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7. O contexto de pesquisa: os hospitais e os profissionais de saúde

7.5 A assistência à saúde psíquica aos profissionais de saúde

26 Anteriormente denominado Departamento de Assistência ao Servidor, passou a ter a denominação de Diretoria

de Assistência à Saúde do Servidor (DASS) Conforme Regimento Interno aprovado pela Resolução n° 014/2011-CONSUNI, de 11 de novembro de 2011.

A história da assistência à saúde dos profissionais de saúde dos hospitais da UFRN se imbrica com a assistência à saúde do servidor público federal e antecede a existência de sua Pró-Reitoria de Recursos Humanos, que é o órgão atualmente responsável por prestar esse serviço. Esta história também tem relação direta com o SUS.

Até o advento da criação do Sistema Único de Saúde e a pactuação dos hospitais universitários com o SUS, impedindo outras formas de acesso que não a marcação de consultas dentro da agenda daquele sistema, os funcionários da UFRN eram atendidos através de demanda direta nos hospitais universitários, onde havia guichês específicos e um número de fichas pré-determinadas para eles. Enquanto esses hospitais detiveram leitos particulares, era possível também receber uma forma diferenciada de assistência médico-hospitalar sem ônus. Também funcionava em um dos hospitais universitários a Junta Médica da UFRN.

Com a criação da Pró-Reitoria de Recursos Humanos pela Resolução 009/95 – CONSUNI, surge o Departamento de Assistência ao Servidor – DAS, atualmente denominado DASS, cuja finalidade é o desenvolvimento de ações e programas que visem à promoção da saúde do servidor. Este departamento passou inicialmente a prestar assistência médica e social, abrigando posteriormente a junta médica. Atualmente está estruturado em duas divisões: a Divisão de Assistência à Saúde que presta assistência médica, psicológica, social e jurídica e abriga programas voltados para a saúde e a qualidade de vida do servidor e a Divisão de Saúde, Segurança e Medicina no Trabalho, que abriga a junta médica (portanto a perícia médica) e o Serviço de Higiene, Medicina e Segurança no Trabalho (SESMT), que realiza perícia ambiental e avalia a saúde ocupacional. Em 2006, o então DAS, passou ser polo do Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal (SISOSP) no Rio Grande do Norte, instituído pelo Governo Federal através do Decreto nº 5961 de 13 de novembro de 2006. Com a criação do SIASS, vinculou-se ao novo subsistema.

Pelo exposto anteriormente, vê-se que a UFRN busca atualizar-se no que diz respeito à política de saúde do trabalhador. É fato também que possui a responsabilidade legal de minimizar os riscos inerentes à saúde de seus trabalhadores. Sabe-se também que judicialmente está implicada quando há um agravo decorrente do trabalho, pois, por meio da Diretoria de Assistência à Saúde do Servidor, a instituição cuida desses agravos e, ao mesmo tempo, os pericia quando o trabalhador adoece. Desta forma o diagnóstico e tratamento, aumentam a responsabilidade pelas suas consequências, quando os riscos ocupacionais decorrentes do trabalho e de qualquer natureza não são levados em consideração.

Tratando-se dos riscos ocupacionais, os riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, mecânicos e de acidentes são mais perceptíveis que os psicossociais dada a sua

natureza. Porém, os riscos psicossociais podem estar associados aos demais riscos na medida em que o trabalhador com a saúde agravada por eles pode ter o seu julgamento afetado, expondo-se a outras formas de riscos. Eis porque vemos estudos epidemiológicos de patologias associadas à saúde psíquica no trabalho. Estes ajudam no estabelecimento do nexo epidemiológico para a determinação do nexo causal por peritos, protegendo o trabalhador de ser responsabilizado como o desencadeante de sua própria patologia, se ela existe em decorrência das suas condições de trabalho. Mas ainda é necessário refinar a forma como a avaliação da saúde psíquica no trabalho consiga abranger de forma sistematizada e aplicável, o contexto de trabalho em sua relação com a saúde psíquica do trabalhador.

As intervenções para avaliação da saúde do trabalhador na UFRN, realizadas pela DASS, retratam isto, pois se constituem em sua maioria de consultas individuais psicológicas e médicas, ocorrendo quando o trabalhador procura ajuda, quando há solicitação de uma licença médica, ou quando uma crise no local de trabalho gera um conflito. Estas podem ou não ser acompanhadas de visita domiciliar ou ao local de trabalho (ficando a cargo do profissional assistente do paciente demandar tal necessidade). Não há um protocolo que estabeleça uma rotina para essas avaliações que não são contempladas por programas, como o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional – PCMSO– e Programa de Proteção aos Riscos Ambientais – PPRA, de realização obrigatória por força de lei27.

Cabe, portanto a PROGESP observar o que o Ministério da Saúde (Brasil, 2001), classifica oficialmente como risco para a saúde e segurança dos trabalhadores: os fatores físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, psicossociais, mecânicos e de acidentes. Precisa também atentar ao que aponta Ramminger (2002) quando mostra que as doenças ocupacionais são facilmente reconhecidas como efeito dos riscos ambientais aos quais os trabalhadores estão expostos, sendo menos reconhecida a relação entre transtornos psíquicos e trabalho e os chamados riscos psicossociais que, para a autora, incluem os fenômenos de ordem neurofisiológica, cognitiva, psicológica, social e organizacional. Esses fenômenos são manifestados no contexto de trabalho, que por sua vez ocorre numa organização (no contexto em estudo, em organizações hospitalares) que segue um modelo de gestão, que tem implicações na forma como os fenômenos são tratados.

27 Estes programas existem e em virtude deles são realizados os exames periódicos anuais obrigatórios e a

avaliação dos ambientes de trabalho, cumprindo o previsto nas Normas Regulamentadoras 07 e 09, mas nenhum dos dois contempla avaliação da saúde psíquica ou avaliação dos riscos psicossociais no local de trabalho.

Por ser uma instituição federal de ensino superior, a atenção à saúde na UFRN obedece ao modelo adotado no serviço público federal, que por sua vez está atrelado ao modelo de gestão de recursos humanos adotado.

Nos hospitais universitários em estudo, os casos que demandam assistência à saúde psíquica se tornam de conhecimento da gestão de recursos humanos da unidade quando o funcionário passa a ter problemas com relação ao desempenho no trabalho. Em tais casos, em geral o funcionário é chamado e entrevistado, seu problema é levantado e ele é aconselhado a buscar assistência no DASS ou através de seu plano de saúde. As questões administrativas são gerenciadas no sentido de evitar perdas salariais e as chefias são esclarecidas das deliberações do órgão gestor de pessoas ao qual o funcionário está ligado diretamente. O funcionário é orientado a procurar a junta médica se seu caso demandar afastamento do trabalho. Em casos em que o funcionário não procura espontaneamente a DASS e permanece trabalhando com sintomas psíquicos, a observação participante revelou que os gestores de pessoas das unidades solicitam avaliação da saúde ocupacional com avaliação da saúde psíquica. De acordo com os gestores entrevistados tanto no HUOL como no HUAB não há retorno satisfatório dessas solicitações28.

Se o trabalhador for ao seu médico particular ou procurar assistência na DASS e necessitar afastamento do trabalho, é agendado um horário com a junta médica para homologação do atestado médico. Naqueles casos em que o servidor com alteração na saúde psíquica procura a DASS para a consulta inicial, é acolhido por uma assistente social e seu caso é encaminhado aos outros profissionais (psiquiatra ou psicólogo). Há naquele departamento uma tentativa de atendimento multidisciplinar, mas a observação participante mostrou que este é fragmentado e individualizado, não permitindo estabelecer adequadamente as relações entre o trabalho e o adoecimento psíquico. Desta forma, o adoecimento é sempre uma questão particular do servidor.

A pesquisa de contexto também demonstrou que existe uma separação entre o que pensam os técnicos da DASS e o que prega o SIASS, pois a orientação interna é de suspensão paulatina dos atendimentos individualizados por ações preventivas e de caráter grupal. Isto fere um dos pilares do SIASS que é a assistência (que abrange como já foi mencionado,

28 Durante a observação participante a pesquisadora presenciou ao longo do tempo, no HUAB, uma situação em

que isto se confirmou e só foi sanada quando a funcionária que necessitava de avaliação procurou espontaneamente seu médico particular e iniciou o tratamento para o transtorno psíquico. Enquanto a situação perdurou, os gestores locais fizeram ajustes de tarefas e os colegas foram colaborativos até que a servidora pudesse exercer novamente suas atividades. Além disso, criou-se uma rede de apoio psicossocial na qual colaboraram diversos colegas tanto no contexto de trabalho quanto no ambiente social e residencial da servidora.

prevenção, tratamento e reabilitação). Os técnicos que lidam com a assistência psicossocial acreditam que apesar disto ser um avanço, sobretudo para as ações de saúde psíquica não elimina a necessidade da atenção individualizada, pois o adoecimento continuará acontecendo. Os técnicos que prestam assistência médica continuam desempenhando suas funções assistenciais sem grandes modificações assumindo o papel curativo tradicional. A área do departamento que apresenta maior avanço em termos de discussão do papel assistencial do SIASS é a que gerencia as ações de saúde, segurança e medicina do trabalho. Porém isto não ocorre sem percalços, pois ainda não há clareza do que é a saúde mental neste contexto. A própria opção do uso do termo ‘saúde mental’ pelo SIASS induz a uma concepção de dualismo corpo-mente que o discurso ideológico do programa não consegue superar.

Como exemplo de atenção multidisciplinar sobre um fenômeno multideterminado está a atenção prestada pelo antigo DAS a um servidor com transtorno mental. Este servidor chegou ao Departamento após ter sido sofrido processo administrativo movido pela sua unidade de lotação. O processo alegava conduta inapropriada e relações interpessoais dificultosas. Ao passar pela PRH29, por uma contingência causada pelo fato do Pró-Reitor ser psicólogo organizacional, foram percebidos sintomas de adoecimento e o servidor foi encaminhado ao DAS. Ao dar ser periciado, constatou-se o adoecimento. O servidor foi então encaminhado para assistência psiquiátrica, psicológica e social. Sua família recebeu suporte e foram feitas intervenções no seu local de trabalho, tanto com caráter diagnóstico como para posterior reintegração do servidor a suas funções profissionais. A ação aqui descrita foi desenvolvida ao longo de três anos. Posteriormente o servidor foi reintegrado a suas atividades profissionais e continuou tendo acompanhamento periódico da DASS (pois ocorreu no período a mudança da nomenclatura do Departamento para Diretoria). Após o afastamento da psicóloga que acompanhava o servidor, o mesmo ficou sem assistência psicológica. Seu psiquiatra assistente resolveu dar continuidade ao tratamento em consultório próprio, embora sem ônus para o funcionário assistido. Posteriormente, o funcionário foi aposentado por invalidez.

Este servidor não era um trabalhador de saúde. Se fosse, talvez o caso jamais tivesse chegado ao departamento, já que a observação participante revelou uma tendência à autoproteção dos profissionais de saúde, que buscando ajudarem-se mutuamente às vezes encobrem as patologias psíquicas minimizando suas consequências, o que parece ser um

mecanismo de defesa em que é negado o direito ao adoecimento, só ao cuidar. Também é oportuno mencionar que as ações realizadas no caso anteriormente citado como exemplo não foram institucionalizadas, nem sequer avaliadas, pela equipe do SIASS na instituição embora estejam de acordo com a filosofia assistencial daquele subsistema e, em especial, diga respeito à saúde mental que é uma preocupação dos gestores do SIASS a nível nacional por ser a área menos estruturada e que só recentemente recebeu (pelo menos na legislação) a atenção devida. Este caso também mostra que a saúde psíquica é tratada como caso particular e não como política assistencial.

Em termos de garantia da assistência, o SIASS não dá conta de uma condição peculiar que, como já foi reportado, foi o advento da filiação dos hospitais ao SUS. Isto criou uma nova contingência na assistência dos próprios funcionários destes hospitais: já não é possível a consulta via marcação no sistema do Hospital Onofre Lopes, o único com atendimento psiquiátrico e psicológico a adultos, mas somente via central de marcação de consultas da Secretaria de Estadual de Saúde. E a DASS fica territorialmente distante dos hospitais, em especial do HUAB. Criou-se então uma via alternativa: o atendimento através de favor prestado pelos colegas profissionais de saúde. Este é um atendimento não visto, não registrado, que geralmente não chega na junta médica. É o sofrimento psíquico mascarado com o atestado que leva o C.I.D.30 compatível com a especialidade de quem fez o favor e não com a patologia real; é o acobertamento dos quadros clínicos que resultariam em afastamento com acordos internos, com trocas de escala, com colegas cobrindo horários. Sobretudo, é o tratamento inadequado das alterações psíquicas que possuem pontos de contato com os processos de trabalho uma vez que não há ação interdisciplinar no sentido do estabelecimento desta relação.

Outra via de atenção à saúde psíquica ocorre pela utilização do plano de saúde do servidor, através de sua ação individual. O plano de saúde, em parte subsidiado pelo governo federal, vai dispor de rede assistencial própria, podendo ter psicólogo, com um número limitado de sessões anuais, e psiquiatra. Vê-se então que quando o servidor utiliza o plano de saúde não é possível à instituição conhecer as demandas em saúde física ou psíquica a menos que isto resulte num atestado médico. Estas avaliações individuais também não permitem conhecer adequadamente a relação entre a saúde psíquica e as condições de trabalho uma vez que o profissional de saúde que recebe o caso tem acesso apenas ao que o servidor lhe reporta e não ao contexto de trabalho em si.

30 Classificação Internacional das Doenças. Cada patologia recebe uma codificação alfanumérica que é colocada