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A C RIAÇÃO E A N ATUREZA DOS S ERES

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 131-142)

Timothy Munyon

A C RIAÇÃO E A N ATUREZA DOS S ERES

H

UMANOS

Os propósitos de Deus não podem ser separados da sua criação. Deus criou o Universo objetivando comunhão eterna com a humanidade. Os escritores sagrados, de forma inequívoca, atribuem a criação - tudo que existe e "não é Deus" - ao Deus trino e uno. Sendo Deus Criador, somente Ele merece nosso reverente temor e adoração. O fato de que o mesmo Deus está agora sustentando o Universo oferece-nos confiança durante as provações da vida. Além disso, a cosmovisão bíblica (à luz criacionista) afirma que a criação física é basicamente ordeira (tornando possível a ciência) e benéfica à existência humana. Além disso, os seres humanos são "bons" quando em relacionamento com Deus. E, finalmente, a totalidade da criação está avançando na direção do clímax redentor em Jesus Cristo, nos "novos céus e nova terra".

A TERMINOLOGIA BÍBLICAPARAA HUMANIDADE

Os escritores do Antigo Testamento tinham numerosos termos à sua disposição ao descrever o ser humano. Talvez o mais importante, que ocorre 562 vezes, seja 'adam.10

Esse termo refere-se à raça humana (tanto homens quanto mulheres) como a imagem de Deus e o ápice da criação (Gn 1.26-28; 2.7). A humanidade foi criada por aconselhamento divino especial (v. 26) - segundo o tipo divino (vv. 26,27) - e colocada numa posição acima do restante da criação (v. 28). Os escritores bíblicos empregavam a palavra 'adam para conotar "humanidade" (substantivo) ou "humano" (adjetivo). Menos frequentemente, a palavra se refere ao homem individual, Adão. Outro termo genérico, encontrado 44 vezes no Antigo Testamento, é 'enosh, cujo significado predominante é "humanidade" (Jó 28.13; SI 90.3; Is 13.12). A palavra pode, às vezes, referir-se a um indivíduo, mas somente no sentido mais geral (Is 56.2). O termo 'ish, que aparece 2.160 vezes no Antigo Testamento, é mais específico. Indica um homem como indivíduo masculino ou marido, embora às vezes usado para a "humanidade" de modo geral,

especialmente para distinguir entre Deus e o homem.71 Os escritores do Antigo

Testamento empregam o termo gever 66 vezes para retratar a juventude e a força, e até o aplicam a mulheres e crianças. Uma palavra correlata, gibbor, tipicamente refere-se a homens fortes, guerreiros - ou heróis.

Passando ao Novo Testamento, verificamos que o termo anthrõpos geralmente significa a "humanidade" e faz distinção entre os seres humanos e os animais (Mt 12.12), os anjos (1 Co4-9), Jesus Cristo (Gl 1.12; embora Ele seja anthrõpos em Fp 2.7; 1 Tm 2.5) e Deus (Jo 10.33; At 5.29). A palavra anthrõpinos também distingue a humanidade dos animais na ordem divina da criação (Tg 3.7) e ocasionalmente assinala a distinção entre Deus e o ser humano (At 17.24,25; 1 Co 4.3,4). As vezes, Paulo usa

anthrõpinos ao mencionar as limitações inerentes ao ser humano (Rm 6.19; 1 Co

2.13).72

Por causa do uso genérico de termos como 'adam, 'enosh, e anthrõpos, os crentes devem acautelar-se ao elaborar doutrinas que fazem distinção entre os papéis masculinos e os femininos. Muitas vezes, as versões bíblicas omitem a distinção entre os termos genéricos e os que especificam o sexo masculino. Mesmo quando usados os termos específicos para o sexo masculino (tais como 'ish ou gever, no Antigo Testa- mento, e anêr, no Novo Testamento), o ensino não deve ser limitado a apenas um dos sexos, pois não raro as palavras vão além do sentido restrito. A palavra "irmãos"

(adelphoi), por exemplo, normalmente um termo específico do sexo masculino, muitas

vezes inclui implicitamente as "irmãs".73

Os escritores sagrados frequentemente descrevem os seres humanos como criaturas pecaminosas, carentes de redenção. De fato, não podemos estudar a humanidade na Bíblia de modo abstrato, pois as declarações a este respeito "são sempre pronunciamentos parcialmente teológicos".74 Resumindo, os escritores retratam a

humanidade a perverter o conhecimento de Deus, em rebelião contra a sua lei (Gn 6.3,5; Rm 1.18-32; 1 Jo 1.10). Esta a razão do apelo de Cristo ao arrependimento (Mt 9.13; Mc 1.15; Lc 15.7; Jo 3.15-18), sendo acompanhado nisto por vários autores do Novo Testamento. Realmente, "Deus tem colocado os seres humanos como enfoque da sua atenção, visando redimi-los para si mesmo e habitar com eles para sempre". 75

A ORIGEMDA RAÇA HUMANA

Os escritores sagrados sustentam de modo consistente que Deus criou os seres humanos. Os textos bíblicos mais precisos indicam que Deus criou o primeiro homem diretamente do pó (úmido) da terra. Não há lugar aqui para o desenvolvimento paulatino de formas mais singelas de vida em outras mais complexas, tendo o ser humano como ponto culminante.76 Em Marcos 10.6, o próprio Jesus declara: "Desde o princípio da

criação, Deus os fez macho e fêmea". Não pode haver dúvida quanto ao desacordo do evolucionismo com o registro bíblico. A Bíblia indica com clareza que o primeiro homem e a primeira mulher foram criados à imagem de Deus, no princípio da criação (Mc 10.6), e não formados no decurso de milhões de anos de processos macroevolucionários.

Num trecho curioso, Gênesis registra a criação especial da mulher: "E da costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a Adão" (2.22). A palavra original traduzida por "costela" é tsela', termo este que não é usado em outra parte do Antigo Testamento nesse sentido. Em outros textos, significa o lado de uma colina, talvez um cume ou terraço (2 Sm 16.13), os lados da arca da aliança (Ex 25.12,14), uma câmara lateral de uma construção (1 Rs 6.5; Ez 41.6) e as folhas de uma porta dobradiça (1 Rs 6.34). Por isso, a palavra pode significar que Deus tomou parte do lado de Adão, inclusive ossos, carne, artérias, veias e nervos, posto a afirmação do próprio homem: "Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne" (Gn 2.23). A mulher foi feita "da mesma matéria" que o homem, compartilhava da mesma

essência. Além disso, esse e outros textos deixam claro que a mulher foi alvo direto da atividade criadora de Deus, da mesma maneira que o homem.

Os COMPONENTES BÁSICOSDOS SERES HUMANOS

Quais os componentes básicos dos seres humanos? A resposta a esta pergunta usualmente inclui um estudo dos termos "mente", "vontade", "corpo", "alma" e "espírito". Realmente, os escritores sagrados empregam uma ampla variedade de termos para descrever os componentes essenciais dos seres humanos.

A Bíblia menciona "coração", "mente", "rins", "lombos", "fígado", o "íntimo" e as "entranhas" como componentes das pessoas, que contribuem para a capacidade distintivamente humana de reagir a certas situações. Em hebraico, a palavra "coração"

(lev, levav) era usada no tocante ao órgão físico, porém mais frequentemente no sentido

abstrato, para descrever a natureza interior, a mente ou pensamentos íntimos, os sentimentos ou emoções, os impulsos profundos e até mesmo a vontade. No Novo Testamento, "coração" (kardia) também significa o órgão físico, mas primariamente a vida interior com suas emoções, pensamentos e vontade, bem como a habitação do Senhor e do Espírito Santo.

Os escritores do Antigo Testamento também empregavam o termo kilyah ("rins") para referir aos aspectos íntimos, secretos da personalidade. Jeremias, por exemplo, lamenta diante de Deus os seus compatriotas insinceros: "Tu sempre estás nos seus lábios, mas longe dos seus rins" (Jr 12.2, literal). No Novo Testamento, nephroi ("rins") é usado uma só vez (Ap 2.23), quando Jesus adverte o anjo da igreja em Tiatira: "E todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações" (ARA).

Às vezes, os escritores do Novo Testamento descrevem uma atitude com a palavra

splanchna ("entranhas"; ou "coração", 1 Jo 3.17). Jesus "teve compaixão" da multidão

(Mc 6.34; ver também 8.2). Em certo lugar, splanchna parece formar um paralelo com

kardia (2 Co 6.12); ou ocorre onde poderíamos esperar a palavra pneuma ("espírito", 2

Co 7.15).

O Novo Testamento menciona ainda a "mente" (nous, dianoia) e a "vontade"

(thelema, boulema, boulesis). A "mente" denota a faculdade da percepção intelectual,

bem como a capacidade de fazer julgamentos morais. Em certas ocorrências no pensamento grego, parece formar um paralelo com o termo "coração" (lev) do Antigo Testamento. Em outros trechos, parece que os gregos distinguiam os dois (ver Mc 12.30). Ao considerar a "vontade," a "vontade ou volição humana pode ser representada, por um lado, como um ato da mente que se dirige a uma escolha livre. Mas, por outro lado, pode ser motivada por um desejo que provém pressuroso do inconsciente".77 Posto

que os escritores sagrados usavam esses termos de várias maneiras (assim como fazemos na linguagem cotidiana), é difícil determinar com precisão, pelas Escrituras, onde termina a "mente" e começa a "vontade".

Observe que muitos dos termos estudado são um tanto ambíguos, e certamente coincidem parcialmente entre si em algumas ocasiões. Agora, nosso estudo passa aos termos "corpo", "alma" e "espírito". E possível incorporar todos os termos já mencionados em componentes como "alma" e "espírito"? Ou é artificial semelhante divisão, podendo-se esperar, no máximo, uma divisão material/imaterial?

Os escritores sagrados tinham uma ampla variedade de termos relativos ao "corpo". Para os hebreus, "carne" (basar, she'er) e "alma" (nephesh) podiam significar corpo (Lv 21.11; Nm 5.2, onde o significado parece ser "cadáver"). "Força" (me'od) dizia respeito ao poder físico do corpo (Dt 6.5). Os escritores do Novo Testamento mencionam a "carne" (sarx, que às vezes significava o corpo físico), a "força" (ischus) do corpo (Mc 12.30) ou, mais frequentemente, o "corpo" (soma), que ocorre 137 vezes.

Quanto a alma, o termo primário dos hebreus era nephesh, que ocorre 755 vezes no Antigo Testamento. Mais frequentemente, esse termo abrangente significa meramente "vida", "próprio-eu", "pessoa" (Js 2.13; 1 Rs 19.3; Jr 52.28). Quando usado nesse sentido amplo, nephesh descreve o que somos: almas, pessoas (neste sentido, não "possuímos" alma ou personalidade).78 Às vezes nephesh podia significar a "vontade" -

ou "desejo" - de uma pessoa (Gn 23.8; Dt 21.14). Ocasionalmente, porém, destaca aquele elemento nos seres humanos que possui vários apetites: a fome física (Dt 12.20), o impulso sexual (Jr 2.24) e o desejo moral (Is 26.8,9), no Antigo Testamento. Em Isaías 10.18 nephesh ocorre juntamente com "carne" (basar), aparentemente para denotar a pessoa inteira. 79

Os escritores do Novo Testamento usaram psuchê 101 vezes para descrever a alma humana. No pensamento grego, a "alma" pode ser: (1) a sede da vida, ou a própria vida (Mc 8.35); (2) a parte interna do ser humano, equivalente ao ego, à pessoa ou à personalidade (a Septuaginta traduz o heb. lev — "coração" - por psuchê 25 vezes); ou (3) a alma por contraste com o corpo. O termo psuchê, como elemento conceituai dos seres humanos, provavelmente significa "discernimento, vontade, disposição, sensações, poderes morais"80 (Mt 22.37). Não é fácil, porém, traçar linhas divisórias

definitivas entre os muitos significados dessa palavra.

O termo ruach é "espírito", encontrado 387 vezes no Antigo Testamento. Embora o significado básico seja "ar em movimento", "vento", "sopro", "hálito", ruach também denota "a totalidade da consciência imaterial do homem" (Pv 16.32; Is 26.9). Em Daniel 7.15, ruach está contido no seu invólucro, o "corpo".81 J. B. Payne indica que tanto

nephesh quanto ruach podem partir do corpo na ocasião da morte e, mesmo assim,

existir num estado separado dele (Gn 35.18; SI 86.13). 82

No Novo Testamento, o termo pneuma basicamente significa "vento" ou "hálito", referindo-se ao "espírito" de um homem ou de uma mulher. E o poder que as pessoas experimentam e que as relacionam com "o âmbito espiritual, a dimensão da realidade que jaz além da observação comum e do controle humano". O espírito, portanto, vincula os seres humanos ao mundo espiritual e os ajuda a interagir nessa dimensão. Em outras ocorrências, porém, por ocasião da morte, o espírito se afasta, e o corpo cessa de representar a pessoa inteira (Mt 27.50; Lc 23.46; At 7.59). 83

Depois desta breve resenha de termos bíblicos, permanecem algumas perguntas: Quais os elementos constituintes mais fundamentais dos seres humanos? Todos os termos aqui estudados podem ser classificados segundo a divisão "corpo, alma e espírito"? Devemos contrastar apenas o material com o imaterial? Ou devemos considerar que os seres humanos são uma unidade e, portanto, indivisíveis?

O tricotomismo. Os tricotomistas sustentam que o ser humano é constituído de três

elementos: corpo, alma e espírito. A composição física dos seres humanos é a parte material da sua constituição que os une aos demais seres viventes, inclusive as plantas e os animais. As plantas, os animais, os seres humanos, todos podem ser descritos em termos de existência física.

A "alma" é considerada o princípio da vida física ou animal. Os animais possuem uma alma básica e rudimentar: apresentam evidências de emoções e são descritos com o termo psuchê em Apocalipse 16.3 (ver também Gn 1.20, onde são descritos como

nephesh chayyah, "de alma vivente" no sentido de "indivíduos vivos" dotados de certa

medida de personalidade). Os seres humanos e os animais são distintos das plantas, em parte pela capacidade de expressar sua personalidade individual.

O "espírito" é considerado um poder sublime que estabelece os seres humanos na dimensão espiritual e os capacita à comunhão com Deus.5 Pode-se distinguir o espírito

da alma, sendo aquele "a sede das qualidades espirituais do indivíduo, ao passo que nesta residem os traços da personalidade". Embora distintos entre si, não é possível separar alma e espírito. Pearlman declara: "A alma sobrevive à morte porque é

energizada pelo espírito, mas alma e espírito são inseparáveis porque o espírito está entretecido na própria textura da alma. São fundidos e caldeados numa só substância". 84

Textos bíblicos que parecem apoiar o tricotomismo incluem 1 Tessalonicenses 5.23, onde Paulo pronuncia a bênção: "E todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plena- mente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo". Em 1 Coríntios 2.14-3.4, Paulo refere-se aos seres humanos como sarkikos (literalmente: "carnal" 3.1,3), psuchikos (literalmente: "segundo a alma", 2.14) e pneumatikos (literalmente: "espiritual", 2.15). Esses dois textos parecem demonstrar de forma ostensiva três componentes elementares. Vários outros textos parecem distinguir alma e espírito (1 Co 15.44; Hb 4.12).

O tricotomismo é bastante popular nos círculos conservadores. H. O. Wiley, porém, indica que erros podem ocorrer quando seus vários componentes ficam fora de equilíbrio. Os gnósticos, antigo grupo religioso sincretista que adotava elementos tanto do paganismo quanto do Cristianismo, sustentavam que, se o espírito emanava de Deus, era imune ao pecado. Os Apolinarianos, grupo herético do século IV condenado por vários concílios eclesiásticos, acreditavam que Cristo possuía corpo e alma, mas que o espírito humano fora substituído pelo Logos divino. Placeu (1596-1655 ou 1665), da Escola de Samur, na França, ensinava que somente o pneuma era criado diretamente por Deus. A alma, dizia, era mera vida animal e perecia com o corpo. 85

O dicotomismo. Os dicotomistas sustentam apenas dois elementos constituintes dos seres humanos: o material e o imaterial. Observam que, nos dois Testamentos, as palavras "alma" e "espírito" às vezes são usadas de modo intercambiável. Parece que assim ocorre com a colocação paralela de "espírito" e "alma" em Lucas 1.46,47: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador" (ver também Jó 27.3). Muitos texto bíblicos parecem subentender uma dupla divisão nos seres humanos, sendo que "alma" e "espírito" são usados como sinônimos. Em Mateus 6.25, o Senhor Jesus adverte: "Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida

[psuchê], pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso

corpo, pelo que haveis de vestir". Em Mateus 10.28, Ele diz: "Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma". Em 1 Coríntios 5.3, porém, Paulo fala em estar "ausente no corpo" (soma) mas "presente no espírito" (pneuma), sendo que os dois aspectos aparentemente abrangem a pessoa total. Além disso, há ocasiões em que perder o pneuma significa-morrer (Mt 27.50; Jo 19.30), assim como perder a psuchê envolve a morte (Mt 2.20; Lc 9.24).

A dicotomia é "provavelmente o conceito mais sustentado no decurso da maior parte da história do pensamento cristão".86 Seus adeptos, assim como acontece entre os

tricotomistas, têm a capacidade de declarar e defender suas opiniões sem cair em erros doutrinários. Pearlman declara: "Os dois pontos de vista são corretos, sendo devidamente compreendidos".87 Quando, porém, os componentes do dicotomismo

perdem o equilíbrio, podem surgir erros.

Os gnósticos adotavam um dualismo cosmológico, cujo impacto sobre o seu conceito dos seres humanos era significativo. Diziam que o Universo estava dividido entre um lado imaterial, espiritual, que era intrinsecamente bom, e um lado material, físico, intrinsecamente mau. Um abismo intransponível fazia a separação entre esses dois. aspectos do Universo. Paradoxalmente, os seres humanos eram formados por esses dois componentes. Como consequência dessa natureza dualista, os seres humanos podiam optar por um destes dois comportamentos: (1) pecar à vontade, pois o espírito bom nunca será maculado pelo corpo mau; (2) castigar o corpo mediante disciplinas ascéticas, por ser ele mau.

Na era moderna, Erickson cita erros doutrinários dentro da teologia liberal, tais como: (1) alguns liberais acreditam não ser o corpo parte essencial da natureza humana, ou seja, a pessoa pode funcionar muito bem sem ele; (2) alguns liberais chegam ao

ponto de apontar a ressurreição da alma em substituição à doutrina bíblica da res- surreição do corpo. 88

O monismo. O monismo, também uma cosmovisão, remonta "aos filósofos pré-

socráticos que apelavam a um único princípio unificador para explicar toda a diversidade da experiência observada".89 No entanto, pode adotar um enfoque muito

mais estreito, e o faz quando se aplica ao estudo dos seres humanos. Os monistas teológicos argumentam que os vários componentes dos seres humanos descritos na Bíblia perfazem uma unidade indivisível e radical. Parcialmente, o monismo era uma reação neo-ortodoxa ao liberalismo, que havia proposto uma ressurreição da alma, mas não a do corpo. Veremos, porém, que o monismo, ao reagir corretamente contra o erro do liberalismo, apresenta seus próprios problemas.

Os monistas defendem que, onde o Antigo Testamento emprega a palavra "carne"

(basar), os escritores do Novo Testamento aparentemente empregam tanto "carne"

(sarx) quanto "corpo" (soma). Qualquer desses termos pode referir-se ao ser humano inteiro porque, nos tempos bíblicos, ele era considerado um ser unificado. Segundo o monismo, pois, devemos considerar o ser humano como um todo unificado, e não como vários componentes que podem ser individualmente identificados e classificados. Quando os escritores sagrados falam de "corpo e alma... deve-se considerar uma descrição exaustiva da-personalidade humana. No conceito do Antigo Testamento", cada pessoa individual "é uma unidade psicofísica, carne animada pela alma". 90

A dificuldade do monismo, obviamente, é o fato de não deixar lugar para um estado intermediário entre a morte a ressurreição física no futuro. Esse ponto de vista discorda de numerosos textos bíblicos.91 Jesus também faz clara referência ao corpo e à alma

como elementos divisíveis quando adverte: "Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma" (Mt 10.28).

Tendo passado em revista várias opiniões a respeito do ser humano e observado possíveis erros dentro de cada posição, estamos prontos a formular uma síntese. Os escritores sagrados, segundo parece, empregam os termos de várias maneiras. "Alma" e "espírito" às vezes parecem sinônimos, ao passo que em outras ocasiões se apresentam distintos. Vários termos bíblicos, na realidade, parecem descrever a totalidade da pessoa humana, ou do próprio-eu, inclusive "homem", "carne"', "corpo" e "alma", bem como o substantivo composto "carne e sangue". O Antigo Testamento, talvez mais obviamente que o Novo, vê a pessoa individual como um ser unificado. Os seres humanos são humanos por causa de tudo quanto são. Fazem parte do mundo espiritual e podem relacionar-se com a realidade espiritual. São criaturas com emoções, vontade e moral. Fazem parte do mundo físico e podem, portanto, ser identificados como "carne e sangue" (Gl 1.16; Ef 6.12; Hb 2.14). O corpo físico, criado por Deus, não é inerentemente mau (era o que os gnósticos argumentavam, e parece que alguns cristãos assim acreditam hoje).

O ensino bíblico a respeito da natureza pecaminosa do ser humano caído é que todo ele está afetado, não apenas uma parte. 92 Além disso, os seres humanos - conforme os

conhecemos e a Bíblia identifica - não podem herdar o Reino de Deus (1 Co 15.50). Em primeiro lugar, é necessária uma mudança essencial. Acrescente-se que, quando o componente imaterial do ser humano parte, por ocasião da morte, nenhum dos dois elementos em separado pode ser descrito como um ser humano. O que permanece na terra é um cadáver, e o que partiu a estar com Cristo, um ser desencarnado, imaterial, ou espírito (que tem existência consciente pessoal, mas não "plenamente humana"). Na ressurreição do corpo, o espírito será reunido com um corpo ressurreto, transformado e imortal (1 Ts 4.13-17), e, mesmo assim, nunca mais será considerado humano, na concepção atual (1 Co 15.50).

Considerar o ser humano uma unidade condicional resulta em várias implicações. Primeira: o que afeta um elemento do ser humano afeta a pessoa inteira. A Bíblia vê a

pessoa como um ser global, "e o que toca numa parte afeta a totalidade". Em outras palavras, uma pessoa portadora de doença crônica (no corpo) por certo terá afetadas as emoções e a mente e até o canal da comunhão normal com Deus. Erickson observa: "O cristão que deseja ter saúde espiritual dedicará atenção a questões tais como a dieta, o repouso e o exercício".93 De modo semelhante, a pessoa que sofre certas pressões

mentais poderá manifestar sintomas físicos ou até mesmo doenças físicas.

Segunda: os conceitos bíblicos de salvação e santificação não devem ser considerados como a redução do corpo mau à escravidão do espírito bom. Quando os escritores do Novo Testamento mencionam a "carne" num sentido negativo (Rm 7.18; 8.4; 2 Co 10.2,3; 2 Pe 2.10), falam da natureza pecaminosa, e não especificamente do corpo físico. No processo da santificação, o Espírito Santo renova a pessoa inteira. De

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