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4 Evolução dos conceitos

4.3 A lógica matemática no século

4.3.2 A importância de Frege e Peano

Frege (1848 - 1925) e Peano (1858 - 1932) trabalharam para fornecer bases mais sólidas à álgebra e generalizar o raciocínio matemático [Har96].

Gottlob Frege ocupa um lugar de destaque dentro da Lógica. Embora não tão conhecido em seu tempo e bastante incompreendido, deve-se ressaltar que ainda hoje torna- se difícil descrever a quantidade de conceitos e inovações, muitos revolucionários, que elaborou de forma exemplar pela sua sistematização e clareza. Muitos autores comparam seu

Begriffsschrift aos Primeiros Analíticos de Aristóteles, pelos pontos de vista totalmente geniais.

Frege foi o primeiro a formular com precisão a diferença entre variável e constante, assim como o conceito de função lógica, a idéia de uma função de vários argumentos e o conceito de

quantificador. A ele se deve uma conceituação muito mais exata da teoria aristotélica sobre

sistema axiomático, assim como uma clara distinção entre lei e regra, linguagem e metalinguagem. Ele é autor da teoria da descrição e quem elaborou sistematicamente o conceito de valor. Mas isto não é tudo, pois todas estas coisas são apenas produtos de um empreendimento muito maior e fundamental, que o inspirou desde suas primeiras pesquisas: uma investigação das características daquilo que o homem diz quando transmite informação por meio de juízos.

Na verdade o que Frege chamou de Lógica – assim como seus contemporâneos Russell e Wittgenstein – não é o que hoje é chamado Lógica, fruto do formalismo e da teoria dos conjuntos que acabaram por predominar entre os matemáticos, mas sim o que se denomina semântica, uma disciplina sobre o conteúdo, natureza desse conteúdo e estrutura. Ele gastou considerável esforço na separação de suas concepções lógicas daquelas concepções dos 'lógicos computacionais' como Boole, Jevons e Schröeder. Estes estavam, como já foi dito, empenhados no desenvolvimento de um cálculo do raciocínio como Leibniz propusera, mas Frege queria algo mais ambicioso: projetar uma língua characteristica. Dizia ele que uma das

* Jevons foi o primeiro a compreender que os métodos booleanos podem ser reduzidos às regras do cálculo elementar, com a possibilidade, portanto, de ser mecanizados. Em 1869 conseguiu construir uma máquina lógica apresentada no ano seguinte ao público: era um dispositivo de 21 chaves para testar a validade de inferências na lógica equacional. Algumas das características deste dispositivo foram usadas mais tarde na implementação do computador. A máquina está conservada no museu de História da Ciência em Oxford.

O emprego de quantificadores para ligar variáveis, principal característica do simbolismo lógico moderno e que o torna superior em alguns aspectos à linguagem vulgar e ao simbolismo algébrico de Boole, está entre as maiores invenções intelectuais do século XIX [Kne68].

tarefas da filosofia era romper o domínio da palavra sobre o espírito humano. Frege procurou usar um sistema simbólico, que até então somente se pensava para a matemática, também para a filosofia: um simbolismo que retratasse o que se pode dizer sobre as coisas. Ele buscava algo que não somente descrevesse ou fosse referido a coisas pensadas, mas o próprio pensar [Cof91].

Os lógicos tradicionais estavam basicamente interessados na solução de problemas tradicionais de lógica, como por exemplo a validade. O objetivo de Frege foi mais além: entrou no campo da semântica, do conteúdo, do significado, onde encontrou o fundamento último da inferência, da validade, etc. Frege acabou derivando para uma filosofia da lógica e da matemática e influenciou diretamente a Russell, David Hilbert, Alonzo Church e Carnap. Destes, Hilbert e Church têm um papel decisivo na História conceitual da Ciência da Computação.

Frege desejava provar que não somente o raciocínio usado na matemática, mas também os princípios subjacentes – ou seja, toda a matemática – são pura lógica. Porém ele expressou suas buscas e resultados – pelos quais acabou sendo considerado um dos pais da Lógica moderna, de uma forma excessivamente filosófica, em uma notação matemática não convencional. O mérito maior dele foi elaborar uma concepção lógica mais abrangente do que a Lógica de Aristóteles. Em um procedimento que lembra a “characteristica universalis”*,

Frege construiu um sistema especial de símbolos para desenvolver a lógica de maneira exata e foi muito além das proposições e dos argumentos. Em sua grandes obras, Begriffsschrift, eine der

arithmetischen nachgebildete Formelsprache des reinen Denkens (Ideografia, uma linguagem formalizada

do pensamento puro construída de modo aritmético) e Grundgesitze der Arithmetik.

Begriffsschriflich abgeleitet (Leis Fundamentais da Aritmética, Ideograficamente Deduzidas), está

contida de modo explícito e plenamente caracterizado uma série de conceitos – conectivos, função, função proposicional, quantificadores, etc. – que seriam vitais para a Lógica Matemática a partir de então [Gom97].

Foi através do contato com a obra de Frege que Bertrand Russell (1872 - 1970) procurou levar avante a idéia de construir toda a matemática sobre bases lógicas, convencido de que ambas são idênticas. Os postulados fregianos†, adotados primeiramente por Peano,

foram incorporados por Russell, que estendeu as teses logicistas de Frege à Geometria e às disciplinas matemáticas em geral.

Peano tinha objetivo semelhante a Frege, mas mais realista. Ele desenvolveu uma notação formal para raciocínio matemático que procurasse conter não só a lógica matemática, mas todos os ramos mais importantes dela. O simbolismo de Peano e seus axiomas – dos quais dependem muitas construções rigorosas na álgebra e na análise – “representam a mais notável tentativa do século XIX de reduzir a aritmética comum, e portanto a maior parte da matemática, a um puro simbolismo formal. Aqui o método postulacional atingiu novo nível de precisão, sem ambigüidade de sentido, sem hipóteses ocultas” [Boy74]. Para maiores detalhes, ver anexo sobre A Aritmética de Peano.

* Como já foi dito, a idéia lançada por Leibniz de uma linguagem filosófica que seria um simbolismo através do qual o homem estaria em condições de expressar seus pensamentos com plena clareza e dirimir dúvidas através de simples cálculos. † Sobre número, dedução, inferência, proposições, premissas, etc.

Já Hilbert procurou colocar em prática a teoria da demonstração de Frege, e pode-se ver nessas palavras deste as idéias implementadas posteriormente no programa hilbertiano: “a inferência procede, pois, em meu sistema de escrita conceitual (Begriffsschrift), seguindo uma espécie de cálculo. Não me refiro a este em sentido estrito, como se fosse um algoritmo que nele predominasse, (...), mas no sentido de que existe um algoritmo total, quer dizer, um conjunto de regras que resolvem a passagem de uma proposição ou de duas, a outra nova, de tal forma que nada se dá que não esteja de acordo com estas regras. Minha meta é, pois, uma ininterrupta exigência de precisão no processo de demonstração, e a máxima exatidão lógica, ao mesmo tempo que clareza e brevidade” [Boc66].

Pode-se notar a partir desse momento uma guinada no conceito de Lógica: os objetos da investigação lógica já não são mais as próprias fórmulas, mas as regras de operação pelas quais se formam e se deduzem.

Figura 15: Peano