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5. Saúde psíquica dos profissionais de saúde

5.6. Proposição de um modelo ampliado de saúde

A consequência de adotar-se o enfoque da saúde como ausência de doença é desconsiderar a percepção do sujeito sobre seu estado de saúde ou a importância do contexto em que se insere. Deste modo, as ações de gestão voltadas para as condições de trabalho não considerariam os aspectos de prevenção primária à saúde, sobretudo aquelas que incidem sobre a possibilidade de risco psicossocial no trabalho. Bastaria que o gestor mantivesse ativo um serviço de medicina do trabalho que tratasse dos agravos que porventura viessem a ocorrer, registrasse os acidentes e mantivesse em dia o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), como é legalmente determinado seja qual o for o conceito de saúde subjacente a pratica em saúde do trabalhador.

Considerando a saúde em seu aspecto de bem-estar, é papel da gestão garantir ao trabalhador condições que permitam e estimulem sua autonomia, estabelecer relações sociais adequadas no ambiente de trabalho, participar da gestão em seu nível decisório, entre outros. Pautada por este conceito de saúde uma organização reforçaria ações de prevenção centradas nas condições psicossociais de trabalho, reforçando intervenções sobre o clima organizacional, utilizando medidas de socialização, desenvolvimento de equipes, entre outras, destacando aí o papel da área de Gestão de Pessoas em subsidiar os gestores de outras áreas e estabelecer políticas condizentes para que isto viesse a ocorrer.

Ao se incorporar nas práticas de saúde do trabalhador o conceito de saúde como norma proposto por Canguilhem (2006) cabe ao gestor considerar que as ações de um indivíduo em prol de sua saúde ou ao assumir determinados riscos (por exemplo, usar ou não um equipamento de proteção individual) não dependem apenas dele mesmo, o sujeito da ação, mas do que ocorre no seu contexto de trabalho e que vão impactar nas suas condições de trabalho. Entra em cena aqui, entre outros elementos, a cultura tanto em seu aspecto organizacional como também a cultura local da região em que a organização de trabalho está inserida e que vão influenciar a maneira como o coletivo de trabalhadores e o gestor compreendem a forma como o trabalho deve ocorrer, afetando sobremaneira os aspectos referentes à organização do processo de trabalho.

Tomando-se o conceito de saúde como o direito os processos de gestão precisam inserir o coletivo de trabalhadores na discussão, elaboração e definição das políticas de saúde utilizadas pela empresa e em consonância com o proposto pelo SUS. Isto inclui a desde a discussão do processo de trabalho e das condições de trabalho a iniciativas conjuntas de

melhorias nessa área, passando pela oportunização de estudos e pesquisas com a finalidade de compreender a relação saúde trabalho.

No entanto nenhum desses modelos explica adequadamente a saúde do trabalhador e consequentemente não permitem isoladamente sua adequada gestão. Para isto é necessário um modelo integrador de saúde que contemple condições de trabalho, riscos inerentes ao trabalho, aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos, e as ações de garantia do direito à saúde, do qual os modelos anteriores de saúde dão conta embora que isoladamente.

Faz-se então necessário construir um modelo que contemple as conceituações de saúde expostas até aqui, representadas esquematicamente na figura a seguir, visto que cada uma delas traz uma contribuição para a compreensão da saúde psíquica.

Figura 4. Representação esquemática das conceituações de saúde

Propõe-se, em decorrência do exposto, um modelo ampliado de saúde que, não apenas reconheça a saúde como um direito de todos, mas numa perspectiva compreensiva, parta da observação e valorização das estratégias de luta dos trabalhadores em prol da própria saúde para entender como se processa a relação entre saúde e trabalho.

Graficamente o modelo de compreensão da saúde psíquica no trabalho proposto é assim desenhado: Saúde Ausência de doença Norma Direito Bem- estar

Figura 5. Modelo compreensivo de saúde psíquica no trabalho

No modelo apresentado, a saúde no trabalho resulta da interseção entre as características individuais dos sujeitos possuidores de uma história e de características biopsicossociológicas; das condições de trabalho compreendidas como relações no trabalho, organização do processo de trabalho e as condições em que o sujeito exerce suas atividades; da oferta de ações de saúde nos níveis de prevenção, atenção e reabilitação; das crenças do coletivo de trabalhadores, expressas nas estratégias de luta que estes adotam em prol da própria saúde.

O modelo pretende ser compreensivo e não explicativo de forma que os resultados encontrados nas análises realizadas a partir dele em qualquer contexto de trabalho serão singulares para o grupo analisado. No entanto o modelo é de ampla utilização na medida em que pode ser usado em contextos diversos de trabalho, dando voz aos atores sociais e contribuindo para sua saúde na medida em que, ao serem abordadas as estratégias de luta dos trabalhadores, estes tem oportunidade de pensar sobre a própria saúde o que pode resultar em novas práticas e lutas num círculo virtuoso.

Ao apresentar o modelo proposto reconhecemos que não podemos prescindir de conhecer os sintomas que traduzem a avaliação que o indivíduo faz de seu ajustamento ao meio, nem tampouco o que é a norma, nesse meio. Embora reconheçamos o perigo desta medida nos remeter ao conceito negativo de saúde psíquica, ela é importante por traduzir o que o trabalhador pensa sobre si mesmo e se há a percepção de disfuncionalidade que, de acordo com Canguilhem é o que caracteriza o transtorno psíquico. Ainda tomando a definição de saúde de Canguilhem, se há sintoma percebido pelo indivíduo então há comprometimento do bem-estar psíquico. Caracteristicas individuais do sujeito Oferta de serviços de saúde Significações coletivas e formas de lutas Condições de trabalho Saúde psíquica

Como o foco do estudo é a saúde psíquica de profissionais de saúde, é necessário conhecer o contexto de trabalho desses profissionais em seus locais de atuação, pois é na relação com o contexto que as normas dos grupos sociais são estabelecidas.

Se tomarmos a contribuição da definição ampliada de saúde como um direito e fruto das lutas diárias dos trabalhadores, então também é necessário conhecer a oferta de serviços de saúde aos trabalhadores e também, que estes não apenas falem de seu contexto de trabalho e saúde psíquica, mas pensem sobre sua prática, para que possam ser agentes produtores de sua própria saúde. A estratégia de ação coletiva também reforça o apoio psicossocial necessário à manutenção da saúde psíquica dos trabalhadores. Embora não seja objetivo desta tese estabelecer ações de promoção da saúde psíquica, acredita-se que, à medida que os trabalhadores reflitam sobre sua saúde psíquica, a partir das contribuições proporcionadas pelo método de pesquisação utilizada, haverá um reforço das estratégias coletivas de promoção e proteção da saúde no trabalho. Esse método será descrito no Capítulo 6.

6. Método

Neste capítulo será apresentado o método, descrevendo as técnicas de pesquisa a serem empregadas, tendo em vista o objetivo geral da tese que é avaliar a relação entre saúde psíquica e condições de trabalho em profissionais de saúde nos hospitais da UFRN.

Tendo em vista orientar a consecução do objetivo geral, definiram-se, então, os seguintes objetivos específicos:

 Descrever reflexivamente o contexto de pesquisa em que atuam os participantes da pesquisa.

 Identificar as condições de trabalho dos participantes do estudo, compreendendo como as características do contexto marcam tais condições.

 Avaliar a saúde psíquica de tais participantes, discutindo como esse fenômeno é marcado pelo contexto de trabalho.

 Compreender as relações existentes entre a saúde psíquica e as condições de trabalho dos participantes da pesquisa.