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A apropriação das tecnologias pelos cidadãos e pelo poder

CAPÍTULO 2 – OS IMPACTOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

2.7 A apropriação das tecnologias pelos cidadãos e pelo poder

A propósito do envolvimento dos movimentos cívicos no processo democrático no seio das sociedades, VIDIGAL (2007) referia que "a democracia, seja ela exercida ou não com recurso a instrumentos tecnológicos, centra-se na capacitação/ informação do cidadão (empowerment) e no empenho/comprometimento na participação ativa no exercício do poder (engagement), de forma equitativa, representativa e tendencialmente universal" (VIDIGAL, 2007), porém, a forma de fazer política sofreu alterações, com os políticos e as instituições a aproveitarem, mais umas que outras, as novas tecnologias para dialogar com os cidadãos e para melhorarem a transmissão da mensagem política.

Apesar de ser referenciada, em diferentes momentos deste trabalho, a convicção de vários autores de que os cidadãos votam cada vez menos e manifestam um desinteresse crescente pela vida política, convive-se num contexto social em que as interação entre políticos e eleitores se aproximou virtualmente, muito em função do papel que as redes sociais assumiram.

Se as sociedades estão numa encruzilhada para a construção de um ambiente de confiança, a que corresponderia uma divisão de responsabilidades para uma política de melhor qualidade na tomada de decisão, tal realidade não poderá ser assumida no imediato como uma realidade ‘palpável’ e alguns autores como MACINTOSH & SMITH (2002) defendem um incremento no processo participativo

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aproveitando o potencial de diversas técnicas comunicativas. Estaria assim definido um processo de participação popular, via Internet, fornecendo informações relevantes em formato acessível e compreensível, o que permitiria uma consulta mais informal, onde a interação com o público possibilitaria uma consulta mais profunda para o suporte deliberativo, decorrente da análise das contribuições dadas no sentido do apoio aos decisores políticos, melhorando as políticas e o fornecimento de informações e feedback aos cidadãos, garantindo a abertura e a transparência no processo da decisão política (MACINTOSH & SMITH 2002). Assistiu-se na última década a um desenvolvimento transversal das TIC nas sociedades, configurando um processo de penetração de forma profunda na generalidade das organizações e junto dos indivíduos, a que correspondeu, em razão desse processo de difusão, uma influência sensível e crescente na sua apropriação nomeadamente social e cultural. Paralelamente, verificou-se um claro incremento no recurso a essas tecnologias em várias áreas de intervenção do Estado ao nível das políticas públicas no âmbito da SI, processo que viria mais tarde a sofrer em Portugal um claro desinvestimento, coincidente com o processo de assistência financeira a que o país se sujeitou nos últimos anos.

O conceito da democracia representativa, que não é mais do que o exercício do poder político, não diretamente pelo povo, mas através de representantes eleitos, decorre como refere COELHO (2012) de um mandato para atuar em seu nome e por sua autoridade, isto é, legitimado pela soberania popular. Um princípio do governo do povo, para o povo e pelo povo, segundo a forma clássica dos federalistas norte-americanos, acrescentando este autor, que nas constituições modernas desde há muito se encontra consagrado o princípio da representatividade democrática, através da existência de órgãos representativos, decorrentes de eleições periódicas, do pluralismo partidário e da separação de poderes. “em causa (refere o autor) está a necessidade da eficiência, eficácia e racionalidade do princípio democrático, normalmente temperada com elementos próprios do princípio da participação política. Recolhida a opinião dos cidadãos através de amplas formas participativas, a vontade da coletividade é expressa e exteriorizada pelos representantes eleitos e constitucionalmente legitimados”

(COELHO, 2012).

Trata-se, porém, de um conceito alvo de ataques pontuais, nomeadamente quanto à pureza dos seus ideais, pois, referências como as de PINTO (2012) na blogosfera100, sob o título ‘As limitações da Democracia representativa’, repercutem uma ideia controversa desses princípios, traduzidos na conceção de que com o tempo a democracia representativa, nomeadamente a que resulta de eleições em listas partidárias fechadas, gera mandatos incondicionados como princípio

100 Disponível em http://politeiablogspotcom.blogspot.pt/2012/02/as-limitacoes-da-democracia.html

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incontestável, deixando de haver durante a sua vigência qualquer possibilidade de controlo dos eleitos, salvo o que resulta da pressão da opinião pública, referindo textualmente que “cada vez mais ferreamente condicionada e manipulada pelo

poder, do establishment, que tudo faz para que a opinião pública tenda a coincidir com a opinião publicada, sendo esta altamente limitada e controlada pelos detentores dos órgãos de informação” (PINTO, 2012).

Se os tratados comunitários consagram a representação dos cidadãos europeus nas várias instituições comunitárias, quer diretamente no Parlamento Europeu e indiretamente através dos seus governos no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros, já o projeto de Constituição Europeia101, referia no nº 3 do artigo 45º, que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União. As decisões são tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível” para no seu artigo 46º102, incluir uma referência expressa à democracia representativa no que não seria mais do que um reforço formal de uma realidade substancial aparentemente já existente, como no novo artigo 10º do Tratado da União Europeia (TUE)103, se reafirmava o princípio democrático da representação, referindo-se textualmente que o “funcionamento da União se baseia na democracia representativa”, o que em tempos de graves crises económicas e sociais instaladas

no espaço europeu, poderia conduzir os cidadãos a questionar governos, políticas e modelos de governação.

Atentando-se na perspetiva empírica de WARREN (2009) os governos estão em défice democrático quando os seus cidadãos passam a acreditar no poder que não consegue utilizar as suas oportunidades de participação e recursos, para atingir a necessária capacidade de resposta, enquanto do ponto de vista funcional, os governos estão em défice democrático quando são incapazes de gerar a legitimidade de raiz democrática de que precisam para governar. Para este autor, défice como conceito deverá ser entendido no caso como “um desalinhamento entre as capacidades dos cidadãos e as suas exigências e o nível de resposta das instituições políticas às questões dos cidadãos, num processo de governação legítimo e eficaz” (WARREN, 2009).

101 Após ratificação da Constituição Europeia pelo parlamento da Eslovénia e da Grécia e da aprovação da

Constituição através do referendo na Espanha, no dia 29 de maio de 2005 os eleitores do referendo na França apoiaram a não ratificação do texto da Constituição Europeia. Logo após, no dia 1 de Junho de 2005 os Países Baixos também optaram por não ratificar a Constituição Europeia, provocando uma crise [1] e uma reavaliação do processo de ratificação de tratados através de referendos que iria culminar com a adopção do Tratado de Lisboa (2007), que substituiu a falhada Constituição (Hardman, 2006).

102 Transcrição disponível em http://www.ieei.pt/publicacoes/artigo.php?artigo=467 (Consultado em 2012-08-

01)

103Disponível em http://www.esquerda.net/opiniao/comiss%C3%A3o-europeia-emitir%C3%A1-um-parecer

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