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Anexo A concepção formalista da Matemática *

Antes das considerações mais técnicas sobre o formalismo na Matemática, é oportuno fazer alguns comentários sobre o conceito ‘forma’ (com “o” aberto), do ponto de vista da Lógica, mais especificamente de um dos seus ramos, que é a Lógica Matemática ou também Lógica Simbólica.

Ainda que o sentido mais intuitivo do termo forma relacione-se com a configuração externa dos objetos materiais, também é costume, na linguagem ordinária, falar de forma em um sentido mais amplo, como por exemplo, quando se comenta que uma composição poética está em forma de soneto, ou que uma composição musical está em forma de sonata. O que se pensa nesse momento é nas propriedades estruturais que são observáveis, sem ter em conta o significado dos versos ou dos motivos que inspiraram a música. Da mesma maneira usa-se o termo estrutura não só para indicar a constituição de um corpo sólido, mas também se referindo à estrutura de uma sociedade, de um discurso, e assim por diante.

Do mesmo modo pode-se pensar em estruturas lógicas ou formas lógicas, e, dentro da ciência Lógica, tais expressões representam um aspecto que se reveste de capital importância: o aspecto formal. A lógica formal é um tipo de investigação sobre a linguagem que simplesmente analisa as estruturas desta, prescindindo de conteúdos concretos que posteriormente sejam dados a estas estruturas (gerando proposições concretas de um discurso falado ou escrito). Por exemplo: “todos os A são B, todos os B são C, e portanto todos os A são C”. De tal tipo de estrutura surgem argumentos válidos, quaisquer que sejam os termos usados para substituir A, B ou C (embora a conclusão possa ser falsa se uma das premissas for falsa†).

A forma lógica diz respeito ao conteúdo dos nexos que organizam uma demonstração (um raciocínio dedutivo), prescindindo-se dos conteúdos semânticos do discurso. A lógica, nesse caso, somente se ocupa do problema do desenvolvimento dessa demonstração. O fato de prescindir dos conteúdos tem, entre outras conseqüências, a de que é possível utilizar-se de estruturas dedutivas mediante símbolos, e isso permite uma exatidão da análise estrutural que seria muito mais difícil de conseguir sem o auxílio do simbolismo‡

[Aga86].

A computação é sobretudo a ciência do formal. Os computadores seguem fielmente regras e não admitem exceções. O programa não funciona quando se troca um ‘0’ (zero) por ‘O’ (letra ó), engano de natureza apenas formal. A Matemática também é formal, a mais formal de todas as ciências (pois todos os seus resultados são baseados em regras e

* Este resumo baseia-se nas exposições feitas em [NN56] e [Cos77].

O ponto de vista da correção e da verdade de um raciocínio é distinto dentro da Lógica, embora voltem a unir-se principalmente considerando-se que as regras lógicas permitem obter de premissas verdadeiras somente conclusões verdadeiras.

“De qualquer maneira, não é preciso reduzir o horizonte conceitual da lógica simbólica a este simples ‘aspecto instrumental’ que, apesar de ser o mais facilmente compreendido de início, tem o risco de fazer perder de vista a verdadeira natureza dos problemas abordados pela moderna logística. De fato, os desenvolvimentos desta última ultrapassam amplamente a tarefa − no fundo bastante modesta − de proporcionar instrumentos mais precisos para o estudo da dedução. Com efeito, a Lógica já é uma verdadeira ciência por si mesma, que é estudada e desenvolvida com o mesmo interesse puramente especulativo que move as investigações das matemáticas puras ou da álgebra abstrata” [Aga86].

apresentados por fórmulas), e sua linguagem formal é utilizada por todas as outras. No entanto os formalistas, escola fundada pelo prof. David Hilbert, são apenas um dos grupos dentro da Matemática e seus resultados foram e são fortemente questionados*.

Hilbert, diferentemente dos matemáticos da escola logicista, não tinha pretensões de reduzir a matemática à lógica, mas fundamentar conjuntamente ambas. Ele e os outros seguidores da escola formalista viam na matemática a ciência da estrutura dos objetos. Os números são as propriedades estruturais mais simples desses objetos e por sua vez constituem-se também em objetos, com novas propriedades. O matemático pode estudar as propriedades dos objetos somente por meio de um sistema apropriado de símbolos, reconhecendo e relevando os aspectos destituídos de importância dos sinais que utiliza. Uma vez que se possua um sistema de sinais adequados, não é mais necessário se preocupar com seus significados: os próprios símbolos possuem as propriedades estruturais que interessam. Aqui devemos atentar para o fato de que a formalização não deve ser confundida com este aspecto não essencial que é a simbolização. O matemático deve apenas investigar, segundo os formalistas, as propriedades estruturais dos símbolos, e portanto dos objetos, independentemente de seus significados. Assim como na geometria ou na álgebra, para simplificar e uniformizar determinadas questões, são introduzidos conceitos não reais – ponto do infinito, números ideais, etc. – que são apenas convenções lingüísticas, também se justifica a introdução, na matemática, de conceitos e princípios sem conteúdo intuitivo. Desse modo, as leis da lógica clássica permanecem válidas.

Ponto chave na metamatemática† de Hilbert é que o sistema estudado não encerre

contradição, isto é que não se possa provar uma proposição e ao mesmo tempo a sua negação. Ele procurou estabelecer um método para se construir provas absolutas de consistência (ausência de contradição) dos sistemas, sem dar por suposta a consistência de algum outro sistema.

O primeiro passo é a completa formalização de um sistema dedutivo. Isto implica ‘tirar’ todo significado das expressões existentes dentro do sistema, isto é, devem ser consideradas puros sinais ‘vazios’. Expressão é o nome que se dá às ‘palavras’ do sistema, que por sua vez são compostas de símbolos abstratos, também chamados ‘alfabeto’ do sistema. A forma como se devem combinar essas expressões deve estar plasmada em um conjunto de

regras de formação e regras de inferência enunciadas com toda precisão, que especificam como uma

expressão pode ser formada ou transformada em outra. A finalidade desse procedimento é construir um ‘cálculo’ que não oculte nada e que somente contenha o que expressamente se tenha colocado nele. Em um sistema formal um número finito de expressões é tomado como sendo o conjunto de axiomas do sistema. A idéia de prova num sistema formal consiste em começar com um dos axiomas e aplicar uma seqüência finita de transformações, convertendo o axioma em uma sucessão de novas expressões, onde cada uma delas ou é um dos axiomas do sistema ou é derivada deles pela aplicação das regras de formação. A totalidade dos teoremas constitui o que pode ser provado no sistema. Os axiomas e os teoremas de um

* Na verdade, a maioria dos matemáticos desenvolve seus resultados dentro de um espírito mais informal, intuitivo, mais geométrico do que algébrico, e quando algébrico, não muito formal.

sistema completamente formalizado são portanto sucessões de comprimento finito de símbolos sem significado.

Especificando um pouco melhor (baseado em [CO98]):

Definição 1: Um sistema formal é uma tupla <Σ,L,A,R>, onde:

1.

Σ é um alfabeto;

2. L é um conjunto recursivo

*

em Σ, chamado de linguagem do sistema

formal;

3. A é um subconjunto recursivo de L, chamado de Axiomas;

4. R é um conjunto recursivo de relações em L.

Exemplo: seja um sistema formal, onde o alfabeto, as palavras, os axiomas e as relações estejam definidas abaixo:

Σ = {+,*}, L = {Σ

*

}, A = {+,*}, R = {r

1

,r

2

}, onde:

r

1

= {<x+,x*> | x ∈Σ

*

}

r

2

= {{<x+*,x*+> | x ∈Σ

*

} U

{<x+**,x*++> | x ∈Σ

*

} U

{<x*,x++> | x ∈Σ

*

}}

As relações r

1

e r

2

são binárias, e seus pares ordenados possuem uma lei de formação