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A natureza da figura constitucional da autonomia local é tradicionalmente qualificada pela doutrina como sendo uma garantia institucional160.

Trata-se de uma construção jurídica que tem a sua origem na doutrina alemã do início do séc. XX por influência, essencialmente, de Carl Shmitt161.

O seu nascimento encontra-se intimamente ligado ao artigo 127.º da Constituição de Weimar de 1919, onde se reconhecia aos municípios e às associações de municípios o direito à sua autonomia mas dentro dos limites das leis.

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Cfr. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2001, p.139 ;CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição . 7ªedição. Coimbra: Almedina, 2003, p.361. 161

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Colocava-se assim um problema: o de saber até que ponto iria a liberdade conformadora do legislador perante essa realidade constitucionalmente consagrada, mas que encontrava a sua definição totalmente dependente da decisão ulterior do legislador ordinário.

Essa debilidade foi reconhecida imediatamente pela doutrina da época que veio à qualificar tais garantias como carentes de valor ou ainda sem significado prático162.

Deve-se dizer ainda que, da Constituição de Weimar surge um legislador extremamente reforçado, sendo necessário assim conte-lo, para que não pudesses pôr em causa instituições

que se haviam anteriormente mostrado especialmente vigorosas.163

Ora, exatamente por forma a precaver eventuais investidas não justificada do legislador ordinário, surge a teoria das garantias institucionais que, embora reconhecendo o facto de não se estar perante direitos fundamentais, na medida que estas instituições, que encontram-se garantidas pela técnica das garantias institucionais, não existirem fora do Estado, existiam sim, dentro do Estado164 (v.g. autonomias funcional: Universidades165; autonomias territoriais: municípios etc.); de não se estar perante uma esfera de proteção que se impunha

de fora ao Estado, pois eram ainda órgãos de poder e com poder – nomeadamente de

autoridade; mas apesar de se reconhecer essa especificidade que os diferenciavam de outras realidades presentes na sociedade civil, concluía-se também que, não podiam estar à mercê do legislador ordinário, ao seu bel-prazer.

Mas a noção de garantia institucional não se bastará com a simples existência formal da figura tutelada, esta tem que manter os seus contornos fundamentais; há que conservar o seu núcleo essencial, pois é exatamente esse núcleo essencial que torna a realidade garantida reconhecível que não pode ser posto em causa pelo legislador.

É dado ao legislador ordinário uma ampla liberdade para conformar a instituição garantida, contudo, e recorrendo à técnica já conhecida da tutela dos direitos fundamentais, assegura-se a intangibilidade do que se considera o conteúdo essencial da instituição em causas166.

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Idem, ibidem p. 19.

163 Neste sentido, PARDO, José Esteves. Garantia Institucional y/o Funcion Constitucional en las Bases Del

Regimen Local. Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 11, Janeiro- Abril 1991, p.127.

164 Cfr. SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Alianza Editora, 1982, p. 178.

165 Em relação a estas, parte da doutrina e mesmo da jurisprudência têm vindo a considera-las detentoras de um

verdadeiro direito fundamental, neste sentido: COUTINHO, Luís Pedro Dias Pereira. As Faculdades normativas

universitárias no quadro do direito fundamental à autonomia universitária. Coimbra: Almedina, 2004, p.91 e ss.

e ainda LÓPEZ, Francisco de Borja. La Autonomia de las Universidades como Derecho Fundamentals-La

Construcción del Tribunal Constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1991, p. 79 e ss. 166 Cfr. art. 18.º n.º 3 da Constituição Portuguesa.

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A ideia base é que existe uma dada instituição a que a Constituição, no momento original, garante a sua existência tal como se apresentava. Na verdade a Constituição limita-se a reconhecer uma dada realidade social ou organizacional como relevante.

A Constituição toma conhecimento de uma realidade existente, no momento constituinte. Reconhece a fundamentalidade dessa mesma realidade institucional, e assim garante a sua existência. Há desta forma a garantia de “um conceito de instituição generalizada na

consciência coletiva e em particular da comunidade jurídica”167. Não existe assim a necessidade de a mesma ser diretamente regulada na constituição dado ao facto de existir já uma a projeção social e jurídica do que se trata. O que se pretende na verdade é, apenas e tão só, a garantia desses traços mínimos identificativos. Conservados esses contornos mínimos, que constituiriam o conteúdo essencial garantido, caberia ao legislador ordinário conformar tal realidade como em cada momento se mostrasse mais adequado.

Ora, essa noção inicial, de um mero reconhecimento por parte da Constituição de uma realidade institucional, não implica que a mesma se imobilize no momento constituinte, não sendo mais suscetível que ganhar novos contornos. Com efeito, a ideia de garantia institucional, não se reconduz a uma petrificação de uma dada instituição tal como fora consagrada no momento constituinte, muito pelo contrário. Existe uma ideia dinâmica, a garantia institucional há de se adaptar à própria visão social e jurídica do que será o núcleo mínimo definidor de uma determinada instituição, que faltando a descaracteriza, transfigurando-a em outra coisa qualquer que não a inicialmente garantida.

É deste modo, sempre permitido ao legislador ordinário a introdução de alterações à configuração inicial da instituição em causa, conformando-a, contudo é-lhe interdito introduzir alterações tão radicais que transformem a imagem institucional da mesma168.

Haveria assim um núcleo essencial169 da instituição, resistente à qualquer investida do legislador ordinário, e em redor desse núcleo haveria uma área exterior onde seria possível a intromissão do legislador ordinário170.

167 Carl Schmitt apud PARDO, José Esteves. Garantia Institucional…cit. p.127. 168 Idem, ibidem, p. 127.

169 Cfr. ALFONSO, Luciano Parejo. Garantia Institucional y Autonomia Locales. Madrid: I.E.A.L., 1981, p.40.

170 Neste sentido, mas referindo-se a existência de uma zona nuclear (sendo essa essencial a configuração da

noção de autarquia local) e de uma zona optativa (onde era concedido ao legislador uma ampla margem discricionariedade) SOUSA, Marcelo Rebelo de. Parecer : Distribuição pelo Municípios da Energia Eléctrica

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Mas, se o legislador ordinário é obrigado a respeitar esse núcleo essencial, tal como é apercebido pela comunidade, aquele não se assume como um espectador meramente passivo, ele atua ativamente induzindo a própria estruturação essencial da instituição garantida e assim há de, também ele, participar na evolução do que se há de considerar essencial ao núcleo da instituição em causa.171

Desta forma temos um movimento dinâmico, onde o legislador é ator e espectador ao mesmo tempo. Tal constatação compreende-se pelo facto de, apesar de tutelado tendo em conta a realidade do tempo constituinte, o núcleo essencial da garantia institucional há de se poder adaptar à evolução da representação social e também jurídica que a instituição vai sofrendo. O que se excluí é uma evolução jurídica per saltum172.

Ora, essa noção de um núcleo essencial garantido com uma natureza dinâmica implica que não se possa a priori definir claramente o conteúdo material desse núcleo173. Há que socorrer- se do intérprete do direito, que em cada caso concreto há de construir, segundo os condicionalismos do contexto temporal e espacial o que se há de considerar como pertencente a esse núcleo essencial.

1.3 Um eventual plus à garantia institucional: autonomia local