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A BASE B ÍBLICA PARA A I NSPIRAÇÃO

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 53-62)

A I NSPIRAÇÃO DAS E SCRITURAS

A BASE B ÍBLICA PARA A I NSPIRAÇÃO

Considerando que toda testemunha tem o direito de se expressar por si mesma, será examinada, em primeiro lugar, a reivindicação que os próprios escritores bíblicos fazem à inspiração divina. Muitos dos que compuseram as Escrituras eram participantes, ou testemunhas oculares, dos eventos a respeito dos quais escreveram.

O que era desde o princípio, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida (porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada), o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos (1 Jo 1.1-3).

Cada um deles, seja Moisés, Davi, Jeremias, Mateus, João, Pedro, ou Paulo, escreveu com base em suas próprias experiências à medida que Deus se revelava a eles (Ex 4.1-17; SI 32; Jr 12; At 1.1-3; 1 Co 15.6-8; 2 Co 1.3-11; 2 Pe 1.14-18). Mas seus escritos eram mais que relatos de pessoas envolvidas. Declaravam que escreviam não somente a respeito de Deus, mas também em prol de Deus. A sua palavra era a Palavra de Deus; a sua mensagem era a mensagem de Deus.

Em todo o Antigo Testamento, deparamo-nos com expressões tais como: "Falou o SENHOR a Moisés, dizendo" (Ex 14.1); "A palavra que veio a Jeremias, da parte do SENHOR, dizendo" (Jr 11.1); "Tu, pois, ó filho do homem, profetiza... e dize: Assim diz o SENHOR Deus" (Ez 39.1); "Assim diz o SENHOR" (Am 2.1). Tais declarações são usadas mais de 3.800 vezes, e demonstram com clareza que os escritores tinham consciência de estar entregando uma mensagem autorizada da parte de Deus.94

Os escritores do Novo Testamento não tinham, também, a menor dúvida de estarem falando em nome de Deus. Jesus não somente ordenou que os discípulos pregassem, mas também lhes disse o que deviam pregar (At 10.41-43). Suas palavras não eram "palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais" (1 Co 2.13). Esperavam que as pessoas reconhecessem que, por escrito, estavam elas recebendo "mandamentos do Senhor" (cf. 1 Co 14.37). Paulo podia garantir aos gálatas que, "acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto" (Gl 1.20), porque o tinha recebido da parte de Deus (Gl 1.6-20). Os tessalonicenses foram elogiados por terem recebido a mensagem "não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade) como palavra de Deus" (1 Ts 2.13). Preceitos e mandamentos eram escritos à comunidade em nome de Jesus, e deixar de observá-los podia ocasionar motivo para a exclusão do desobediente (2 Ts 3.6- 14). Assim como Deus tinha falado através dos santos profetas, agora o Senhor dava mandamentos através dos seus apóstolos (2 Pe 3.2). Receber , a vida eterna está vinculado com o ato de crer no testemunho de Deus (registrado pelos discípulos) a respeito do seu Filho (ljo 5.10-12).

Nestes trechos, e em outros semelhantes, fica evidente que os escritores do Novo Testamento estavam convictos de estarem declarando "todo o conselho de Deus" em obediência ao mandamento de Cristo e sob a orientação do Espírito Santo (At 20.27). Os escritores do Novo Testamento também reconheciam a autoridade total das Escrituras do Antigo Testamento, porque Deus "falou pelo Espírito Santo" através dos autores humanos (At 4.24,25; Hb 3.7; 10.15,16).

Paulo escreveu a Timóteo, asseverando que as Escrituras podiam fazê-lo "sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus" (2 Tm 3.15). O valor das Escrituras deriva- se de sua origem. Paulo indica que o mérito das Escrituras não está no escritor humano, mas no próprio Deus. Ele afirma: "Toda Escritura é inspirada por Deus" (2 Tm 3.16). O termo "inspiração" é derivado desse versículo, e aplicado à escrita da Bíblia. A palavra grega empregada aqui é theopneustos que, literalmente, significa "soprada por Deus". As versões mais recentes dizem com razão: "Toda Escritura é inspirada [soprada] por Deus" (NVI). Paulo não está dizendo que Deus soprou alguma característica divina nos escritos humanos das Escrituras, ou que toda a Escritura respira um ambiente de Deus, que fala dEle. O adjetivo grego (theopneustos) é claramente predicativo, e é usado para identificar a fonte originária de todas as Escrituras.95 Deus é o Autor, em

última análise. Logo, toda a Escritura é a voz de Deus, a Palavra de Deus (At 4.25; Hb 1.5-13).

O contexto de 2 Timóteo 3.16 tem em vista as Escrituras do Antigo Testamento. A declaração de Paulo é que a totalidade do Antigo Testamento é a revelação inspirada da parte de Deus. O fato de que o Novo Testamento ainda estava sendo escrito, exclui a mesma reivindicação interna e explícita para ele. Mesmo assim, algumas declarações específicas feitas pelos escritores do Novo Testamento subentendem que a inspiração das Escrituras estende-se à Bíblia inteira. Por exemplo, em 1 Timóteo 5.18 Paulo escreve: "Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário". Paulo está citando Deute-ronômio 25.4 e Lucas 10.7, considerando "Escritura" as cita- , ções tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Além disso, Pedro refere-se a todas as epístolas de Paulo que, embora tratassem a respeito da salvação divina, contêm "pontos difíceis de entender". Por isso, algumas pessoas as "torcem e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição" (2

Pe 3.16, grifos nossos). Note que Pedro coloca todas as Epístolas de Paulo na categoria de Escritura. Torcê-las é torcer a Palavra de Deus, resultando na destruição do transgressor. Os escritores do Novo Testamento comunicam "com as palavras que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais" (1 Co 2.13), assim como Jesus prometera (Jo 14.26; 16.13-15).

Na sua segunda epístola, Pedro fala de sua morte iminente e do seu desejo de que seus leitores se mantenham na verdade que ele já lhes havia compartilhado. Mostra- lhes que a fé em Cristo não é nenhuma invenção, e lembra-lhes de que ele mesmo era testemunha ocular daqueles eventos. Pedro estava com Cristo, vendo-o e ouvindo-o pessoalmente (2 Pe 1.12-18). O apóstolo passa, então, a escrever de algo mais firme que seu testemunho pessoal (2Pe 1.19). Falando das Escrituras, afirma que os autores humanos eram "levados adiante" (pheromenoi) pelo Espírito Santo ao comunicarem as coisas de Deus. O resultado disso era uma mensagem não iniciada pelos desígnios humanos nem produzida pelo mero raciocínio e pesquisa humanos (sem serem excluídas tais coisas). Pedro afiança: "Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo" (2 Pe 1.20,21).

O emprego que Pedro faz da expressão "profecia da Escritura" é um caso de pars

pro tota. Ou seja: uma parte da Escritura representa a totalidade desta. "O ímpeto que

levou à escrita provinha do Espírito Santo. Por essa razão, os leitores de Pedro devem prestar atenção... pois não é simplesmente a palavra dos homens, mas a Palavra de Deus". 96

Em virtude de sua inspiração pelo Espírito Santo, toda a Escritura é fonte de autoridade. Jesus garante que até o menor dos mandamentos bíblicos é importante e obrigatório:

"Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no Reino dos céus" (Mt 5.18,19).

A recompensa, ou o castigo, depende de nosso relacionamento com todos os mandamentos, incluindo-se o menor deles. Acusado de blasfêmia por haver reivindicado a própria divindade, Jesus apelou à expressão "sois 'deuses", que se acha no Salmo 82.6. Contra essa acusação, edificou a sua defesa na verdade, já bem aceita, de que até mesmo uma frase relativamente obscura das Escrituras não pode ser anulada (Jo 10.34,35). A razão por que não podia ser anulada era que, mesmo como fragmento da Escritura, não deixava de ser a Palavra de Deus.

MODOSDE INSPIRAÇÃO

Uma vez aceito o testemunho que as Escrituras dão acerca de si mesmas, fica mais que clara a sua divina inspiração. A medida que os autores humanos da Bíblia a compunham, o próprio Deus dava mostras inequívocas de achar-se envolvido neste processo de comunicação. E posto que na maioria dos casos a Bíblia não revela a forma de sua inspiração, várias teorias têm surgido a respeito. Cinco opiniões básicas são consideradas resumidamente nesta seção.

Intuição natural. A inspiração é meramente uma perspicácia natural nos

assuntos espirituais, exercida por pessoas bem dotadas. Assim como alguns têm aptidão para a matemática ou para a ciência, os escritores bíblicos teriam aptidão para as ideias

religiosas. Não se vê nisso qualquer envolvimento especial de Deus. A pessoa poderia ter a mesma inspiração natural para escrever uma poesia ou para compor um hino.

Iluminação especial. A inspiração seria uma intensificação, ou exaltação,

divina das percepções religiosas que todos os cristãos têm em comum. Os dons naturais dos escritores bíblicos teriam sido aguçados de alguma maneira pelo Espírito Santo, mas sem nenhuma orientação especial, ou comunicação da verdade divina.

Orientação dinâmica. A inspiração é a orientação especial pelo Espírito Santo,

dada aos escritores bíblicos, para garantir toda mensagem divina que trata de matérias concernentes à fé religiosa e ao viver piedoso. A ênfase recai nos pensamentos ou conceitos que Deus, querendo fossem comunicados, fornecia aos escritores humanos, aos quais dava plena liberdade quanto à expressão natural. Os elementos da fé e da prática religiosas eram assim orientados, mas as chamadas matérias não-essenciais dependiam totalmente (segundo essa opinião) dos conhecimentos, experiências, e escolhas dos próprios autores humanos.

Plenária verbal. A inspiração é a combinação entre a expressão natural dos

escritores e a iniciação e orientação especiais dos seus escritos concedidas pelo Espírito Santo. Mas o Espírito Santo não somente dirigia os pensamentos, ou conceitos dos escritores, como também supervisionava a seleção das palavras para a totalidade do texto (e não somente para as questões de fé e prática). O Espírito Santo garantia a exatidão e a suficiência de tudo quanto era escrito como a revelação da parte de Deus.

Ditado divino. A inspiração é a superintendência infalível da reprodução

mecânica das palavras divinas à medida que o Espírito Santo as ditava aos autores bíblicos. Estes, como obedientes estenógrafos, tudo registravam segundo as ordens especiais do Espírito Santo quanto ao conteúdo, vocabulário e estilo.

FORMULANDOUM CONCEITODA INSPIRAÇÃO

O conceito de inspiração deve levar em conta tudo quanto é necessário para a revelação divina ser comunicada com exatidão. O modo correto de inspiração deve incluir todos os elementos que a Bíblia postula tanto no ato de inspirar quanto nos efeitos desse ato. Deve também reservar um lugar apropriado à atividade de Deus e à atividade humana.

Ao examinarmos os dados fornecidos nas Escrituras, vários elementos envolvidos no ato de inspirar são apresentados com clareza. (1) Toda a Escritura é respirada por Deus; , procede da boca de Deus (2 Tm 3.16). (2) Os autores da Escritura falaram inspirados pelo Espírito Santo (2 Pe 1.21). (3) Os escritores sagrados não falavam segundo a própria vontade, mas de acordo com a vontade divina. (4) Todavia, eles tomavam parte ativa e dinâmica na produção das Escrituras. Não eram meros robôs (Lc 20.42; Jo 12.39; At 3.22).

Semelhantemente, a Escritura fornece soluções quanto ao ato de inspirar. (1) Toda a Escritura é respirada por Deus e, portanto, toda a Escritura é a Palavra de Deus (1 Co 14.37; 2 Tm 3.16). (2) Toda a Escritura é proveitosa; é uma regra completa e suficiente para a fé e prática (2 Tm 3.16,17). (3) Nenhuma linha da Escritura pode ser deixada de lado, anulada ou destruída; a totalidade da Escritura tem de ser aceita em sua integridade e plenitude (Jo 10.35). (4) A Escritura é mais fidedigna que qualquer observação meramente humana, seja empírica, seja científica, seja filosófica (2 Pe 1.12- 19). (5) Nenhuma parte da Escritura é condicionada, quanto à sua veracidade, por nenhuma limitação de seu autor humano (2 Pe 1.20). O condicionamento histórico normal, bem como a pecaminosidade e finitude humanas, são contrabalançados pela supervisão do Espírito Santo.

À luz dessas observações, extraídas da própria Escritura, pode-se fazer uma avaliação dos cinco modos de inspiração sugeridos. Tais conceitos, por considerarem a inspiração meramente um dom natural de iluminação, não prestam a devida atenção ao

fato de Deus haver "soprado"'a Escritura. O conceito da orientação dinâmica, que entende serem as questões de fé e práticas devidamente inspiradas, em contraste com os assuntos mais corriqueiros, não fornece nenhum método seguro para determinar o que é inspirado e o que não o é. Nem sequer leva em conta a declaração bíblica de que toda a Escritura é inspirada, inclusive os versículos tidos como obscuros.

O conceito do ditado divino na inspiração não reconhece devidamente o elemento humano - os estilos, expressões e ênfases específicos dos escritores de per si.

O conceito da inspiração verbal e plenária evita os exageros de se enfatizar a atividade de Deus a ponto de negligenciar a participação humana, ou de enfatizar a contribuição humana a ponto de desprezar o envolvimento divino na produção da Escritura. A totalidade da Escritura Sagrada é inspirada, pois seus autores a escreviam sob a supervisão e orientação do Espírito Santo. Isto permite variedades de estilo literário, gramática, vocabulário e outras peculiaridades humanas. Afinal, alguns escritores bíblicos tinham, sob o apanágio da providência de Deus, passado por longos anos de experiência e preparo incomparáveis. Eis por que foram usados por Deus para comunicar a sua mensagem (Moisés, Paulo).

Os conceitos da orientação dinâmica e os da inspiração verbal e plenária são sustentados por muito eruditos; tais conceitos reconhecem a obra do Espírito Santo, bem como as diferenças óbvias nos vocabulários e estilos dos escritores. Uma diferença importante entre as duas opiniões envolve a extensão da inspiração. Reconhecendo ter havido orientação do Espírito Santo, até onde esta se estende? No tocante aos escritos bíblicos, os defensores das várias opiniões dinâmicas sugeriram que a orientação do Espírito estendeu-se aos mistérios além do alcance da razão humana, ou somente até à mensagem da salvação, ou ainda até as palavras de Cristo, ou talvez até certos assuntos (tais como as seções didáticas ou proféticas, ou talvez a todas as matérias que se relacionam com a fé e prática cristãs). A inspiração plenária e verbal sustenta, porém, que a orientação do Espírito Santo estendia-se a todas as palavras dos documentos originais (os autógrafos).

No tocante à orientação do escritor pelo Espírito, tem-se sugerido que a influência do Espírito estendeu-se somente ao impulso original para se escrever, ou somente à seleção dos tópicos, ou apenas aos pensamentos ou ideias do autor, conforme este achasse melhor. Na inspiração plenária e verbal, todavia, a orientação do Espírito estendia-se até às próprias palavras que o escritor selecionava para expressar os seus pensamentos. O Espírito Santo não ditava as palavras, mas guiava o escritor para que este, livremente, escolhesse as palavras que realmente expressavam a mensagem de Deus. (Por exemplo, o escritor poderia ter escolhido "casa" ou "construção", segundo a sua preferência, mas não poderia ter escolhido "campo", pois isso teria mudado o conteúdo da mensagem.) 97

Qualquer combinação das sugestões no conceito da orientação dinâmica coloca-nos numa posição de relatividade quanto à extensão da inspiração das Escrituras. Esse posicionamento relativo requer seja aplicado algum princípio para diferenciar as partes inspiradas das não-inspiradas (ou mais inspiradas e menos inspiradas) da Bíblia. Vários princípios têm sido sugeridos: tudo quanto é razoável; tudo quanto é necessário para a salvação; tudo quanto é valioso para a fé e a prática; tudo quanto traz o Verbo; tudo quanto é querigma genuíno, ou tudo aquilo sobre o qual o Espírito dá testemunho especial. Todos os princípios desse tipo são subjetivos e centralizam-se no homem. Além disso, há o problema de quem aplicará o princípio de modo decisivo. A hierarquia eclesiástica, os estudiosos bíblicos e os teólogos, os cristãos individuais, todos desejariam o poder de escolha. Em última análise, o conceito da orientação dinâmica acaba derivando do homem a autoridade da Bíblia, em vez de derivá-la de Deus. Somente o conceito da inspiração plenária e verbal evita o problema da relatividade

teológica, sem deixar de levar em conta a variedade humana ao reconhecer que a inspiração estende-se à totalidade das Escrituras.

A inspiração plenária e verbal contém uma definição essencial no próprio nome. E a crença de que a Bíblia é inspirada nas próprias palavras (verbal) escolhidas pelos es- critores. É inspiração plenária (plena, total, inteira) porque todas as palavras-, em todos os escritos originais (autógrafos), são inspiradas. Uma definição mais técnica da inspiração segundo a perspectiva plenária e verbal poderia ser esta: A inspiração é o ato especial do Espírito Santo mediante o qual motivou os escritores bíblicos a escrever, orientando-os até mesmo no emprego das palavras, preservando-os de igual modo de todos os erros ou omissões.

Apesar de cada palavra da Bíblia ser inspirada por Deus, a sua veracidade depende do contexto, isto é: ela pode registrar autoritativamente o conteúdo inspirado e verídico de uma mentira. Quando, por exemplo, a serpente disse a Eva que esta não morreria se comesse do fruto proibido, estava, sem dúvida alguma, mentindo - pois Eva morreria! (Gn 3.4,5). No entanto, posto que a totalidade da Bíblia seja inspirada, as palavras do tentador, embora falsas, foram registradas com exatidão.

A inspiração verbal e plenária era a opinião da Igreja Primitiva. Durante os oito primeiros séculos da Igreja, nenhum líder eclesiástico, de vulto, ousou sustentar outra opinião. Procedimento similar foi adotado pelas igrejas cristãs ortodoxas até ao século XVIII. 98 A inspiração plenária e verbal continua sendo o conceito sustentado pelo

evangelicalismo.

A inspiração verbal e plenária eleva o conceito da inspiração até à plena infalibilidade, posto que todas as palavras são, em última análise, palavras de Deus. A Escritura é infalível porque é a Palavra de Deus, e Deus é infalível. Nas últimas décadas do século XX, alguns procuraram apoiar o conceito da inspiração plenária e verbal sem o corolário da infalibilidade. Como resposta, livros foram escritos, conferências, realizadas, e organizações formadas na tentativa de firmar o modo histórico de se entender a inspiração das Escrituras Sagradas. Uma fileira de fortes adjetivos tem sido acrescentada à expressão "plenária e verbal" até ao ponto de alguns insistirem que esta opinião teológica seja chamada "inspiração verbal plenária, infalível, inerrante, ilimitada". Quando investigamos o significado de tantos qualificativos, constatamos que é exatamente isto o que significa a "inspiração plenária e verbal"!

A INERRÂNCIA BÍBLICA

Uma mudança notável da terminologia que resultou dos debates na área da inspiração das Escrituras foi a preferência pelo termo "inerrância" ao invés de "infalibilidade". Isso tem a ver com a insistência de alguns no sentido de que podemos ter uma mensagem infalível com um texto bíblico errante.

"Infalibilidade" e "inerrância" são termos empregados para se aludir à veracidade das Escrituras. A Bíblia não falha; não erra; é a verdade em tudo quanto afirma (Mt 5.17,18; Jo 10.35). Embora tais termos nem sempre hajam sido empregados, os teólogos católicos, os reformadores protestantes, os evangélicos da atualidade (e, portanto, os pentecostais "clássicos"), têm afirmado ser a Bíblia inteiramente a verdade; nenhuma falsidade ou mentira lhe pode ser atribuída. 99 Clemente de Roma, Clemente de

Alexandria, Gregório Nazianso, Justino, o Mártir, Irineu, Tertuliano, Origenes, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino, e um número incontável de outros gigantes da história da Igreja, reconhecem que a Bíblia foi, de fato, inspirada por Deus, e que é inteiramente a verdade. Preste atenção à afirmação enfática de alguns destes notáveis:

Agostinho: "Creio com toda a firmeza que os autores sagrados estavam totalmente

Martinho Lutero: "As Escrituras nunca erram".101 "... onde as Sagradas

Escrituras estabelecem algo que deve ser crido, ali não devemos desviar-nos de suas palavras".102

João Calvino: "O registro seguro e infalível". "A regra certa e inerrante". "A

Palavra infalível de Deus". "Isenta de toda mancha ou defeito". 103

Provavelmente, os dois acontecimentos mais significativos no tocante à doutrina da infalibilidade e da inerrância foram a declaração sobre as Escrituras na Aliança de

Lausanne (1974) e a Declaração de Chicago (1978) do Concílio Internacional

da Inerrância Bíblica. A declaração de Lausanne oferece (segundo alguns) flexibilidade em demasia ao afirmar que a Bíblia é inerrante em tudo quanto afirma". (Isto é: pode haver coisas que não foram "afirmadas" na Bíblia.) Como resposta, a Declaração de

Chicago afirmou: "A Escritura na sua inteireza é inerrante, e está livre de toda a

falsidade, fraude ou logro. Negamos que a infalibilidade e inerrância da Bíblia limitam- se aos temas espirituais, religiosos ou redentores, excluindo-se as asseverações nos

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