• Nenhum resultado encontrado

O S IGNIFICADO DE S ALVAÇÃO

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 182-187)

Daniel B Pecota

O S IGNIFICADO DE S ALVAÇÃO

O estudo da obra salvífica de Cristo deve começar pelo Antigo Testamento, onde descobrimos, nas ações e palavras divinas, a natureza redentora de Deus. Descobrimos tipos e predições específicos daquEle que estava para vir e do que Ele estava para fazer. Parte de nossas descobertas provém da terminologia empregada no Antigo Testamento para descrever a salvação, tanto a natural quanto a espiritual.

Qualquer um que tenha estudado o Antigo Testamento, hebraico sabe quão rico é o seu vocabulário. Os escritores sagrados empregam várias palavras que fazem referência ao conceito geral de "livramento" ou "salvação", seja no sentido natural, jurídico ou espiritual. 2 O enfoque recai em dois verbos: natsal e yasha'. O primeiro ocorre 212

vezes,3 mais frequentemente com o significado de "livrar" ou "libertar". Deus revelou a

Moisés ter descido para "livrar" Israel das mãos dos egípcios (Ex 3.8). Senaqueribe escreveu ao rei em Jerusalém: "O Deus de Ezequias não livrará o seu povo das minhas mãos" (2 Cr 32.17). Frequentemente, o salmista implorava o salvamento divino (SI 22.21; 35.17; 69.14; 71.2; 140.1). O emprego do verbo indica haver em vista uma "salvação" física, pessoal ou nacional.

O termo assume ainda conotação espiritual: a salvação mediante o perdão dos pecados. Davi apela a Deus para salvá-lo de todas as suas transgressões (SI 39.8).4 Em

Salmos 51.14, é provável que Davi tenha em mente a restauração e salvação espirituais pessoais, quando ora: "Livra-me dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação, e a minha língua louvará altamente a tua justiça".

Embora o Salmo 79 seja uma lamentação por causa da invasão de Israel e da profanação do Templo pelos inimigos, o salmista reconhece que um livramento só seria possível com o perdão dos seus pecados (v. 9).

A raiz yasha 'ocorre 354 vezes, sendo a maior concentração nos Salmos (136 vezes) e nos livros proféticos (cem vezes). Significa "salvar", "livrar", "conceder vitória" ou "ajudar". Ocasionalmente, a palavra ocorre sem matizes teológicas, por exemplo, quando Moisés defende as filhas de Reuel e as livra da ação opressiva dos pastores (Ex 2.17). Mais frequentemente, porém, tem Deus como o sujeito e o povo de Deus como o

objeto. Ele livrou os seus de todos os tipos de aflição, inclusive de inimigos nacionais e pessoais (Ex 14.30; Dt 20.4; Jz 3.9; Jr 17.14-18) e de calamidades (2 Cr 20.9). Por isso,

Yahweh é "Salvador" (Is 43.11,12), "meu Salvador" (SI 18.14) e "minha salvação" (2

Sm 22.3; SI 27.1).

Deus, mais frequentemente, escolhia representantes para trazer a salvação. No entanto, "os obstáculos a serem vencidos eram tão espetaculares que, sem a mínima dúvida, era necessária a ajuda especial da parte do próprio Deus".5 Em Ezequiel, o

termo assume qualidades morais. Deus promete: "E vos livrarei de todas as vossas imundícias" (36.29); "E os livrarei de todos os lugares de sua residência em que pecaram e os purificarei" (37.23).

Lendo o Antigo Testamento e considerando séria e literalmente a sua mensagem, 6

facilmente concluiremos que a salvação é um dos temas dominantes, e Deus, o protagonista. O tema da salvação já aparece em Gênesis 3.15, na promessa de que o Descendente - ou "semente" - da mulher esmagará a cabeça da serpente. "Este é o

protoevangelium, o primeiro vislumbre da salvação que virá através daquEle que

restaurará o homem à vida".7 Javé salvava o seu povo através de juízes (Jz 2.16,18) e

outros líderes, como Samuel (1 Sm 7.8) e Davi (1 Sm 19.5). Javé livrou até mesmo a Síria, inimiga de Israel, por meio de Naamã (2 Rs 5.1). Não há salvador à parte do Senhor (Is 43.11; 45.21; Os 13.4).

O texto clássico do emprego teológico de yasha', entre os narrativos, é Êxodo 14, onde Javé "salvou Israel da mão dos egípcios" (v. 30). O evento veio a ser o protótipo do que o Senhor faria no futuro para salvar o seu povo. Tudo indicando o tempo em que Deus traria a salvação, mediante o Servo sofredor - a todos, não somente a Israel. Em Isaías 49.6, Ele diz ao Servo: "Também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra". Os "atos salvíficos no Antigo Testamento vão preparando o palco para o derradeiro ato salvífico, que incluirá todas as pessoas sob suas bênçãos".8

No que diz respeito ao conceito de "salvar", "livrar" ou "libertar", a evidente riqueza lexical do Antigo Testamento não ocorre no Novo.9 Este emprega primariamente a

palavra sõzõ, que significa "salvar", "preservar" ou "tirar do perigo", e suas formas derivadas.10 Na Septuaginta, sõzõ traduz yasha' em sessenta por cento das ocorrências, e

sõtêria é empregada principalmente para os derivados de yasha'. O termo hebraico

sustenta o nome que o anjo anunciou a José: "... e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt 1.21). "O exegeta e filósofo judeu da Alexandria, Filo, atesta que o significado do nome era muitíssimo bem conhecido, ao interpretar assim o nome de Josué: Iêsous sõtêria kyriou - Jesus significa salvação medi- ante o Senhor".11 Por isso, a palavra empregada no Novo Testamento para a obra

salvífica de Cristo reflete ideias veterotestamentárias.

Sõzõ pode referir-se a salvar a pessoa da morte (Mt 8.25; At 27.20,31), da

enfermidade física (Mt 9.22; Mc 10.52; Lc 17.19; Tg 5.15), da possessão demoníaca (Lc 8.36) ou da morte que já sobreveio (Lc 8.50). Mas , na grande maioria das ocorrências, refere-se à salvação espiritual que Deus providenciou por meio de Cristo (1 Co 1.21; 1 Tm 1.15) e que as pessoas experimentam pela fé (Ef 2.8).

Embora o título "salvador" (gr. sõtêr) fosse atribuído pelos gregos aos seus deuses, líderes políticos e outros que trouxessem honra ou benefícios ao seu povo, na literatura cristã era aplicado somente a Deus (1 Tm 1.1) e a Cristo (At 13.23; Fp 3.20). O substantivo "salvação" (gr. sõtêria) aparece 45 vezes e se refere quase exclusivamente à salvação espiritual, que é a possessão presente e futura de todos os crentes verdadeiros.

12 Todavia, embora as palavras gregas traduzidas por "salvar" e "salvação" não sejam

muito frequentes, o próprio Jesus proclama o tema do Novo Testamento quando diz: "O Filho do Homem veio buscar e salvar [sõsai] o que se havia perdido" (Lc 19.10).

As N

ATUREZASDE

D

EUSEDA

H

UMANIDADE

A Bíblia, portanto, revela um Deus que salva, um Deus que redime. Por que é necessária a salvação espiritual? O que torna possível a salvação espiritual? São perguntas que surgem, e as respostas que oferecemos relacionam-se ao nosso modo de ver a natureza de Deus e a da humanidade. O que aconteceria se Deus não fosse como a Bíblia nos revela, e não tivéssemos sido criados à sua imagem e subsequentemente caído? A salvação, conforme a Bíblia a descreve, não teria sido possível nem necessária. Logo, o drama da redenção tem como pano de fundo o caráter de Deus e a natureza da criação humana.

A Bíblia deixa claro que todas as pessoas precisam de um Salvador e que elas não podem salvar a si mesmas. Desde a tentativa feita pelo primeiro casal de cobrir - se e de esconder-se de Deus (Gn 3) e a primeira rebeldia que culminou com um assassinato (Gn 4) até a última tentativa rebelde de desfazer os propósitos de Deus (Ap 20), a Bíblia é uma longa cantilena de atitudes degradadas e pecados deliberados da raça humana. O pensamento do iluminismo moderno, que mais comumente reflete ideias pelagianas,13

tem-se comprometido com a bondade essencial da humanidade. A despeito de tudo que tinha visto e experimentado, Anne Frank chega à conclusão, no seu diário: "Continuo crendo que as pessoas realmente têm bom coração".14 Boa parte do pensamento

moderno parece acreditar que necessitamos de educação, e não de salvação; de um campus, e não de uma cruz; de um planejador social, e não da propiciação de um Salvador. Todos esses pensamentos otimistas colocam-se em contradição direta contra o ensino das Escrituras.

Na coluna de nuvem e de fogo, nos trovões e nas trevas do Sinai e no estabelecimento do sistema sacrificial, com todos os seus preceitos e proibições, Deus procurava mostrar ao povo o abismo existente entre Ele e as pessoas, que somente Eterno poderia ligar. Talvez achemos cansativo ler os pormenores sobre quem, quando, como e o que Deus exigia e aceitava. Que significado têm para nós, que vivemos sob a nova aliança? Possivelmente, que Deus diz a todos nós: "Se você quer se aproximar de mim, seja segundo as minhas condições. Você não tem o direito de inventar o seu próprio caminho". Nadabe e Abiú aprenderam isso de modo fulminante (Lv 10.1,2; Nm 3.4), e todo o Israel com eles. Seria a experiência de Ananias e Safira (At 5.1-11) um exemplo paralelo? Deus não permitirá a ninguém brincar com o que é exigido por sua santidade.

A SANTIDADE EO AMORDE DEUS

Sendo nós ímpios e Deus pura santidade, como poderíamos pensar até mesmo em nos aproximar dEle? No entanto, isto é possível, porque Ele não só escolheu o caminho como o preparou: a cruz de Cristo. O Novo Testamento contém numerosas referências a "pecados" ou "pecadores" em conexão com a morte de Cristo. Eis algumas delas: "O qual por nossos pecados foi entregue" (Rm 4.25). "Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5.8). "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras" (1 Co 15.3). "Cristo padeceu uma vez pelos pecados" (1 Pe 3.18). Não existe a mínima possibilidade de se negar o ensino do Novo Testamento de que Jesus Cristo morreu para ligar o abismo entre um Deus santo e uma raça pecaminosa que não podia salvar a si mesma.

Ao consideramos as características de Deus, é importante evitar a tendência de tratar seus atributos de modo a neutralizar a unidade de sua natureza.15 Quando a Bíblia diz:

"Deus é amor", emprega o substantivo para descrevê-lo, não o adjetivo "amoroso", que seria uma caracterização mais fraca. Embora a Bíblia realmente fale em retidão, santidade, justiça e bondade de Deus, não menciona que Deus é retidão ou bondade.16

Tal fato tem levado alguns a afirmar: "Na realidade de Deus, o amor é mais fundamental que a justiça ou o poder, e é anterior a eles". E: "Se o poder, o controle e a soberania são as qualidades divinas preeminentes, segundo o calvinismo, então o amor, a sensibilidade e a receptividade, bem com a fidedignidade e a autoridade, são as qualidades essenciais de Deus, para os arminianos".17 Todavia, nenhuma investigação da natureza de Deus

deve considerar um atributo sobressaindo, reprimindo ou compensando a outro. Todos os termos empregados na Bíblia para descrever o caráter de Deus estão em pé de igualdade, como qualidades essenciais de sua natureza. NEle, portanto, a santidade e o amor, a retidão e a bondade não se colocam em oposição entre si.

Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento revelam-no como um Deus de santidade total (Lv 11.45; 19.2; Js 24.19; Is 6.3; Lc 1.49) e justiça reta (SI 119.142; Os 2.19; Jo 17.25; Ap 16.5).18 Ele não poderá tolerar nem desculpar a impiedade ou a iniquidade

(Hc 1.13).19 Constatamos esse fato quando Ele julga Adão e Eva; quando destrói a raça

humana no dilúvio; quando ordena a Israel que extermine os cananeus, cuja iniquidade já havia atingido uma "medida cheia" (Gn 15.16); quando julga seu próprio povo escolhido. Também no julgamento (final) de todos quantos rejeitaram seu Filho; e, mais importante de tudo, na cruz. 20

As Escrituras, porém, demonstram que, durante algum tempo, Deus esteve disposto a não levar em conta a ignorância da humanidade no tocante a idolatria, pesar de agora ordenar a todas as pessoas, em todos os lugares, que se arrependam (At 17.29,30). Nas gerações passadas, Deus "deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos" 'At 14.16), embora hoje deseje que se convertam "dessas vaidades" (14.15). Paulo diz que, na cruz, Deus procurou demonstrar sua justiça "pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus" (Rm 3.25). Deus suportou durante quatrocentos anos a iniquidade gritante dos amorreus (Gn 15.13), embora finalmente o seu julgamento tenha caído sobre eles com irresistível força. O Senhor não justifica o ímpio (Ex 23.7) "nem aceita recompensas [propinas]" (Dt 10.17). "Com justiça julgará o mundo e o povo, com equidade" (SI 98.9). "O que justifica o ímpio e o que condena o justo abomináveis são para o Senhor, tanto um como o outro" (Pv 17.15). Aquele que põe à prova a paciência de Deus "entesoura ira para si no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus" (Rm 2.5).

Tentativas de enfraquecer o significado das palavras que descrevem Deus e suas ações, talvez por considerá-las expressões exageradas do desagrado de Deus à desobedi- ência, levam à tolice semântica. Se, pois, rejeitarmos o seu sentido integral, que diríamos dos termos que descrevem seu amor e sua graça? Enfraquecer um grupo de palavras é enfraquecer a outro. A cruz, e tudo quanto ela subentende, só fará sentido diante de um Deus reto e justo, que exige julgamento. De outra forma, a agonia de Cristo no Getsêmani e sua morte excruciante teriam sido mero teatro de Páscoa. Além disso, o Deus amoroso seria transformado em nulidade. Se Ele não está realmente irado com o pecado nem exigindo sua condenação, a cruz seria o menos amoroso dos atos.

A BONDADE, GRAÇAE MISERICÓRDIADE DEUS

A Bíblia mostra que devemos levar em conta a santidade e retidão da natureza divina ao considerar a mensagem de salvação. Da mesma forma, entretanto, revela que a natureza de Deus é boa na sua própria essência. O Antigo Testamento afirma continuamente que o Senhor é bom (heb. tov) B e que Ele somente faz coisas boas. O

salmista nos convida: "Provai e vede que o Senhor é bom" (SI 34.8). Também declara: "O Senhor é bom" (100.5) e diz ao Senhor: "Tu és bom e abençoador" (119.68). Certo escritor declara: "A palavra 'bom' é o termo mais compreensível para louvar a excelência de alguma coisa". Quando aplicado a Deus, subentende a perfeição absoluta dessa característica nEle. Nada existe nEle que o possa tornar "não-bom". Por isso, a atividade redentora de Deus expressa a sua bondade, conforme evidencia a declaração

bíblica de que Ele não deseja (gr. boulomaí) "que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (2 Pe 3.9).21

A bondade de Deus, que o levou a adiar seu julgamento e salvar a humanidade, é expressa por várias ideias-chaves (embora não apareçam tão frequentemente indicando características afetivas de Deus). A Bíblia afirma com clareza sua paciência, longanimidade e tolerância, sendo que os escritores do Antigo Testamento expressam esse conceito mais frequentemente com a expressão "tardio em irar-se".22 No Novo

Testamento, a palavra primária (neste assunto) segue o modelo hebraico. Em 2 Pedro lemos que o Senhor "é longânimo [gr. makrothumei] para convosco, não querendo que alguns se percam" (3.9). Pedro diz também: "Tende por salvação a longanimidade [gr.

makrothumia] de nosso Senhor" (2 Pe 3.15). Em Romanos 2.4, Paulo emprega anochê

(que significa "moderação", "tolerância", paciência" 23) ao advertir os que julgavam ao

próximo - pois faziam as mesmas coisas - a não desprezar "as riquezas da sua benignidade, e paciência, e longanimidade". Em alguns aspectos, a paciência de Deus reflete mais uma razão reativa que pró-ativa24 ao fornecer a salvação por meio de Cristo.

Mas, não fosse a sua tolerância, quem poderia ser salvo?

A Bíblia revela a natureza salvífica de Deus ao descrever sua misericórdia, que é mais uma ação que uma qualidade. A paciência não requer ação, a misericórdia, sim. Mas não existe aqui nenhum tipo de dicotomia. A ideia essencial de misericórdia requer uma condição: quem a recebe não tem méritos para exigi-la. Havendo méritos, deixa de ser misericórdia. À condição superior de quem concede a misericórdia, porém, não conduz ao protecionismo. Pelo contrário, Deus humilhou-se a si mesmo e se tornou um de nós - a expressão ulterior da misericórdia.

No Antigo Testamento, cinco importantes grupos de palavras referem-se à misericórdia, compaixão e bondade de Deus.25 Ao refletir sobre o que Deus havia feito

no passado em favor do povo da aliança, Isaías diz: "Pelo seu amor [heb. 'ahavah] e pela sua compaixão [heb. chemlah], ele os remiu" (63.9). Davi compara a compaixão (heb. rachem) do Senhor à compaixão de um pai (SI 103.13). Salmos 116.5 diz: "O nosso Deus tem misericórdia" (heb. rachem). O Novo Testamento emprega primariamente eleos e suas formas derivadas, que se encontram principalmente nos escritos de Paulo (26 vezes) e em Lucas e Atos (vinte vezes). Nos evangelhos sinóticos,26 o verbo (gr. eleeõ) aparece principalmente nos pedidos de misericórdia

dirigidos a Jesus, "filho de Davi" (Mt 9.27; Mc 10.47), ao passo que nas Epístolas a palavra refere-se principalmente a Deus, demonstrando misericórdia ou deixando de demonstrá-la (Rm 9.15-18; 1 Pe 2.10). A misericórdia é tanto humana (Mt 23.23; Tg 3.17) quanto divina (Rm 15.9; Hb 4.16; 1 Pe 1.3).

Quatro passagens do Novo Testamento que colocam juntas a misericórdia e a salvação exigem atenção especial. Em Lucas 1, o grandioso capítulo que introduz a redenção divina final, a palavra "misericórdia" ocorre cinco vezes (vv. 50,54,58,72,78).27 Maria, no seu cântico (Magnificat), regozija-se em Deus porque Ele

"atentou na humildade de sua serva" (v. 48), mas ela inclui na misericórdia divina "os que o temem" (v. 50) e "seu servo Israel" (v. 54).28 A inspirada profecia de Zacarias

revela de modo especial a conexão entre a misericórdia e a salvação. Na primeira estrofe, enfatiza uma salvação vindoura semelhante a do Êxodo, "para manifestar misericórdia a nossos pais" (v. 72). Na segunda estrofe, porém, canta o "conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados, pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus" (vv. 77,78).

Na segunda passagem, Romanos 11.28-32, Paulo, concluindo a explicação do lugar de Israel no plano de Deus, refere-se à misericórdia divina outorgada aos gentios, antes desobedientes, a fim de que os israelitas, agora desobedientes, recebessem misericórdia. Paulo diz que Deus encerrou a humanidade globalmente29 na desobediência a fim de que

Na terceira passagem, Efésios 2.4,5, Paulo revela a operação do amor, misericórdia e graça de Deus na nossa salvação. O sentido literal é o que temos em nossa Bíblia [ARC]: "Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou... nos vivificou juntamente com Cristo". A riqueza de sua misericórdia levou- o a salvar.

Na quarta passagem, Tito 3.4,5, Paulo liga a misericórdia a duas outras palavras de ternura. Deus manifestou sua benignidade31 e sua caridade32 quando nos salvou, "não

pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a sua misericórdia". A parábola do credor incompassivo, em Mateus 18.23-34, ilustra o ensino neotestamentário da misericórdia de Deus. Embora o primeiro servo devesse uma soma impossível de restituir, o rei não buscava, sem misericórdia, extraí-la dele. Pelo contrário, perdoou-lhe graciosamente. Em Cristo, Deus tem feito o mesmo em nosso favor.

Outra maneira de Deus demonstrar sua bondade é na graça salvífica. As palavras mais frequentemente usadas no Antigo Testamento para transmitir a ideia de graça são

chanan ("demonstrar favor" ou "ser gracioso") e suas formas derivadas (especialmente chên) e chesedh ("bondade fiel" ou "amor infalível"). A primeira refere-se usualmente

ao favor de livrar o seu povo dos inimigos (2 Rs 13.23; SI 6.2,7) ou aos rogos pelo perdão de pecados (SI 41.4; 51.1). Isaías revela que o Senhor anseia por ser gracioso com o seu povo (Is 30.18). Mas a salvação pessoal não é o assunto de nenhum desses textos. O substantivo chên aparece principalmente na frase "achar favor aos olhos de alguém" (dos homens: Gn 30.27; 1 Sm 20.29; de Deus: Êx 34.9; 2 Sm 15.25). Chesedh contém sempre um elemento de lealdade às alianças e promessas, expresso espontaneamente em atos de misericórdia e amor. No Antigo Testamento, a ênfase recai sobre o favor demonstrado ao povo da aliança, embora as demais nações também estejam incluídas. 33

No Novo Testamento, a "graça", como o dom imerecido mediante o qual as pessoas são salvas, aparece primariamente nos escritos de Paulo.34 É um "conceito central que

expressa mais claramente seu modo de entender o evento da salvação... demonstrando livre graça imerecida. O elemento da liberdade ... é essencial". Paulo enfatiza a ação de Deus, e não a sua natureza. "Ele não fala do Deus gracioso; fala da graça concretizada na cruz de Cristo".35 Em Efésios 1.7, Paulo afirma: "Em quem temos a redenção pelo

seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça", pois "pela graça sois salvos" (Ef 2.5,8).

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 182-187)