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O M ÉTODO T EOLÓGICO

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 30-33)

James H Railey, Jr Benny C Aker

O M ÉTODO T EOLÓGICO

Visto ser importante que a teologia sistemática se baseie na Bíblia, nesta seção lidaremos com o método teológico, especialmente na sua interação com a exegese e a teologia bíblica.

A EXEGESEEA TEOLOGIA BÍBLICACOMO MATRIZ

Várias etapas de desenvolvimento existem nesse processo teológico, onde a pessoa passa da Bíblia à teologia sistemática: (1) a exegese e a interpretação dos textos individuais; (2) a síntese dessas interpretações de conformidade com algum sistema de teologia bíblica;28 e (3) a apresentação desses ensinos na linguagem do próprio teólogo

sistemático, visando suas próprias necessidades e as do seu povo.29

Na teologia ocidental, é comum utilizar-se de algum princípio organizador, empregado na formulação de um conjunto coerente de doutrinas. Em seguida, a teologia bíblica é apresentada (sem nenhuma alteração de seu significado) numa linguagem clara a fim de comunicar a mensagem de Deus, ajudando os fiéis a solucionar os seus problemas.

Para manter o nível da autoridade bíblica no decurso da elaboração da teologia sistemática, é necessário que a pessoa que elabora tais estudos evite a dedução. Com isso, queremos dizer que o teólogo não deve começar com uma declaração teológica geral, tentando impô-la ao texto bíblico para obrigar a Bíblia a dizer o que ele quer, torcendo o significado real do texto. Pelo contrário: o estudo exegético cuidadoso do texto bíblico deve levar (indutivamente) a uma declaração teológica.

A NATUREZAEA FUNÇÃODA EXEGESE

O alvo da exegese é deixar as Escrituras dizerem o que o Espírito Santo pretendia que se dissesse no seu contexto original. No caso de cada texto, portanto, o intérprete deve analisar o contexto social e histórico, o gênero literário e outros fatores afins, e a luz lançada pelos idiomas originais. Faremos algumas observações a respeito de cada um desses fatores, nesta mesma ordem.

Quanto ao contexto social e histórico, o escritor bíblico pressupunha que seus ouvintes possuíam certa base cultural e histórica comum a todos. Boa parte desta era tomada por certa mais que declarada. Devemos tomar o cuidado de não supor ingenuamente ser a base cultural e histórica do escritor bíblico a mesma de nossos dias. Não é a mesma. Entre o intérprete e qualquer texto bíblico há vastas diferenças culturais e históricas.

Howard C. Kee explica que o significado de uma palavra pode ser determinado somente pelo exame do contexto social em que é usada. Por exemplo: tendo consciência dos fatores sociais e culturais, podemos ver que Mateus emprega o termo "justiça" como "uma qualidade de comportamento... exigida por Deus, e que deve ser posta em prática pelos seus servos fiéis", ao passo que Paulo, num contexto diferente, emprega-o no sentido de uma "ação mediante a qual Deus endireita as coisas”. 30

Além disso, devemos tomar consciência do gênero literário, do tipo específico de documento ou forma literária que estamos examinando. Ter consciência da natureza de um documento é um dos princípios fundamentais da interpretação.31 A não ser que

saibamos como um texto foi composto, e o motivo pelo qual o foi, não perceberemos o seu sentido.

A Bíblia é composta por diferentes gêneros literários: narrativa histórica (Gênesis, Rute, Crônicas e Atos dos Apóstolos),32 poesia (Salmos, Jó eProvérbios), evangelho

(narrativa episódica com sermões, dirigida a públicos específicos), epístolas (cartas), apocalipse e profecia (o livro do Apocalipse). Ao estudarmos o gênero literário que o escritor bíblico emprega, e por que ele o emprega, poderemos interpretá-lo mais facilmente.

O gênero literário muito interessa ao pentecostal em virtude da teologia da evidência inicial, interpretação esta que depende parcialmente do gênero de Atos. Os pentecostais e os evangélicos têm debatido o seu gênero literário, sendo que estes últimos, muitas vezes, tratam Atos como mera história. Os pentecostais, por outro lado, argumentam que Atos é de natureza teológica, 33 muito semelhante ao Evangelho de Lucas, posto que

Lucas haja escrito ambos os livros. Podemos, portanto, usar Atos como fonte originária de doutrina. 34

Outro campo de interesse é o significado das palavras bíblicas. Nesse assunto, devemos evitar a falácia da raiz. Esta, em termos simples, ocorre quando a etimologia de uma palavra (significado de sua raiz) é aplicada a esta todas as vezes que aquela aparece. Ou, conforme às vezes se observa, a etimologia é aplicada a alguns casos escolhidos em que a palavra surge a fim de apoiar o ponto de vista do intérprete. E, porém, o uso, e não a derivação, que determina o significado. (Por exemplo,

praevenire [em latim "ir adiante de"] e prevent, em inglês, tinham o mesmo

significado, mas hoje prevent significa "impedir"). O contexto, portanto, é da máxima importância. Determinada palavra pode possuir grande variedade de significados, mas, num contexto específico, somente um deles será válido.

CRÍTICA, INTERPRETAÇÃOE TEOLOGIADA BÍBLIA

A crítica bíblica35 foi desenvolvida depois da Reforma. As duas divisões principais

da crítica bíblica, anteriormente denominadas de alta e baixa crítica, agora são usualmente chamadas crítica histórica e crítica textual, respectivamente. Os conservadores e os liberais igualmente trabalham em ambas as áreas, posto serem necessárias na exegese. Além disso, oferecem grande ajuda na compreensão da Bíblia. A crítica histórica ajuda-nos a conhecer com mais exatidão o contexto social e cultural de um texto ou livro da Bíblia, levando-nos a interpretá-lo com mais exatidão. As fontes primárias das informações históricas incluem a própria Bíblia, as obras dos historiadores seculares e as descobertas arqueológicas. Os documentos secundários incluem as obras dos vários intérpretes, tanto antigos quanto modernos.

A crítica textual é a ciência que examina as cópias feitas à mão (manuscritos) da Bíblia em hebraico, aramaico e grego, e que procura recuperar o que os escritores inspirados realmente escreveram. 36 Existem milhares de manuscritos antigos da Bíblia,

e todos eles têm diferenças esparsas na linguagem, na ordem das palavras, e na omissão ou acréscimo de palavras. 37 Tratam-se, muitas vezes, dos erros cometi- , dos pelos

copistas. Outras mudanças podem ter sido deliberadas, inclusive na atualização da linguagem. A crítica textual emprega métodos objetivos e científicos para comparar os vários textos, e descobrir qual o mais correto. 38

Por um lado, alguns intérpretes têm aplicado ao texto bíblico hipóteses imaginárias, influenciados pelas modernas teorias sobre a História (que usualmente envolve a negação do aspecto sobrenatural). Por outro lado, reconhecemos ser a interpretação mais acertada a que considera ter sido a totalidade das Escrituras inspirada por Deus, possuindo, por conseguinte, uma natureza especial que merece respeito. Quando nos ocupamos da crítica bíblica, o ideal é não atacarmos a Bíblia (embora muitos o façam). Pelo contrário: atacamos o nosso próprio modo de

entender a Bíblia a fim de harmonizar nossa interpretação com o significado original das Escrituras. 39

Por exemplo: os intérpretes pentecostais vêm, já algum tempo, empregando o que podemos chamar "crítica narrativa" na sua forma mais simples. Os defensores do batismo no Espírito Santo argumentam em favor de uma teologia de evidência inicial em Atos dos Apóstolos, crendo que o falar noutras línguas é normativa. Pois a narrativa menciona frequentemente que o fenômeno ocorre quando o Espírito Santo enche alguém com sua plenitude. As repetições na narrativa fornecem paradigmas de comportamento, dando força e expressão à teologia.40 Ou seja: o que Lucas registrou em

Atos foi com a intenção de demonstrar-nos que o falar noutras línguas não é somente a evidência inicial e física como também a evidência convincente que nos deixa saber quando uma pessoa foi realmente batizada no Espírito Santo.

O teólogo conservador crê estar a narrativa arraigada à história (a história é o meio pelo qual teria sido efetivada a revelação).41 Ao proceder a narrativa, o autor sagrado foi

orientado pelo Espírito Santo na seleção daquilo que serviria ao seu propósito, omitindo o restante.

Tomemos como exemplo o capítulo 2 de Atos para demonstrar o que estamos dizendo. Este texto é um dos relatos mais amplos do livro de Atos dos Apóstolos. Determinamos B ser uma narrativa específica por levar-nos a distinguir seus limites

dentro dos quais é possível divisar os personagens, o enredo e o ponto culminante. O capítulo tem três partes: a vinda do Espírito Santo, a atitude do povo e o sermão de Pedro.42

O âmago da narrativa (a mensagem de Pedro) explica a função teológica das línguas e da vinda do Espírito Santo. As línguas são o sinal de que a prometida era da salvação e do Espírito Santo já havia chegado; as línguas evidenciam que o Espírito Santo já revestiu a Igreja de poder para testemunhar de Jesus. Além disso, o propósito primário das línguas é testificar que as escrituras do Antigo Testamento profetizaram a respeito da presente era do Espírito. Ou seja: todo o povo de Deus receberia o Espírito e falaria noutras línguas, e que as línguas seriam a evidência de que Deus ressuscitara a Jesus dentre os mortos e o exaltara, ascendendo-o ao céu. Aí está Ele, agora, derramando o Espírito. Além disso, os que falam em línguas dão testemunho da salvação e do evange- lho de Jesus (cf. 1.8), da vinda do Reino de Deus que, agora mesmo, está confrontando com sinais e prodígios as potências das trevas. Lucas, inspirado pelo Espírito Santo, selecionou os elementos principais do Dia de Pentecostes, e os descreveu nessa breve narrativa a fim de convencer seus leitores a buscar o batismo no Espírito Santo.

A ênfase na vinda do Espírito com poder é o tema principal no Evangelho de Lucas e em Atos dos Apóstolos. O fato dá a entender que os leitores de Lucas não haviam recebido o batismo no Espírito Santo, sendo este mui comum na Igreja Primitiva. Seus leitores, portanto, devem receber o batismo com o sinal do falar em línguas. Esse revestimento de poder impulsionaria-os a se lançarem no mundo como uma comunidade poderosa de testemunho.

A narrativa era comum na antiguidade, e ainda o é em muitos lugares, especialmente nos países do chamado Terceiro Mundo. Além disso, está em franca ascensão no Oci- dente. Ela comunica de modo indireto: o narrador expõe os seus argumentos através de elementos tais como o diálogo e o comportamento. Assim, o comportamento torna-se paradigma daquilo que os leitores devem valorizar e seguir (em Atos 2, receber o Espírito com o falar em outras línguas fez-se normativo).

A narrativa e o estilo indireto são contrastados com os tipos de literatura que comunicam de modo direto. Na comunicação direta, o autor ensina na primeira pessoa de maneira proposicional. Um exemplo de orientação na Bíblia é a forma epistolar. A Bíblia contém teologia, tanto narrativa quanto proposicional.

No documento Teologia Sistemática - Stanley Horton (páginas 30-33)