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O futuro das redes num contexto globalizado

CAPÍTULO 3 – AS REDES SOCIAIS NO ÂMBITO DA E-PARTICIPAÇÃO

3.5 O futuro das redes num contexto globalizado

Em fevereiro de 2004, Castells, numa conferência na Gulbenkian,171 em Lisboa, fez o elogio do modelo de desenvolvimento finlandês, falando de um país deprimido e sem perspetivas de futuro que se renovara através das TIC, embora o aspeto essencial do discurso assentasse numa comparação entre o país dos 1000 lagos e o californiano Silicon Valley fazendo referência a que a Finlândia conseguia a eficácia de Silicon Valley, preservando o modelo social europeu.

Em tempos de muita instabilidade económica e social, referenciados em inúmeros fóruns como tempos de crise efetiva e com consequências imprevisíveis, inclusive ao nível do desenvolvimento social no espaço europeu, diz a memória recente que o acesso democrático às tecnologias registou um elevado impacto, nomeadamente nos anos noventa, quer nos locais de trabalho ou nos domicílios. Uma acessibilidade que começa a estar posta em causa, com as famílias a verem os seus orçamentos reduzidos para níveis de todo preocupantes. Sendo óbvio que pobreza e iliteracia percorrem, regra geral, um caminho comum, nomeadamente nas sociedades menos desenvolvidas, o fenómeno dos novos pobres e o alastrar de uma disparidade de rendimentos e oportunidades que se verificam no tecido social, tendem a travar qualquer boom positivo de democratização das TIC, ao mesmo tempo que o poder político, também a braços com questões de idêntico teor e bramando austeridade, corta nos investimentos em tecnologias e em projetos dirigidos à disseminação da aplicação prática dos benefícios decorrentes das sociedades da informação e do conhecimento.

Nas sociedades modernas e como resultado aparente da influência de um processo de globalização com recurso às ferramentas da Internet, verificam-se, nomeadamente através de conteúdos disponíveis nas redes sociais e como já foi referido, manifestações que revelam a participação ativa dos cidadãos, individualmente, ou sob a forma de grupos de interesses, no sentido de um processo (ainda que indireto) de interação entre o poder político e os cidadãos. A essa constatação não poderia ser indiferente este estudo, ponderando o elevadíssimo potencial inerente ao uso da Internet e das comunicações móveis, por exemplo, num contexto de défice participativo dos cidadãos na resolução dos

170 Disponível em http://www.marktest.com/wap/a/n/id~1a32.aspx (Consultado em 20-10-2012) 171 In artigo publicado na edição online do jornal Diário de Notícias e disponível no url

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desafios públicos, e aparentando assumirem as redes sociais as despesas do debate público na rede, na linha do pensamento de CASTELLS (1999) ao referir que "da evolução das tecnologias, nos últimos anos emergiram e encontram-se em permanente processo evolutivo, conceitos extraídos da Web 2.0, onde os processos de interação e nomeadamente as redes sociais, são algumas das referências e faces dessa evolução" (CASTELLS, 1999).

Se forem levados em conta fatores de ordem social, no que respeita aos níveis de literacia política e que poderão condicionar o desenvolvimento de um pensamento crítico, singular ou coletivo, aliado à falta de tradição em contexto participativo, ainda que tecnologicamente mediado, constata-se nas conclusões do 1º Congresso Nacional sobre Literacia, Media e Cidadania, que decorreu em 2011, na Universidade do Minho, em Braga, que se torna urgente tomar medidas com vista a inscrever a literacia para os media nas prioridades da agenda pública, fazendo um apelo à iniciativa das organizações da sociedade civil, das instituições educativas, dos media e dos decisores políticos, “cientes de que os tempos que

vivemos são favoráveis à busca de caminhos inovadores para o futuro coletivo".172 Na mesma linha, recorrendo a um estudo de 2008 do Grupo de Trabalho Ad-hoc

da APDSI173 para o Desenvolvimento da Democracia Eletrónica em Portugal, coordenado por Montargil, nele se referia que “o desenvolvimento da democracia eletrónica em Portugal revelava que as tecnologias da informação e comunicação estão a tornar-se num instrumento importante, não só na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, mas também para o reforço da democracia”. Acrescentava este

trabalho que “o grande desafio está em garantir o acesso universal, aumentar a literacia e garantir a confiança para que todos beneficiem deste potencial tecnológico". Ainda segundo o mesmo documento a democracia eletrónica iria muito para além da votação e disponibilização de informação sobre os candidatos através da Internet, tratando-se de uma nova forma de fazer com que o cidadão comum participe em discussões e interações com os poderes políticos, “fazendo

chegar a sua voz, não apenas durante as campanhas eleitorais, mas também nos períodos intercalares e a propósito dos problemas da sua vida quotidiana".

Contextualizando CASTELLS, (2002) com este tema, este referia que "a literacia digital e as e-competências são cruciais na sociedade em rede", elementos indispensáveis na dimensão da ‘literacia mediática’, entendida, segundo a Recomendação da Comissão sobre Literacia Mediática no Ambiente Digital para uma Indústria Audiovisual e de Conteúdos mais Competitiva e uma Sociedade de

172 Fonte disponível em

http://literaciamediatica.pt/congresso/download.php?info=YTozOntzOjU6ImFjY2FvIjtzOjg6ImRvd25sb2FkIjtzO jg6ImZpY2hlaXJvIjtzOjM4OiJtZWRpYS9maWNoZWlyb3Mvb2JqZWN0b19vZmZsaW5lLzI1LnBkZiI7czo2OiJ0 aXR1bG8iO3M6OToiZGVjX2JyYWdhIjt9 (Consultado em 2010-06-20)

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Conhecimento Inclusiva (2009-08-20),174como "a capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de modo crítico os diferentes aspetos dos media e dos seus conteúdos e de criar comunicações em diversos contextos".

A extraordinária capacidade de intervenção das redes sociais, uma área emergente no âmbito dos meios para a participação eletrónica, a par das evoluções tecnológicas, constituem passos no sentido do poder político perceber que da sua utilização poderão decorrer meios de contribuição para as soluções, ao contrário de servirem para agudizar os problemas. Sendo conhecida a elevada capacidade de mobilização que as redes sociais possuem, "na atual dinâmica de globalização, caracterizada por uma compressão do tempo e do espaço" (GIDDENS, 1991), elas revelam "identidades de resistência e identidades de projeto" (CASTELLS, 1999), sendo as identidades de resistência constituídas por atores que precisam de construir formas de resistência e sobrevivência e que, geralmente, lutam por justiça social e por maior igualdade de oportunidades nomeadamente no contexto de uma Europa a ‘diferentes velocidades’, dividida entre países ricos e outros carenciados em recursos naturais e financeiros, evidenciando fragilidades políticas entre os seus pares.

Da leitura de FINGER (1994) retira-se que “se observa uma crescente globalização de agendas de muitos movimentos”, mas também de novas formas de intervenção a partir da incorporação das ferramentas das TIC nesses movimentos, o que possibilita a formação de redes locais, nacionais e transnacionais, multiplicando-se os canais de acesso à informação e podendo mesmo assumir uma perspetiva estratégica (FINGER, 1994), referindo por seu lado SCHERER-WARREN (1993) que "as denominadas redes sociais caracterizam-se pela não centralidade organizacional e não-hierarquização do poder, sendo as relações mais horizontalizadas, complementares e mais abertas ao pluralismo e à diversidade cultural" (SCHERER- WARREN, 1993). Daqui decorre o que COHEN & ARATO (1992) denominavam como "umarevolução no associativismo civil, não só à escala local e nacional, mas planetária" (COHEN & ARATO, 1992), com uma clara tendência para que a criação de organizações no âmbito da sociedade civil reflita uma mobilização em torno de temas que afetam o quotidiano das sociedades, sugerindo um reforço de valores como a colaboração e a solidariedade, ou enquanto instrumentos eficazes para a ação e a experimentação de novas soluções para a resolução de problemas. É o caso da constituição de organizações corporizadas a partir de um conjunto de associações da sociedade civil, que se organizaram fomentando um relacionamento em rede, para se assumirem, independentemente dos partidos políticos e de políticas estabelecidas, como

174 Disponível em

http://eurlex.europa.eu/Notice.do?mode=dbl&lang=pt&ihmlang=pt&lng1=pt,pt&lng2=bg,cs,da,de,el,en,es,et,fi,f r,hu,it,lt,lv,mt,nl,pl,pt,ro,sk,sl,sv,&val=500213:cs&page (Consultado em 2011-05-28)

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parceiros para as mudanças que se mostram necessárias e dando contributos efetivos à sociedade.

Resumo do capítulo 3

Neste capítulo pretendeu-se realçar alguns contextos emblemáticos da presença na rede de personalidades, instituições e movimentos políticos e sociais, não apenas pela relevância que protagonizam e assumem, como pelo grau de influência que exercem sobre as sociedades e na sua escala mais ínfima, sobre o cidadão. Como já era referido no Relatório A Sociedade da Informação em Portugal (2010)175 “no desenvolvimento da Sociedade da Informação, a promoção da igualdade de acesso às TIC e de competências para a sua utilização são fatores cruciais”, de onde se pode inferir que as TIC ao apresentarem-se como possíveis instrumentos para o aprofundamento das democracias contemporâneas, revelam-se ao mesmo tempo como ferramentas potenciadoras de sistemas democráticos mais transparentes e permeáveis ao envolvimento e consequente participação dos cidadãos.

As potencialidades da Web 2.0, em contexto da participação eletrónica, têm proporcionado o desenvolvimento de multifacetadas infraestruturas de informação em suporte digital, nas quais a lógica da ação coletiva é cada vez mais heterogénea e plural, muito em função das interdependências na rede. Lida-se assim a cada momento no ciberespaço com complexas interações em redes acessíveis a utilizadores pouco experientes, especialistas, grupos de interesses e com a própria indústria de infraestruturas digitais, num cenário conducente a novos desafios na esfera da participação eletrónica com menor ou maior carga motivacional, seja ela de raiz social, política ou de mera intervenção de cariz lúdico, em ambiente de esfera pública.

Perante este quadro, é a própria dimensão social à escala global que se altera, com o cidadão a dispor de ferramentas de extrema eficácia no processo infocomunicacional e os governos a disporem, de igual forma, de novas oportunidades de aproximação à cidadania de base, num processo de reciprocidade que decorre no ciberespaço, possibilitando uma maior participação democrática na organização das sociedades contemporâneas.

O desenvolvimento das TIC, a par do seu processo de massificação, tem sustentado um importante e interessante debate sobre a participação cívica nas sociedades democráticas, em função das suas intrínsecas e aparentemente

175 A Sociedade da Informação em Portugal 2010 – Edição- UMIC - Agência para a Sociedade do

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inesgotáveis capacidades de intervenção de base tecnológica transpostas para processos sociais e políticos, numa escalada interativa à escala global e não encontrando paralelo em termos de potencialidades nos velhos media.

É neste cenário global que as redes sociais passaram a assumir protagonismo e relevância extraordinárias, quase um ícone dos tempos modernos quanto à afirmação social dos protagonistas, num processo transversal às sociedades e marcadamente afirmativo, enquanto veículo agregador de tendências e anseios sociais. E se a componente lúdica assume nesse contexto relevância assinalável, igualmente a sua utilização em sede institucional reúne consensos e vontades no sentido da difusão da mensagem à escala global, qual veículo transmissor de oportunidades políticas a que poucos se permitem passar ao lado.

Verifica-se que a Web 2.0 passou a assumir um papel fundamental enquanto canal de comunicação e colaboração entre os diversos atores sociais ao facultar e estimular a criação de redes envolvendo pessoas com interesses comuns, de lugares diferentes, colaborando entre si e em favor de causas também comuns congregando-se em comunidades e partilhando informações relevantes. Com o aumento de sítios de debate temático, a uma escala micro, não só essa realidade poderá revelar-se uma extensão das relações sociais entre as pessoas de uma comunidade, como, ao mesmo tempo, o volume de conhecimento criado a partir da colaboração poderá acelerar o processo de socialização do conhecimento através de espaços cada vez mais interativos.

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