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4 Evolução dos conceitos

4.1 Primórdios

4.1.7 A automatização do raciocínio

Ainda dentro do período acima estabelecido (4.200 a.C. até meados do ano 1600 d.C) iniciou-se concretização de uma antiga meta: a idéia de se reduzir todo raciocínio a um processo mecânico, baseado em algum tipo de cálculo formal. Isto remonta a Raimundo Lúlio. Embora negligenciado pela ciência moderna, Raimundo Lúlio (1235 - 1316), espanhol, figura pletórica de seu tempo, em seu trabalho Ars Magna (1305 - 1308), apresentou a primeira tentativa de um procedimento mecânico para produzir sentenças logicamente corretas [Her69]. Lúlio acreditava que tinha encontrado um método que permitia, entre outras coisas, tirar todo tipo de conclusões, mediante um sistema de anéis circulares dispostos concentricamente, de diferentes tamanhos e graduáveis entre si, com letras em suas bordas. Invenção única, tentará cobrir e gerar, representando com letras − que seriam categorias do

conhecimento −, todo o saber humano, sistematizado em uma gramática lógica.

Figura 7: Desenho de Raimundo Lúlio

Conforme Hegel: “A tendência fundamental da ‘arte’ de Raimundo Lúlio consistia em enumerar e ordenar todas as determinações conceituais a que era possível reduzir todos os objetos, as categorias puras com referência às quais podiam ser determinados, para, desse

modo, poder assinalar facilmente, com respeito a cada objeto, os conceitos a ele aplicáveis. Raimundo Lúlio é, pois, um pensador sistemático, ainda que ao mesmo tempo mecânico. Deixou traçada uma tabela em círculos nos quais se acham inscritos triângulos cortados por outros círculos. Dentro desses círculos, ordenava as determinações conceituais, com pretensões exaustivas; uma parte dos círculos é imóvel, a outra tem movimento. Vemos, com efeito, seis círculos, dois dos quais indicam os sujeitos, três os predicados e o sexto as possíveis perguntas. Dedica nove determinações a classe, designando-as com as nove letras B C D E F G H I K. Obtém, desse modo, nove predicados absolutos, que aparecem escritos ao redor de seu quadro: a bondade, a magnitude, a duração, o poder, a sabedoria, a vontade, a virtude, a verdade, a magnificência; em seguida, vêm nove predicados relativos: a diferença, a unanimidade, a contraposição, o princípio, a metade, o fim, o ser maior, o ser igual e o ser menor; em terceiro lugar, temos as perguntas: sim?, quê?, de onde?, por quê?, quão grande?, de que qualidade?, quando?, de onde?, como e com quê?, a última das quais encerra duas determinações; em quarto lugar, aparecem nove substâncias (esse), a saber: Deus (divinum), os anjos (angelicum), o céu (coeleste), o homem (humanum), Imaginativum, Sensitivum, Vegetativum,

Elementativum; em quinto lugar, nove acidentes, quer dizer, nove critérios naturais: a

quantidade, a qualidade, a relação, a atividade, a paixão, o ter, a situação, o tempo e o lugar; por último, nove critérios morais, que são as virtudes: a justiça, a prudência, a valentia, a temperança, a fé, a esperança, o amor, a paciência e a piedade, e nove vícios: a inveja, a cólera, a inconstância, a avareza, a mentira, a gula, a devassidão, o orgulho e a preguiça (acedia). Todos esses círculos tinham de ser colocados necessariamente de determinado modo para poder dar como resultado as combinações desejadas. Conforme as regras de colocação, segundo as quais todas as substâncias recebem os predicados absolutos e relativos adequados a estes, deviam ser esgotados a ciência geral, a verdade e o conhecimento de todos os objetos concretos.” [Roc81].

Os procedimentos estabelecidos por Lúlio não foram muito válidos. Mas o mais importante em Lúlio é a idéia concebida, genial sob certo aspecto. Tanto que seu trabalho influenciará muitos matemáticos famosos, do nível de um Cardano (século XVI), Descartes (século XVII), Leibniz (séculos XVII/XVIII), Cantor (séculos XIX/XX), entre outros. Raimundo Lúlio é considerado o precursor da análise combinatória. Como dirá R. Blanché: “encontramos em Lúlio, pelos menos em germe e por mais que ele não soubesse tirar partido disso por inabilidade, duas idéias que iriam se tornar predominantes nas obras de Lógica, primeiro em Leibniz e depois em nossos contemporâneos: as idéias de característica e de cálculo (...). Com a ajuda desse simbolismo, tais autores pretendem permitir que as operações mentais, freqüentemente incertas, fossem substituídas pela segurança de operações quase mecânicas, propostas de uma vez por todas” ([RA91], volume III).

Pode-se ver em Raimundo Lúlio os primórdios do desenvolvimento da Lógica Matemática, isto é, de um novo tratamento da ciência da Lógica: o procurar dar-lhe uma forma matemática. O interesse deste trabalho é caracterizar a Lógica Matemática, sem aprofundar nas discussões filosóficas − ainda em aberto − sobre os conceitos “lógica matemática” e “lógica simbólica”, se é uma lógica distinta da ciência matemática ou não, pois sem dúvida alguma a Computação emergirá dentro de um contexto da evolução deste novo tratamento da lógica.

A Lógica Matemática ergue-se a partir de duas idéias metodológicas essencialmente diferentes. Por um lado é um cálculo, daí sua conexão com a matemática. Por outro lado, caracteriza-se também pela idéia de uma demonstração exata e, nesse sentido, não é uma imitação da matemática nem esta lhe serve de modelo, mas pelo contrário, à Lógica caberá investigar os fundamentos da matemática com métodos precisos e oferecer-lhe o instrumento para uma demonstração rigorosa.

A palavra Álgebra voltará a aparecer com o inglês Robert Recorde(1510?-1558), em sua obra Pathway of Knowledge(1551), que introduz o sinal de ‘=’ e divulga os símbolos ‘+’ e ‘−‘, introduzidos por John Widmann (Arithmetica, Leipzig, 1489). Thomas Harriot(1560-1621) prosseguirá o trabalho de Recorde, inventando os sinais ‘>’ e ‘<’. Willian Oughtred(1574- 1621), inventor da régua de cálculo baseada nos logaritmos de Napier, divulgou o uso do sinal ‘×’, tendo introduzido os termos seno, coseno e tangente. Em 1659 J.H. Rahn usou o sinal ‘÷’. Todos esses matemáticos ajudaram a dar à Álgebra sua forma mais moderna.

Figura 8: Figuras representando mecanismo elaborado por Lúlio para automatizar o raciocínio