se constitui como um dos referenciais metodológicos, deste estudo, abordaremos, de forma mais detalhada, os seus propósitos no Capítulo III.

27 CRIANÇA é a sigla de Criando Infância Autónoma numa Comunidade Aberta (in Oliveira-Formosinho & Formosinho,

2001).

55 ecologia do desenvolvimento profissional envolve o estudo do processo de interação mútua e progressiva entre a educadora ativa e em crescimento e o ambiente em transformação em que ela está inserida, sendo esse processo influenciado pelas interrelações, tanto entre os contextos mais imediatos, quanto entre estes e os contextos mais vastos onde a educadora interage. É um processo de desenvolvimento profissional que visa a qualidade em educação de infância.

A perspetiva de qualidade, assumida pela Associação Criança, enquadra-se na concetualização implícita nos trabalhos de Balaguer, Mestres e Penn (1992), Williams (1995), Pascal, Bertram e Ramsden (1994), anteriormente referenciados. Conforme refere Oliveira-Formosinho (2001) é a imagem da criança pequena competente que está inscrita na missão da Associação. A potenciação dessa competência é o seu foco de acção e a “procura da qualidade nos contextos de educação de crianças, apoiados pela Associação é a concretização desta missão” (p.166).

Assim, a Associação Criança, increve a sua acção num paradigma que designa por contextual, tendo em conta a construção, desenvolvimento e medida da qualidade. Para melhor clarificar esta concetualização, Oliveira-Formosinho e Araújo (2004a) apresentam um esquema comparativo entre o paradigma tradicional e o paradigma contextual.

Quadro 1. Paradigmas de análise da qualidade em educação

Paradigma 1 – Tradicional Paradigma 2 - Contextual

- Externo

- Orientado para o produto - Não colaborativo - Estático - Universal - Comparativo - Orientado para as generalizações

- Interno (em diálogo)

- Orientado para os contextos, os processos e os produtos

- Colaborativo - Dinâmico - Contextual

- Permitindo o cruzamento de perspetivas - Orientado para verdades singulares que podem emigrar para outros lugares sócio cognitivos

Oliveira-Formosinho e Araújo (2004a, p.84) A partir da leitura do quadro 1 percebe-se que o paradigma tradicional aponta para o processo de avaliação e desenvolvimento da qualidade, tendo em conta os produtos, sendo externos e previamente determinados, assumidos como saberes estáveis, essenciais, e como tal universais. Permite comparações e generalizações e não assenta em modos de fazer colaborativos. Já o paradigma contextual centra-se em processos e produtos, reconhecendo-os como contextuais. Todo o processo se desenvolve colaborativamente e é assumido pelos diferentes atores de forma dinâmica, cruzando distintas perspetivas, tendo em vista a mudança e aceitando as verdades singulares

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Formação(em(Contexto

aqui(e(agora (locus espacial( e(temporal(na( instituição) seu(

quotidiano pedagogia(situada

tomada(de( consciência( crítica pedagogia( reflexiva compreende(a(sua(

identidade(actual conscientizaçãopedagogia(da( desenvolve( colaborativamente( propósitos(e( focagens pedagogia(da( transformação criar(espaços(tempos( para(a(transformação( (processos) pedagogia(da( lentidão lê(os(problemas(que( desafiam(e(responde@ lhes pedagogia( responsiva alcança(realizações pedagogia(viva

abertura escuta suspensão encontro(s)

Júlia*Formosinho,* 200342009

como úteis ao desenvolvimento contextual e dos intervenientes no processo (Oliveira- Formosinho & Araújo, 2004a).

Segundo Oliveira-Formosinho (2007c) são os processos que colocam em diálogo a formação em contexto e a pedagogia de infância que permitem passar de um modo transmissivo para um modo de construção. Neste âmbito a autora (Oliveira-Formosinho, 2003, 2009) propõe-nos um quadro clarificador das linhas conceptuais de formação em contexto assumida pela Associação Criança (vide Figura 1) que permite compreender a formação e como o processo se desenvolve.

Figura 1. Esquema concetual da formação em contexto da Associação Criança

(Oliveira-Formosinho, 2003, 2009) A formação em contexto, na perspetiva da Associação Criança, parte das narrativas de cada educador que apresentam os sinais dos seus contextos vivenciais, das suas crenças e valores, vertidos nas ações que desenvolvem. É nos contextos, na interação

57 com os pares e com a cultura da organização que formam os seus sentidos, os seus olhares, as suas significações e as suas práticas. A partir desta perspetiva a Associação Criança considera que “os processos de interação mútua entre o professor, encarado como ativo, o ambiente, encarado como dinâmico, requerem uma concetualização ecológica do ambiente em que decorrem as práticas docentes e as práticas de formação” (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001, p.39). Neste propósito a associação assume- se como um duplo sistema: “como um microssistema que fomenta as articulações mesossistémicas” (p.40), ao promover interações entre as salas de atividades, as diferentes valências, as famílias e a comunidade, e um mesossistema uma vez que é o contexto onde se realizam as interações entre as educadoras, de uma ou de diferentes instituições, e os formadores/investigadores. Como referem Oliveira-Formosinho e Formosinho (2001) “a Associação Criança desempenha um papel mesossistémico ao criar redes afinitárias e ao fomentar as interações mesossistémicas dentro dos contextos organizacionais e comunitários em que se inserem as salas apoiadas” (p.40).

O processo formativo da Associação Criança incorpora a análise contextual e vivencial em diálogo que interpela à reflexividade. Afirma-se, por isso, como uma pedagogia situada, no aqui e agora da instituição, como locus espacial e temporal, onde se realiza uma vivência quotidiana feita das significações particulares dos seus atores. Constitui-se, assim, como um processo que aceita a pluralidade vocal, interpela os educadores a partir das suas conceções e crenças, procurando fazer da dissonância um acorde possível e necessário. Uma voz plural, centrada nas pedagogias da infância, que convidam a uma caminhada conjunta para construir significações partilhadas.

Desafiados a olhar a sua própria situação, os educadores, realizam uma espécie de imersão nas suas formas de pensar e de agir, procurando apreender as suas significações. Neste sentido, ao tornarem conscientes as suas crenças, os seus valores e as suas práticas, descrevendo-os e analisando-os, descobrem a realidade, não significando isso, contudo, num primeiro momento, um compromisso com a sua transformação.

Nesse balanço dialógico e reflexivo os educadores vão compreendendo a sua identidade, tornando consciente a suas fragilidades e virtualidades, bem como a necessidade de reconstruir os modos de ação, numa pedagogia da conscientização que, como sugere Paulo Freire (1981a),

se autentica nesta ida e volta que é, em última análise, a unidade dialética entre prática e teoria, em que aprendemos que a verdadeira paciência não se identifica, jamais, com a espera na pura espera. A verdadeira paciência, associada sempre à autêntica esperança, caracteriza a atitude dos que sabem

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que, para fazer o impossível, é preciso torná-lo possível. E a melhor maneira de tornar o impossível possível é realizar o possível de hoje (p.49).

Será a reconstrução com sentido, interpelada pelo diálogo com a pedagogia da infância, que motiva os educadores a procurar dispositivos transformadores, a criar sinergias com os investigadores, as famílias e a comunidade para impulsionarem a mudança. Tal como afirmam Oliveira-Formosinho, Azevedo e Mateus-Araújo (2009) “transformar o mundo da pedagogia da infância requer o suporte da reflexão que permite a fusão do fazer e do pensar” (p.83), incorporando, por isso, na sua filosofia de ação uma

pedagogia reflexiva, uma vez que

para que o diálogo seja o selo do ato de um verdadeiro conhecimento é preciso que os sujeitos cognoscentes tentem apreender a realidade cientificamente no sentido de descobrir a razão de ser da mesma – o que a faz ser como está sendo (Freire, 1981a, p.45).

A formação em contexto, na Associação Criança, desenvolve-se, por isso, numa ação colaborativa que permite experimentar o lado transformador do risco e da angústia pela penetração no desconhecido, no incerto, como uma força mobilizadora, focalizada em propósitos partilhados. Integra uma concetualização que coloca os educadores, por um lado, como sujeitos de investigação e, por outro, como participantes de um processo cooperado (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2008), sustentado num processo de mediação pedagógica que

retira a aprendizagem profissional do isolamento de um desenvolvimento profissional solitário, promovendo, antes, um desenvolvimento profissional cooperado. Aprender na companhia dos pares e de formadores, partilhando um património pedagógico disponível, sustenta a participação de profissionais e crianças no desenvolvimento de uma Pedagogia-em-Participação (Oliveira- Formosinho, Azevedo & Mateus-Araújo, 2009, p.83).

Nesta perspetiva, em comunidade, desenvolvem-se processos de aceitação e respeito, constroem-se aprendizagens com significado, numa praxiologia que coloca em diálogo a formação, a investigação e a ação. Consubstancia-se num processo que implica abertura mental, uma espécie de disponibilidade para construir conhecimentos e valores a partir de múltiplas perspetivas, sem perda do empenhamento nos valores pessoais. Como sugere Bruner (1977) “a abertura mental é a pedra de toque do que se chama cultura democrática (p.37) e a democracia é “uma forma de vida associativa, uma experiência humana construída em conjunto” (Dewey, 2005, p.35) que favorece o desenvolvimento de profissionais comprometidos com a transformação (Freire, 1979).

A filosofia de formação da Associação Criança assenta, pois, numa pedagogia que

59 gramáticas pedagógicas socioconstrutivistas, a partir das quais se projetam possibilidades de mudança e transformação.

Contudo, a Associação Criança perspetiva a transformação como um processo lento que implica a criação de espaços e de tempos próprios para construir sentidos. Tempos e espaços para refletir, suspender e significar. Tempo para observar, realizar, problematizar. Edifica-se, assim, numa pedagogia da lentidão, que aceita as caminhadas e os processos de reconstrução de cada educador, escutando-os e desvelando processos que estimulam a sua jornada de aprendizagem. Mas configura-se numa

pedagogia responsiva que intencionaliza a reconstrução da práxis para responder aos

problemas levantados. E, como alcança realizações, mas não se esgota na conformidade do realizado, constitui-se como pedagogia viva que se pensa, reconstrói e reafirma continuadamente.