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4 Evolução dos conceitos

4.1 Primórdios

4.1.3 A Lógica de Aristóteles

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) é um filósofo ‘atual’: a ‘questão aristotélica’, isto é, o que Aristóteles realmente escreveu , o que se deve a ele ou antes, a seus discípulos, é algo complexo, onde não há acordo definitivo, e provavelmente segundo alguns nunca haverá, sendo uma questão sobre a qual se continua escrevendo. Aristóteles passou quase vinte anos na Academia platônica e educou Alexandre Magno (se Platão estivesse vivo teria visto a

realização de seu maior sonho, o de que os governantes filosofassem). Preocupava-o, como a todos os gregos, a vida política, a cidade, porém o que mais o interessava era o saber. E foi sábio em quase todos os domínios: ciências naturais, lógica, física, poética, astronomia, ética, política, retórica, psicologia, entre outras. Mestre de lógica para centenas de gerações, aplicou- se, sobretudo, em assentar as bases da “ciência que buscamos”, a “filosofia primeira”, o que depois chamou-se Metafísica. Interessa neste estudo sobretudo a lógica aristotélica e o seu método axiomático.

A Lógica foi considerada na tradição clássica e medieval como instrumento indispensável ao pensamento científico. Atualmente é parte importante na metodologia dedutiva das ciências, além de constituir-se como um saber próprio, com ligação a relevantes problemas teóricos. Da Lógica Científica nasceu a Lógica Matemática e, dentro desta, várias filosofias da lógica que interpretam os cálculos simbólicos e sua sistematização axiomática. Para a História da Computação interessa abordar em particular a questão do pensamento dedutivo e matemático, seus limites, o problema da relativa mecanização do pensamento quantitativo e o problema da Inteligência Artificial. Da discussão e busca da solução desses problemas, que entram também no campo filosófico, formou-se a base conceitual, teoria da

computabilidade, necessária para o advento do computadores.

O início da ciência da Lógica encontra-se na antiga Grécia [Kne68] [Boc66]. As polêmicas geradas pela teoria de Parmênides e os famosos argumentos de Zenão*, que

negavam a realidade do movimento fazendo um uso indevido do princípio da não- contradição, contribuíram para a distinção dos conceitos, para se ver a necessidade de argumentar com clareza, mediante demonstrações rigorosas, e assim responder às objeções dos adversários. Mais tarde, as sutilezas dos sofistas, que reduziam todo o saber à arte de convencer pelas palavras, levaram Sócrates a defender o valor dos conceitos e tentar defini-los com precisão. Assim a Lógica como ciência vai se formando pouco a pouco, principalmente com Sócrates e Platão. Mas Platão pensava que qualquer conteúdo da mente existia tal qual na realidade e Aristóteles reage ao seu mestre, dizendo que as idéias existem somente na mente humana, mas correspondendo a realidades.

Com Aristóteles é que se dá o verdadeiro nascimento da Lógica como ciência das idéias e dos processos da mente. “Até hoje não existe forma alguma concebível de lógica, por muito distinta que seja da lógica formal, que não tenha algum tipo de conexão com a obra aristotélica” [Sch31]. Ele foi o primeiro lógico formal da história, tendo desenvolvido ao menos duas formas distintas de lógica formal, elaborando algumas de suas partes de maneira praticamente completa e deixando esboçados outros tipos de lógicas que somente na época atual foram novamente tratadas†.

* Parmênides (540 a 470 a.C.) negava a existência do movimento (“devir”) e afirmava a existência de um único ser (panteísmo), tendo enunciado o princípio da não contradição: ‘algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto e no mesmo sujeito’. Seu discípulo Zenão (490 a 430 a.C.) foi o fundador da dialética e radicalizou a negação do movimento. Este envolveria um paradoxo: para mudar completamente é preciso antes mudar parcialmente, e assim infinitamente, o que levaria a concluir que o movimento não existe (paradoxos de Aquiles e a tartaruga e os pontos de percurso de uma flecha)

Além do mais interessa o estudo das obras do Filósofo pois tem um especial valor pedagógico, ao apresentar de maneira unitária a maior parte dos problemas lógicos, contemplados com o vigor característico que acompanha uma ciência emergente, e mais acessível ao principiante que muitas apresentações modernas de lógica formal.

Aristóteles escreveu uma série de trabalhos que seriam editados por Andrônico de Rodes no século I d.C. e que receberam posteriormente o nome de Organon (“Instrumento”), de acordo com a concepção segundo a qual a Lógica deveria fornecer os instrumentos mentais necessários para enfrentar qualquer tipo de investigação. Essa obra compreende os seguintes livros: Categorias, Analíticos I, Analíticos II, o Peri Hermeneias (ou sobre a interpretação),

Tópicos e Refutação de argumentos sofistas. A grande novidade aristotélica está nos Analíticos, com

o silogismo. Aristóteles chamava a Lógica com o termo “analítica” (e justamente “Analíticos” são intitulados os escritos fundamentais do Organon). A analítica (do grego analysis, que significa “resolução”) explica o método pelo qual, partindo de uma dada conclusão, resolve-se precisamente nos elementos dos quais deriva, isto é, nas premissas e nos elementos de que brota, e assim fica fundamentada e justificada.

Aristóteles construiu uma sofisticada teoria dos argumentos, cujo núcleo é a caracterização e análise dos chamados silogismos, os típicos raciocínios da lógica aristotélica. O argumento

Todo homem é mortal Sócrates é homem

Logo Sócrates é mortal

é o exemplo típico do silogismo perfeito. Conforme o próprio Aristóteles, “o silogismo é um discurso no qual, sendo admitidas algumas coisas, outra coisa distinta resulta necessariamente dessas coisas afirmadas primeiro, pelo único fato de que essas existem” [Per88].

Figura 4: Aristóteles

Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles desenvolveu minuciosamente o sistema dos silogismos, mostrando os princípios maiores que o sustentam e as regras que lhe devem

moldar a construção. A análise do Filósofo é tão ampla quanto engenhosa e envolve também as assim chamadas “modalidades” e os silogismos modais*.

Entre as características mais importantes da silogística aristotélica está a de se ter pensado pela primeira vez na história da lógica em fazer uso de letras que poderiam ser usadas para representar uma expressão substantiva qualquer, fundamental para o desenvolvimento do simbolismo lógico. É também com Aristóteles que se encontra uma das primeiras tentativas de se estabelecer um rigor nas demonstrações matemáticas. Ao definir os dois tipos de demonstração, quia (dos efeitos às causas) e propter quid (das causas aos efeitos), dizia (I Anal. Post., lect. 14) que as matemáticas utilizam preferencialmente esse modo de demonstrar, e por isso esta ciência é essencialmente dedutiva: “algumas vezes o mais conhecido por nós em si mesmo e por natureza é também o mais cognoscível em si mesmo e por natureza. Assim acontece nas matemáticas, nas quais, devido à abstração da matéria, não se efetuam demonstrações mais do que a partir dos princípios formais. E assim as demonstrações procedem desde o mais cognoscível em si mesmo”.

No entanto, para que haja demonstração, os primeiros princípios devem ser indemonstráveis, já que, do contrário, se procederia a uma regressão ao infinito. E como se conhece a verdade dos primeiros princípios? Por indução. “À força de contemplar a freqüência dos acontecimentos, buscando o universal”. Os primeiros princípios não são inatos; são adquiridos na experiência, analisando-se as percepções que contém um elemento universal. No entanto esta ‘indução’ citada por Aristóteles nada tem a ver com ‘demonstração por indução completa’ ou o ‘método da indução finita’ ou, mais ainda, ‘raciocínio por recorrência’, estabelecido pelo matemático italiano Giuseppe Peano. Sobre esta temática ver anexo sobre Dedução e Indução na Matemática.

E no meio de tudo isso emergiu aquela que é considerada uma das mais definitivas contribuições do Organon: o método axiomático, que recebeu precisamente no século XX sua maior valoração, ao apresentar-se como o caminho universal dentro do qual se enquadram todas as ciências dedutivas. Um pouco mais sobre este assunto é exposto no anexo O método axiomático e as ciências dedutivas.