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2. Outras dimensões da autonomia local

2.1 A autonomia local como uma autonomia financeira

movimentos podem a cada passo ser tolhidos por uma vontade estranha à sua? Se, pelo contrário, se lhes confere uma liberdade de acção, e se limitam demasiado as suas atribuições, os movimentos ficam desembaraçados, mas reduzidos a tão pequeno número que não satisfazem as suas necessidades vitais. Se estão reunidas aquelas duas condições e os recursos para as aproveitar escasseiam, elas deixam de produzir todos os seus resultados práticos e é como não existissem”103.

Assim, já então, aflorava-se duas questões que revelam-se de grande acuidade na vida dos municípios, na sua real autonomia. Com efeito, para além da largueza das atribuições, este autor chama a atenção para mais duas realidades de especial relevância para a configuração prática da autonomia dos municípios: i) a relação com a administração central – a extensão dos poderes de tutela; ii) e a existência de meios para a realização das atribuições a eles confiados.

2.1 A autonomia local como uma autonomia financeira

A afirmação da autonomia financeira como um dos componente de uma noção mais vasta daquilo que se entende como autonomia local têm na sua génese, antes de mais, a ideia base de que, não basta atribuir funções, há que assegurar também a possibilidade do exercício dessas mesmas funções através, nomeadamente, da dotação das autarquias de meios financeiros, meios estes que serão por estas geridas de forma autónoma.

Antes de mais, há que referir que autonomia financeira não se revela como sinónimo de

autosuficiência económica104, entendida esta última como a liberdade total de decidir sobre as

suas fontes de financiamento, bem como ainda, no sentido de serem elas a proverem todos os seus recursos. Assim, “estas podem alcançar a sua suficiência financeira à custa de

transferências estaduais, mormente através da participação em receitas estaduais, conquanto que tais transferências obedeçam a critérios objectivos, estritamente definidos na lei e desde que não implique qualquer tipo de vinculação ou dependência face à administração estadual,

103 Apud OLIVEIRA, António Cândido de. Direito das Autarquias Locais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, cit.

p.127.

104 Cfr. NABAIS, Casalta. A Autonomia Financeira das Autarquias .In 30 anos de Poder Local na Constituição

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nem constituam suporte de intoleráveis desigualdades económicas e fiscais entre as autarquias”105.

A própria Carta Europeia da Autonomia Local proclama a necessidade das autarquias

locais disporem de meios próprios com o fito de poderem assumir de forma efetiva a realização das suas tarefas, meios próprios esses que terão de poder dispor de forma livre. Assim, neste sentido, o artigo 9.º n.º1 da Carta Europeia de Autonomia Local vem dispor que: “As autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos

próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições.”

No número 7 do referido artigo, reforçando essa ideia de disposição livre dos recursos prevê- se que: “Na medida do possível os subsídios concedidos às autarquias locais não devem ser

destinados ao financiamento de projetos específicos. A concessão de subsídios não deve prejudicar a liberdade fundamental da política das autarquias no seu próprio domínio de atribuições”.

Ora, assim sendo, apesar de uma grande parte das receitas das autarquias locais provirem de transferências diretas do Estado Central, em homenagem ao princípios da autonomia local, que só poderá ser real se a tutela exercida pelo Estado se confinar à tutela da legalidade, aquele nunca deverá limitar a utilização desses recursos à condições que extrapolem do mero controlo legal, efetuando assim um controlo de mérito. As balizas legais devem limitar-se, sempre que possível, à regulamentação adjetiva ou processual, e nunca substantiva, determinando o como, o quando e o onde gastar.

A Constituição por seu turno prevê no artigo 238.º n.º1 que, “ as autarquias locais têm

património e finanças próprias”. Sendo que a Lei das Finanças Locais106 vem reafirmar este imperativo constitucional no seu artigo 6.º n.º1 sob a epígrafe “Princípio da autonomia financeira” , sendo afirmado mais adiante ( art. 10.º n.º 1) que às autarquias locais devem “ser

garantidos os meios adequados e necessários à prossecução do quadro de atribuições e competências que lhes é cometido nos termos da lei”, garantido assim, a par do princípio da

autonomia financeira das autarquias locais, o princípio da justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e aquelas.

Aos municípios é reconhecido pela Constituição como receitas próprias as provenientes da gestão do seu património, assim como as cobradas por utilização dos seus serviços – art. 238.º n.º 3 CRP.

105

Idem, ibidem, cit. p. 133.

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Mais relevante ainda, demonstrando a grande latitude que poderá atingir a autonomia financeira local, é a possibilidade que própria Constituição reconhece de as autarquias poderem ser titulares de poderes tributários (art.238.º n.º 4 da CRP).

Assim, temos basicamente 4 fontes de receias municipais: i) as provenientes de receitas fiscais;

ii) as provenientes da cobrança de taxas e preços;

iii) as resultantes de transferências do Orçamento do Estado;

iv) e finalmente as resultantes do recurso ao mercado de capitais, ao credito.

A autonomia financeira pressupõe assim, que às autarquias seja disponibilizado um conjunto vasto de recursos financeiro, quer de origem heterónoma – do Estado – como de origem própria – taxas, preços, etc. – contudo, e a própria Constituição di-lo, o Estado é

unitário (art. 6.º n.º 2 da Constituição), assim sendo as autarquias não constituem autarcias ou

realidades economicamente autossuficientes, fazem parte de uma realidade maior que é o Estado. Isso torna-se mais evidente quando se trata de questões orçamentais. Com efeito, os

deficits e os superavits dos orçamentos autárquicos condicionam o Orçamento Geral do

Estado, assim sendo, trata-se de um campo onde, apesar de se admitir apenas a tutela de legalidade, não menos certo é, que dado a uma efetiva interdependência entre o Estado e as autarquias, a tutela e a ponderação de interesses entre o Estado e as autarquias locais deve ser vista com especial cuidado.