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R EPUDIANDO O I NIMIGO : S ATANÁS E OS D EMÔNIOS

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 109-111)

Seres Espirituais Criados

R EPUDIANDO O I NIMIGO : S ATANÁS E OS D EMÔNIOS

Na pequena aldeia de Moettlingen, no Subda Alemanha, o pastor Johann Blumhardt viu-se exausto ao raiar do sol em 28 de dezembro de 1843. Era o fim de uma vigília que durara a noite inteira, em que ele havia orado fervorosamente pela cura e libertação de Gottlieben Dittus, uma jovem severamente atormentada por espíritos malignos.

Gottlieben fora ter com o pastor Blumhardt alguns meses antes, queixando-se de crises de desmaio e por ouvir vozes e barulhos estranhos durante a noite. De início, o pastor havia procurado ajudá-la mediante o aconselhamento. No entanto, quanto mais tempo passava com ela, tanto mais violentos se tornavam os seus sintomas e tormentos. Investigações na vida de Gottlieben revelaram que, em tenra idade, fora ela dedicada a Satanás por uma tia iníqua, que também a envolvera no ocultismo.

Blumhardt não podia tolerar ver a mulherser atormentada pelas forças das trevas. Não se afastava dele a ardente pergunta: "Quem é o Senhor?" E Blumhardt passou a preocupar-se com a nítida contradição entre o reino de um Deus soberano que liberta os cativos, e o sofrimento desnecessário de Gottlieben Dittus.

Ele simplesmente não conseguia aceitar tal contradição com passividade.

Ele entrou numa batalha (kampf) em prol da libertação de Gottlieben. Depois de numerosas sessões de oração na casa de Gottlieben, esta resolvera pela primeira vez chegar à casa do pastor Blumhardt para pedir oração, sinal óbvio de que ela mesma estava desejando a sua libertação. Pouco depois, Blumhardt achou-se no fim da vigília

supra meneionada. De repente, quando o sol começou a raiar naquela manhã de dezembro de 1843, um demônio exclamou: "Jesus é vencedor!" E Gottlieben ficou completamente liberta. 52

A CHAMADAAO DISCERNIMENTO

Tendo em vista o enfoque que o liberalismo protestante dá à experiência interior, devemos admirar a coragem que Blumhardt teve ao confrontar as forças das trevas com o poder do reino de Deus; e, assim, transformar, não somente a vida interior do crente, mas também as dimensões físicas e sociais da vida humana. Há necessidade urgente de semelhante audácia hoje em dia.

O mal causou tremendo impacto através de forças nefastas tais como o materialismo, o racismo, o sexismo e outras ideologias que negam tanto a Deus quanto o valor da vida humana. Existem, também, os relacionamentos destrutivos, revelados nos abusos contra esposas e filhos. Além disso, os crimes tornam-se cada vez mais frequentes nas ruas das cidades. E são incontáveis os desabrigados, sendo muitos destes, doentes mentais; eles percorrem as ruas buscando onde se refugiar. A pergunta que muitos levantam nos seus esforços para combater tais males é: para que meter o diabo nessa história toda?

A demonologia não desvia a atenção das causas dos males generalizados e de suas possíveis soluções? Não sustentava Rudolf Bultmann ser a demonologia unia fuga para uma cosmovisão mitológica antiquada?53 Se os problemas sociais e morais forem

elevados ao âmbito da luta entre a Igreja e as forças demoníacas, a Igreja não perde a sua capacidade de participar do tipo de diálogo humilde e análise sábia tão necessários para uma ação moral necessária?

A demonologia é trivializada e problemática quando confinada ao âmbito da fantasia mitológica que envolve criaturas escuras e feias, com chifres e patas. Semelhantes capri- chos da imaginação são facilmente deixados de lado pelo pensamento moderno. Semelhantes imagens e fantasias podem inclusive levar à preocupação malsã com um âmbito abstrato de horror, criado pela própria pessoa, bem diferente dos males concretos que oprimem as vidas humanas e que se opõem à vontade de Deus. Como consequência, C. S. Lewis tinha toda a razão ao dizer que parece que a demonologia , provoca, numa diversidade de culturas modernas, ou uma rejeição simplista da existência dos demônios, ou uma preocupação malsã com eles.54 Ambos os erros removem os crentes

do desafio real de repudiar as reais forças das trevas. Entende-se, agora, porque os cristãos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial, repudiavam o diabo e todas as suas obras, em sua resistência contra os nazistas.

ANTIGO TESTAMENTO

As Escrituras não estão dominadas pela preocupação com as forças demoníacas. A Bíblia ressalta o reino soberano de Deus, o evangelho da salvação, e as exigências da graça de Deus na vida dos redimidos. Embora as Escrituras não desconsiderem as forças das trevas, enfatizam o poder de Deus para redimir e para curar. Por outro lado, as sociedades antigas, coevas das Escrituras, produziam um conceito assustador do mundo. Acreditavam que os espíritos e os semideuses, alguns mais iníquos que outros, podiam intrometer-se como queriam na vida dos seres humanos.

Encantações complicadas, formas espíritas de comunicação e rituais mágicos desenvolveram-se em vários contextos cultuajs, na tentativa de outorgar ao homem comum certo controle nesse mundo ameaçador. Semelhante cosmovisão ainda pode ser encontrada nalgumas partes do mundo hoje.

Em contraste com esse conceito caótico e ameaçador do mundo, existia o testemunho incomparável que o Antigo Testamento prestava a respeito de Yahweh, o Senhor. Esse Deus e Criador não somente é o Senhor de Israel, como também o Senhor dos Exércitos que reina supremo sobre o universo inteiro. Nesta vida e na morte, temos

de nos entender com o Senhor, e com Ele somente. Somente Ele deve ser amado, temido e adorado (SI 139; Is 43). Em Israel, os espíritos que se avultuavam nas religiões doutros povos quase caíram no esquecimento diante da luz do Senhor soberano e de sua Palavra. Por isso, nenhuma comunicação ou encantação espírita, nem ritual mágico podia ocupar algum lugar na fé de Israel (Is 8.19-22). A demonologia não desempenha nenhum papel de destaque no Antigo Testamento.

Não queremos dizer com isso que não existe 'nenhum adversário satânico no Antigo Testamento.

A presença de semelhante adversário é encontrada logo na tentação de Adão e Eva no Jardim do Eden (Gn l-3). Nessa ocasião, o adversário, na forma de um réptil mui sagaz, alega estar falando em nome de Deus, e, assim, induz nossos primeiros pais ao pecado. Mas observe que esse tentador é descrito apenas como uma criatura entre as demais, e não como um deus que, dalguma maneira, pudesse medir forças com o Senhor, o Criador dos céus e da terra. Adão e Eva não foram confrontados com dois deuses, sendo um bom, e o outro, mau. Pelo contrário: são levados a escolher entre o mandamento do único Deus verdadeiro, e a palavra de uma criatura insinuante, cujo único alvo era contrariar a vontade de Deus. Na realidade, parece que o tentador desempenha um papel no teste a que Deus submete a fidelidade de nossos primeiros genitores.

Esse adversário aparece noutro drama importante no Antigo Testamento. No prólogo do Livro de Jó, questiona o Senhor no tocante à fidelidade de seu servo. E o Senhor dá- lhe licença para infligir os mais indescritíveis sofrimentos ao patriarca, ainda que dentro de certos limites. E este livro revela como Jó busca a Deus no meio das provações, e termina quando o Senhor lhe aparece de modo dramático (Jó 38). Por meio de uma série de perguntas, o Senhor leva Jó a aceitar o mistério da soberania divina sobre o mundo bem como sobre todos os assuntos da vida, por mais complexos que se mostrem. Só que, desta vez, o adversário não aparece. A verdade é que este não tem nenhum papel a desempenhar no Livro de Jó depois dos primeiros capítulos. Se Jó lutava, não era contra Satanás, mas com Deus.

Mesmo assim, Satanás e as forças das trevas não funcionam como mansos animais de estimação nas cortes celestiais, nem meramente como ferramentas do Senhor para provar a humanidade. Tanto em Gênesis quanto no prólogo de Jó, o adversário levanta genuína oposição contra a vontade de Deus à humanidade. O Livro de Daniel até retrata a batalha entre "o príncipe do reino da Pérsia" e um mensageiro angelical enviado para ministrar ao profeta (Dn 10.13). Embora Daniel não tivesse nenhum papel a desempenhar na batalha, as forças sinistras, por trás do reino persa, levantam séria oposição contra a mensagem que Deus lhe enviava. Deus é soberano, mas essa soberania não elimina a oposição que Satanás move contra a sua vontade.

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 109-111)