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As redes sociais enquanto fatores para a mobilização social

CAPÍTULO 3 – AS REDES SOCIAIS NO ÂMBITO DA E-PARTICIPAÇÃO

3.4 As redes sociais enquanto fatores para a mobilização social

Os cientistas políticos, sociais e os estudiosos dos aspetos relacionados com os processos da comunicação têm procurado demonstrar que o uso dos novos media

facilitaria um resultado mais positivo e ativo nos comportamentos políticos e da participação. No entanto, a natureza da relação entre o uso dos media e o comportamento político ainda é uma questão controversa. Os meios de comunicação social, ao transmitirem mais informação 'personalizada', decorrente de laços fortes e fracos155 dentro da rede social do indivíduo, são suscetíveis de

155 Granovetter (1973) argumenta que os laços fracos são os que compreendem aqueles indivíduos apenas

“conhecidos” do ator, que carecem de intimidade e investimento, e estão mais distantes no grupo social. Os laços fortes, ao contrário, apontam para os “amigos”, ou seja, indivíduos com quem o ator convive, divide intimidade e constrói grupos sociais mais coesos.

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reforçar a relevância da informação política, bem como motivar as pessoas a agir na base desta informação156.

A investigação empírica tem demonstrado que as redes podem ser cruciais para a organização das ações coletivas, como o foram muito tempo antes da Internet, atuando como uma ferramenta de organização, com exemplos históricos que incluem as manifestações que tiveram lugar no Leste da Alemanha antes da queda do Muro de Berlim.

Os investigadores GONZALEZ-BAILO, BORGE-HOLTHOEFER, RIVERO & MORENO (2012) no trabalho científico intitulado “The Dynamics of Protest

Recruitment through an Online Network” analisaram a atividade da rede social

Twitter, em torno dos protestos populares ocorridos em Espanha, no período compreendido entre 25 de abril de 2011 (20 dias antes das mobilizações de massa primeiro) e 25 de maio de 2011 (10 dias após as mobilizações de massa, e três dias após as eleições), tendo o conjunto de dados relativo ao comportamento da participação ativa de 87.569 utilizadores, correspondido a um total de 581.750 mensagens de protesto. O estudo que analisaria as ações deste protesto visava a reação popular às propostas políticas do governo157, tendo o momento mais alto do mesmo ocorrido no dia 15 de maio, data em que vieram para a rua milhares de pessoas em 59 cidades espanholas a que se seguiu um mega-acampamento, até ao dia 22, data da realização das eleições locais e regionais. Verificou-se então, que após o ato eleitoral o movimento permaneceu ativo, mas os protestos foram perdendo força gradualmente e a sua visibilidade nos media diminuiu (Gráfico 16). Este suporte demonstra a ‘Fração de utilizadores recrutados ao longo do tempo’, sendo o eixo vertical normalizado pelo número total de utilizadores (87.569) enquanto o eixo horizontal controla o número de utilizadores ativos, acumulados por horas. No final da janela de tempo, a proporção de utilizadores com atividade é de 98,03%, o que significa que a vasta maioria dos utilizadores enviou pelo menos uma mensagem de protesto durante este mês. Quanto às etiquetas verticais estas sinalizam alguns dos eventos que ocorreram durante o mesmo período.

157 Tratou-se de protestos que reivindicavam mudanças nas políticas governativas e na sociedade espanhola,

com os manifestantes a consideram que os partidos políticos não os representavam, nem tomavam medidas em favor da população. Ficou também conhecido por Movimiento 15-M. O protesto esteve focalizado contra o que os manifestantes apelidavam de medidas anti-sociais ‘nas mãos de banqueiros’, referindo-se aos ajustes que a Espanha fez em 2010 para conter a crise financeira, com medidas de resgate aos bancos, que os manifestantes viam como os responsáveis pela crise, enquanto o governo anunciava cortes sociais.

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Gráfico 16 - Fração de utilizadores recrutados ao longo do tempo158

Verifica-se que até ao final da janela de 30 dias, a maioria dos utilizadores da rede enviou pelo menos uma mensagem relacionada com o protesto, com apenas cerca de 2% a permanecerem em silêncio. O aumento mais significativo na atividade ocorreu logo após o protesto inicial (15 de maio), durante a semana que antecedeu as eleições de 22 do mesmo mês, ponto até ao qual, apenas cerca de 10% dos utilizadores tinham enviado pelo menos uma mensagem relacionada com os protestos.

O ‘tempo de ativação’ remete para o momento exato em que os utilizadores começaram a emitir mensagens, o que permite distinguir entre ativistas líderes dos protestos e os que reagiram em fases posteriores. Foi calculada para cada utilizador a proporção de vizinhos que passaram a estar ativos no momento do recrutamento e isto faculta uma medida que se aproxima do parâmetro usado em modelos formais de contágio social, particularmente aqueles que incorporam redes159.

LIMA, (2012) investigadora do Instituto de Sociologia da FLUP veio questionar “de que forma o crescimento na participação nas redes sociais se repercutiu num fortalecimento da sociedade civil e num aumento da participação social e concluiu que ainda será cedo para avaliar o real impacto das redes sociais nestas esferas,

158 Fonte – “Scientific Reports - The Dynamics of Protest Recruitment through an Online Network” 1 : 197 |

DOI: 10.1038/srep00197 - (consultado em 2012-11-13)

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dada a sua história relativamente recente (LIMA, 2012). Porém, acrescenta que

“não obstante, vários são os casos que poderão servir como ilustração da influência das redes sociais enquanto incitadoras da cidadania e da participação social aos mais variados níveis e com os mais diversos propósitos” dando como exemplos paradigmáticos desta influência160a onda de solidariedade depois do sismo no Haiti, em 2010, a ‘primavera Árabe’ ou o protesto da ‘Geração à Rasca’, a 12 de março de 2011, em Portugal. Acrescenta a autora no artigo ora citado e publicado no blogue Plataforma Barómetro Social161, que “no caso do sismo no Haiti, o número de internautas a aderir aos grupos e comunidades de apoio criados no Facebook, nas primeiras horas depois do sismo já rondava as centenas, número este que cresceu exponencialmente, um pouco por todo o mundo, nos dias que se seguiram à tragédia,” acrescentando que “o Twitter também não ficou imune a estes

movimentos, materializados em apelos a doações”162” (LIMA, 2012).

Reconhecendo a dificuldade em medir o impacto real deste tipo de iniciativas, refere esta investigadora, que o movimento social que teve o seu desenvolvimento no norte de África e que ficou conhecido como a ‘primavera Árabe’, “depois da imolação de Mohamed Bouazizi, o movimento ganhou uma força imprevista com a utilização das redes sociais e rapidamente se transformou num exemplo paradigmático da influência destas na formação de um movimento efetivo de mobilização e de participação social”, nomeadamente através da divulgação de

informações que revelaram as tentativas de repressão e/ou de censura na Internet por parte dos Governos de países daquela região do globo, acrescentando que “nesses casos, o Twitter desempenhou um papel que não tendo sido decisivo, certamente foi fundamental no processo mobilizador (LIMA 2012).

Particularizando a utilização e a influência das redes sociais como instrumentos para a mobilização e a participação dos seus utilizadores, em Portugal, esta investigadora refere que se tornaram especialmente visíveis os efeitos da mobilização do dia 12 de março de 2011, “com um desafio no Facebook visando

realizar uma manifestação apartidária, laica e pacífica contra a precariedade e o estado geral do país, que culminaria numa das maiores manifestações populares dos últimos anos em Portugal, levando centenas de milhares de pessoas, de diferentes gerações às ruas, num protesto da “Geração à Rasca”, (Figura 30) como ficou conhecido e como reflexo do peso das redes sociais nos processos de mobilização e de participação social (LIMA, 2012).

160 Disponível em http://barometro.com.pt/archives/605 - (Consultado em 2012-09-15) 161 Disponível em http://barometro.com.pt/ (Consultado em 2012-09-15)

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Figura 30 – Divulgação do protesto “Geração à rasca”163

Opinião convergente está expressa num artigo publicado no jornal Público em 05 de março de 2014164 que citando a socióloga e investigadora turca Zeynep Tufekci, docente na Universidade da Carolina do Norte (EUA) esta referia que “as redes sociais afirmam-se como facilitadoras da monitorização dos cidadãos por parte dos seus governos ou corporações, mas também como ferramentas úteis para ajudar dissidentes a combaterem os seus opressores”, acrescentando que “depois de cada saraivada de gás lacrimogéneo, os manifestantes puxavam os seus smartphones e viravam-se para as redes sociais para descobrir o que estava a acontecer, ou para reportarem eles próprios os eventos”. Concluía, acrescentando

que “estas ferramentas não criam dissidentes, mas permite conectá-los entre si, resultando num efeito de ‘information cascade’, (ou efeito cascata), que contribui para ajudar os movimentos a inclinarem-se para a rebelião”. “Contudo, quanto mais nos conectamos online, mais as nossas ações se tornam visíveis aos governos e corporações”, afirmava no mesmo artigo.

Destas opiniões retira-se que as redes sociais serão um acrescento à democracia e agentes facilitadores da comunicação na Internet, qual espelho do acontecimento a que se assiste, onde quer que ocorra e muito recentemente, MARQUES, filósofo e professor universitário, defendia que o sucesso de uma manifestação não depende só da forma, mas também do objecto a que se propõe a sua mobilização, acrescentando que existe uma diferença enorme entre o aderir na rede social e o ir até ao local, pois redes sociais são ‘espaços de intimidade pública’ onde

163 Fonte: http://www.jn.pt/blogues/nosnarede/archive/2011/02/22/quot-gera-231-227-o-224-rasca-quot-

combina-manifesta-231-245-es-no-facebook.aspx (consultado em 20-12-2012)

164 http://www.ionline.pt/artigos/tecnologia/redes-sociais-facilitam-monitorizacao-governamental-tambem-

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convocatórias como as das manifestações surgem como um ‘desafio.165” Na óptica de DIAS (2012), “as redes sociais como o Twitter ou o Facebook ‘ampliam o conceito de cidadania’, de onde resulta que ‘a democracia aumenta com a maior

liberdade de expressão que proporciona,”166 enquanto para o psicólogo e docente universitário LOPES (2012)167 "todos temos uma voz, nem que seja ilusória, para enfatizar a ideia de que as redes sociais fizeram com que a comunicação fosse democratizada (LOPES, 2012)168.

Outro exemplo do poder que as redes sociais podem assumir remete para o contexto que levou os portugueses a saíram à rua no dia 15 de setembro de 2012, em protesto contra as medidas de austeridade a que Portugal está sujeito, tendo a manifestação assumido também grande impacto nas redes sociais, como o comprovam os dados divulgados pelo Social Media Explorer do Grupo Marktest

(Gráfico 17), segundo os quais contaram-se mais de 29 mil referências à manifestação de 15 de setembro, ao longo da semana de 10 a 16 de setembro de 2012, nomeadamente como reacções de protesto contra as medidas de austeridade do Governo, num protesto que viria a culminar em várias manifestações que ocorreram em várias cidades do país.

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Gráfico 17

Redes Sociais analisadas pelo Social Media Explorer - manifestação de 2012-09-15169

Tomando as menções diretas a este evento, o estudo revelava que o Facebook foi o principal canal, responsável por 80% do total de referências entre os sítios

165 Viriato Seromenho Marques in Jornal Sol de 2012-09-28, sob o título ‘Redes Sociais Promovem

democracia’

166 Carlos Amaral Dias, idem 167 Miguel Lopes, idem

168 Adaptado de http://www.comunicamos.org/noticias/as-redes-sociais-fomentam-a-democracia (Consultado

em 20-10-2012)

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analisados por aquela fonte, tendo o Twitter sido responsável por 16% do total de menções a estas manifestações, enquanto nos restantes meios foram contabilizadas 4% das referências170