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F: Aqui era Capital Federal.

6.2.2 A base verbal ver

Os MDs de base verbal perceptivo-visual com sentido de ―compreender como se requer‖, como estratégia de regulação da interação através da manutenção do espaço de atenção, estão agrupados por semelhança em ver(x). Esse agrupamento maior subdivide-se em conjuntos menores por semelhança mais especificada na composição de seus types. As construções de base verbal ver sem preenchimento da segunda subparte estão agrupadas em ver(ᴓ); as com preenchimento da segunda subparte composta por um advérbio com função locativa estão agrupadas em ver(loc); as com preenchimento da segunda subparte composta por um advérbio com função focalizadora estão agrupadas em ver(foc). Essas três famílias de mesoconstruções‘‘ apresentadas sancionam as seguintes microconstruções:

- mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ): vê, veja, vejam, vejamos e viu; - mesoconstrução‘‘ ver(loc): vê lá e veja lá;

- mesoconstrução‘‘ ver(foc): vê só, veja só, vejam só, vê bem, veja bem e vejam bem.

Abaixo, apresentamos um quadro demonstrativo com a frequência token e a frequência type das microconstruções que licenciam a mesoconstrução‘ ver(x).

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Deixamos de relacionar os links por polissemia não só por uma necessidade de aprofundamento teórico e analítico, mas também pelo fato de esse item não constituir parte integrante de nossos objetivos.

Quadro 05: Distribuição das frequências token e type da base verbal ver, séc. XX. MICROCONSTRUÇÃO TOKENS TOTAL PARCIAL de TOKENS TYPE VIRTUAL uma parte 11 373 ver(ᴓ) Veja 32 Vejam 5 Vejamos 5 Viu 320 duas subpartes vê lá 5 12 ver(loc) veja lá 7 vê só 2 91 ver(foc) veja só 25 vejam só 6 vê bem 2 veja bem 50 vejam bem 6 TOTAL GERAL 13 Microconstruções 476 tokens 3 conjuntos de formas

No quadro 05, podemos observar a frequência token e a frequência type das formas de apresentação do padrão construcional Vpv(x)md, no que diz respeito à base verbal ver.

O levantamento da frequência token demonstra que, das microconstruções de base verbal ver formadas por uma subparte, a que apresenta o maior número de ocorrências por dados é a forma viu, com 320 ocorrências, seguida pela forma veja, com 32 ocorrências. Desse padrão, a forma menos frequente é vejam, com cinco dados levantados no corpus. Das microconstruções constituídas por duas subpartes, a que apresenta o maior número de ocorrências por dados é a forma veja bem, com 50 ocorrências, seguida de veja só, com 25. Desse padrão, a forma menos frequente é vê só, com apenas duas ocorrências captadas.

A frequência token não demonstra apenas a quantidade de dados levantados, mas também nos permite observar uma não regularidade no recrutamento das formas por parte dos falantes, no determinado período levantado. Enquanto há formas muito recorrentes, há outras pouco recrutadas. Na comparação entre as duas mais frequentes, viu e veja bem, notamos um distanciamento na frequência, que acreditamos ser motivado pelas funções desempenhadas

por cada MD em contexto. Enquanto viu é cognitivamente mais leve, estruturalmente direto, apoia confirmação de sentidos na negociação, requisitando aprovação imediata do ouvinte, veja bem é cognitiva e estruturalmente mais complexo, apoia sentidos que vão sendo construídos durante a interação, na medida em que a argumentação vai se sustentando e, muitas vezes, apoia contra-argumentação, configurando-se, assim, em contextos mais elaborados. Nessa proporção contextual, viu é o MD do padrão ver(x) que melhor satisfaz o uso em interação do tipo conversação espontânea.

Defendemos que essa baixa incidência de ocorrência de recrutamento de algumas formas não impede os interlocutores de se entenderem. Uma vez que captamos o dado em uso em contexto, provamos que a construção faz parte do inventário da língua, e não é a alta frequência que a torna compreensível, mas processos cognitivos responsáveis pela sua adaptação e convencionalização no sistema da língua, como é o caso dos MDs vejamos e vê só.

Em termos de frequência type, verificamos a existência de três padrões na composição das microconstruções, que podem ser organizados como:

1) De base verbal perceptivo-visual ver, sem o preenchimento da segunda subparte:

(44) Eu fiz: é! Passou, né, depois a gente vai amadurecendo, vai vendo... Esse é sincero? ficou assim na minha cabeça, entende? Naturalmente essa professora contou a ela, ela me achou atrevida, então partiu pro ataque, a melhor defesa é o ataque, né? Então quando eu dei de ombro, quem que não dá de ombro eu era menina, devia ter treze anos naquela altura, você viu, ela, bom, ela capaz de sair, né... Veja, a, essa professora deve ter feito a minha caveira, né? É ou não é? Ela saiu, menina, numa agressividade tremenda e eu, e eu não podia fazer nada que eu era filha de professora, né, filha de professora era infalível, né, não podia, não podia rir na sala, não podia fazer. (NURC-RJ, DID, Inq. 261, Loc. 314, 1974)

O MD veja é formado por apenas uma parte fixa. Seu type virtual de composição é representado por ver(ᴓ). Compartilham esse type os MDs vê, vejam, vejamos e viu.

2) De base verbal perceptivo-visual ver, com preenchimento da segunda subparte por um afixoide de base adverbial com especificidade locativa:

(45) LOC: Não. Basta o avião dar uma, aquele, aquele, aquela, aquela queda. Ah, muita gente tem susto, né?

LOC: A falta do, do, da estabilidade, né, a pessoa fica assustada. Mas eu não tenho receio disso não. Não tenho mesmo não. Mas qual a razão deste, desta, dessa pergunta assim? Há algum problema, né? Acho que não. Veja lá. Eu quando me proponho a fazer uma coisa eu vou até o fim. Então o que acontece no caminho eu estou preparada, né, pra me defender ou para aceitar.

DOC: Mas às vezes há acidente. (NURC-RJ, DID, Inq. 198, loc. 228, 1973)

O MD veja lá é formado por duas subpartes. A primeira é fixa, a base verbal ver; a segunda é preenchida, mas não é fixa. Os elementos que podem preenchê-la são advérbios com funções locativas (lá). Seu type virtual é representado por ver(loc). O MD vê lá compartilha esse type de composição. O type ver(loc) mostra-se pouco produtivo devido ao recrutamento de apenas um tipo de advérbio locativo para o preenchimento da segunda subparte: lá.

3) De base verbal perceptivo-visual ver, com preenchimento da segunda subparte por um afixoide de base adverbial com especificidade focalizadora:

(46) E: Glislaine ... é ... hoje nós vamos fazer uma narrativa recontada ... você vai me contar uma história que alguém contou pra você ... alguém contou essa história pra você ... e agora você vai me contar essa história ...

I: bem ... a história que eu vou falar pra você ... ela é de uma certa família ... que muito me tocou onde essa família vivia à procura de uma terra ... a procura de:: alimento ... e eu fi/e eu me sentia muito triste quando:: eu fiquei sabendo dessa história porque veja bem

... eles ... tiveram que deixar:: todos os seus parentes e foram em busca de um ... de um lugar pra se estabilizar ... (D&G, Natal, oral, NR, Inf. 3, 1993)

O MD veja bem é formado por duas subpartes. A primeira é fixa, a base verbal ver, e a segunda é preenchida, mas não fixa. Os elementos que podem preenchê-la são advérbios com função focalizadora (bem, só). Seu type virtual é representado por ver(foc). Compartilham esse type, os MDs vê só, veja só, vejam só, vê bem e vejam bem. Esse type ver(foc) é o mais produtivo da base verbal ver.

Identificamos, assim como procedemos na seção sobre a base verbal olhar, que a frequência token reflete o nível das microconstruções instanciadas pelo uso. Uma constatação relevante para a nossa pesquisa é a comprovação de que a frequência type reflete o nível de esquematicidade das mesoconstruções‘‘, o que, para nossas análises, ratifica a organização da hierarquização do padrão construcional proposto.

As análises a seguir tratam de cada mesoconstrução‘‘, sancionada pela mesoconstrução‘ ver(x) e suas microconstruções envolvidas no respectivo type de composição.

6.2.2.1 Mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ)

A mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) sanciona as microconstruções vê, veja, vejam, vejamos e viu. Dentre todos os MDs levantados de base verbal perceptivo-visual ver, os que compõem o padrão ver(ᴓ) são as formas diretas e menos complexas, possuindo apenas uma parte, de intervenção entre os interlocutores, sendo também as mais frequentes no parâmetro de frequência token. Dessa maneira, categorizamos a mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) como um padrão não marcado dentro do padrão construcional maior ver(x) .

A seguir, passamos a descrever cada microconstrução do padrão ver(ᴓ) e especificidades dos tokens em seus contextos de uso.

- microconstrução vê

(47) No capítulo sete da Carta de Princípios, a ONU tem direito de manter a paz e a ordem e de parar uma guerra com ação militar ou embargo. O que não faltou neste mundo? Guerras, de 45 até hoje, mais de cem, vinte milhões de mortes, e os capacetes azuis no Paquistão em 49, no Líbano em 58, na República Dominicana em 65, no Congo de 60 a 64, na Nova Guiné em 62, vê, até isso pesquisei, Lamarca para promover a paz no Oriente Médio, um capacete azul. Foi para acabar com uma guerra e voltou para começar outra. Montou um grupo de estudos lá no 40 Regimento de Infantaria, oficiais e soldados mergulhados no marxismo. Em 67, capitão, jovem, jovem. Contatou as organizações, a luta armada. Chegou a se reunir com Marighella e Câmara Ferreira para conhecer a estrutura da ALN (...) (CP, séc. XX, Br, Fic, Marcelo R. Paiva, Não és Tu Brasil)

No exemplo (47), o constructo vê é um token extraído de 11 dados levantados na instância de uso, virtualmente representado pela microconstrução vê.

Em (47), o falante/escritor discorre sobre o efeito inoperante da ONU sobre as várias ―guerras no mundo‖. Após listar por ordem cronológica algumas guerras, o falante interrompe a progressão do tópico discursivo com a inserção do MD vê, juntamente com uma sequência declarativa: ‗até isso pesquisei‘. Essa inserção do MD vê traz efeitos de ativação de instantaneidade do chamamento no espaço atencional. Essa reativação da atenção não quer dizer que o ouvinte não esteja dispensando a atenção necessária, mas sugere aumento no grau

de atenção do ouvinte. A atenção deste é direcionada à relevância - ‗até isso pesquisei‘ -, que o falante atribui às suas informações. Notamos que há um processamento cognitivo: o falante avalia a informação, constata essa avaliação e induz o ouvinte a comprová-lo. Essa constatação é um fator de subjetividade por ser marcada pela perspectiva do falante. O MD vê apoia constatação71 feita pelo falante como uma valorização, um destaque atribuído às suas informações. Em seguida, o falante retorna ao tema, detalhando o que apontou anteriormente como destaque - ‗até isso‘ -, detalhando como Lamarca procedeu para ‗promover a paz‘ de um lado e incitar a ‗a luta armada‘ de outro.

Observamos que o MD vê não faz parte, nos tópicos discursivos, do tema abordado, mas confere ao contexto sentidos de processamento lógico das informações veiculadas, como também gradação de importância das informações. Desse modo, o MD vê permite subfunções de valorização de conteúdo do dado velho e do novo, de articulação da progressão de informação, de direcionamento da conclusão do ouvinte, de destaque da informação posterior, entre outras.

Vejamos outro exemplo do MD vê em relato oral:

(48) F: - Aí, quando eu entrei na rua da mina assim, aí ele chegou: "vocês correram por quê?" "Corremos, não, meu amigo. A nossa atitude foi a mesma." "Vocês vão para onde?" Eu falei assim: "não, é que - minha garota esqueceu a chave no meu bolso, eu vou entregar aí." Aí perguntou para o motorista do táxi: "aí, você mora aqui mesmo." O motorista do táxi: "moro." Aí ele falou assim: "é, é que eu vejo você sempre passar ali em frente... hora de madrugada, você já deve ser aviãozinho aí." Vê? O cara trabalhando, mesmo que seja aviãozinho, certo? Ele nunca pegou o cara na interferência. "Você deve ser." ("ele") falou, não é? "Você deve ser aviãozinho deles." Então, quer dizer, ele não tem certeza de nada, não é?

E: - Não tem prova nenhuma.

F: - Se o cara é realmente um trabalhador? Não é? Se for um aviãozinho, ele espera pegar na inflação, não é? (PEUL/RJ, Censo 1980, entrevista, falante 15)

No contexto do exemplo (48), o falante (F) descreve um episódio em que ele e o taxista são abordados por um policial que acusa o taxista de ser ‗aviãozinho‘. O falante narra o episódio retratando, em discurso direto, as falas do policial e do taxista. O falante (F), ao reproduzir a fala do policial - ‗é que eu vejo você sempre passar ali em frente... hora de madrugada, você já deve ser aviãozinho aí‘ -, interrompe sua reportagem e insere o MD vê seguido de uma sequência descritiva, ‗o cara trabalhando‘, e uma argumentativa: ‗mesmo que seja aviãozinho, certo?‘. O MD vê confere ao contexto o sentido de que o falante se coloca

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contra a precipitação de julgamento do policial. O uso do MD vê marca a justificativa, o motivo por que ele se coloca contra o julgamento do policial: ‗ o cara trabalhando‘. Quando o falante usa o MD vê juntamente com o argumento ‗o cara trabalhando‘, estende ao contexto uma implicatura com o sentido de ―quem trabalha não trafica, pelo menos enquanto trabalha‖. Observamos que, em (48), o falante não negocia sua conclusão com o ouvinte nem o conduz à conclusão, mas a sua constatação, a conclusão, já está formatada pelo falante. Sua intenção é levar o ouvinte a aceitar suas conclusões preestabelecidas.

Com essa observação, averiguamos que a função discursivo-pragmática desempenhada pelo MD vê, nos contextos, é apoiar conclusões preestabelecidas pelo falante.

Os contextos de uso, exemplificados em (47) e (48), são asseverativos e demonstram que o MD vê é um marcador, previsivelmente, pouco favorável a contextos injuntivos. Nos onze contextos de uso analisados, não identificamos sequências injuntivas ou chamamento de atenção que expressam condução do ouvinte à tomada de atitude. O MD vê, em sua forma monossilábica e tipificada por uma interrogação, soando mais como uma provocação ao ouvinte diante do contexto apresentado, traz sentidos asseverativos ao contexto da interação.

Ainda sobre a análise desses onze tokens levantados, observamos que em apenas um notamos a função de quebra da expectativa do ouvinte. O MD foi recrutado para reforçar veracidade de informações em dez contextos analisados. Já em nove tokens, o falante tem a intenção de levar o ouvinte à tomada de consciência.

Na função geral de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD vê é, basicamente, um marcador das constatações do falante, pois marca um posicionamento discursivo, uma vez que o falante negocia um sentido já estabelecido, já formatado.

Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma- sentido da construção vê como:

[[vêverboperceptivo-visual]↔[marca constatação de conclusão preestabelecida a partir da perspectiva do falante]]

- microconstrução veja

(49) Ayala - As conversas avançam normalmente no diálogo realizado em Brasília. Em breve, em meados de setembro, terá lugar uma nova rodada de conversações.

Estado - Dos avalistas?

Ayala - Não, bilateral, mas naturalmente com a participação dos quatro avalistas. E, imediatamente depois dessa rodada, será iniciada uma última etapa, na qual serão examinados todos os impasses remanescentes e se procederá imediatamente ao processo seguinte, que será a busca de um entendimento entre os dois países.

Estado - Isso poderia durar mais um ano?

Ayala - Não existe um plano definido. Veja, o que lhe posso dizer nesse sentido é que o Equador desejaria avançar no processo o mais rapidamente possível. Para isso, temos uma posição de boa fé, transparência, claridade e desejo de chegar a um entendimento que obviamente tem de ser de compromisso. (CP, séc. XX, oral, entrevista, José Ayala, 1997)

No exemplo (49), o constructo veja é um token selecionado dentre um total de 32 dados extraídos do corpus levantado, virtualmente representado pela microconstrução veja.

O contexto tratado consiste em uma entrevista composta pelo par P-R. O falante Ayala, em sequências narrativas, responde sobre o ―entendimento entre os dois países‖. Ao ser questionado sobre a ―duração do plano de entendimento‖, Ayala responde com uma sequência descritiva que consiste em um argumento vago - ‗não existe um plano definido‘. Logo em seguida, insere, na linearidade do seu texto, o MD veja, e passa a expor argumentos mais específicos, embora não responda diretamente a pergunta feita. Esses argumentos, sustentados por verbo no subjuntivo (‗desejaria‘) e adjetivos opacos (‗boa fé‘, ‗transparência‘, ‗claridade‘, ‗desejo de chegar‘) não se configuram com qualidades diplomáticas entre países. O MD veja traz um enquadre semântico ao contexto, sinalizando que a resposta dada não é a que o falante desejaria. Não percebemos, em (49), impositividade do falante durante a negociação de sentidos no entorno do MD, razão pela qual consideramos tal contexto assertivo.

O uso do MD veja denota que o falante, estrategicamente, chama o ouvinte para juntos negociarem sentidos e decodificarem as informações. Alegamos que a forma veja, cristalizada em configuração morfossintática de 3ª pessoa, conserva, por efeito de persistência, um sentido menos abstrato do que outras formas do mesmo padrão da base verbal ver. Por conseguinte, a expressão de ordem, desejo ou pedido é reconfigurada como um convite ao ouvinte. Dessa maneira, podemos afirmar que o falante Ayala usa o MD veja para sinalizar ao ouvinte que este é capaz, intelectualmente, de entender o que é dito, o que justifica o convite. O uso do MD veja abre ao contexto sentidos relacionados ao fato de que o falante confia no compartilhamento de negociação de sentidos com o ouvinte, o que confere intersubjetividade

ao contexto. Percebemos que o falante está preocupado ao mesmo tempo com sua interpretação e com a do ouvinte.

Vejamos mais um exemplo para embasar nossas colocações:

(50) Franco - Existem entre 30 e 40 bilhões de reais de posições de investimentos em bolsas e é um mercado que negocia R$ 1 bilhão por dia. Achar que esse povo todo pode sair de uma hora para outra é irreal.

Estado - Esses R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões fazem parte das reservas? Ou não têm relação?

Franco - Não. Veja, existem estrangeiros que detêm cerca de R$ 40 bilhões em ações de companhias brasileiras, assim como existem investimentos diretos no Brasil em número certamente maior que isso, ou remetendo dividendos, ou pagamento de empréstimos externos. Ou seja, o tipo de compromisso com o exterior que existe é muito variável e se começarmos a somá-los chegaremos a uma cifra astronômica. Mas isso não quer dizer absolutamente nada. (CP, séc. XX, oral, entrevista, Gustavo Franco, 1997)

No exemplo (50), o contexto trata de uma entrevista composta por diálogo do tipo par P-R. O tema tratado versa sobre investimentos e tipos de reserva desses investimentos, bem como sobre capital nacional ou estrangeiro.

O entrevistador (Estado) refaz uma pergunta utilizando a resposta dada por Franco: ‗Esses R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões fazem parte das reservas? Ou não têm relação?‘. O falante Franco, imediatamente, dá uma resposta negativa: ‗ Não‘. Continuando com o turno, recruta o MD veja para introduzir sequências expositivas que consistem na resposta mais detalhada, ou na argumentação que sustenta a primeira resposta com a negativa. Notamos que, tanto em (49) quanto em (50), o uso do MD veja apoia exposição explicativa do que foi negado anteriormente, cumprindo a função de articular segmentos do discurso.

No exemplo (50), o uso do MD veja requisita subfunções de acentuar o grau de percepção do ouvinte, introduzir argumentos, dar continuidade à organização textual, valorizar conteúdo da informação e, ainda, prender a atenção do ouvinte para o desfecho. Essas subfunções podem ser resumidas como um objetivo comunicativo de convencer o ouvinte a aceitar o convite à codificação, uma negociação de sentidos com o falante.

Dessa maneira, o MD veja conduz o ouvinte na decodificação, conferindo à situação discursiva um ânimo, uma motivação à capacidade intelectual do ouvinte. Como essa negociação de sentidos está centrada em elementos textual-interativos com pouca relevância pragmática, a microconstrução veja mostra-se uma forma pouco abstratizada, portanto mais composicional em comparação com a forma vê. Semanticamente, veja comporta-se como um verbo de percepção e vê, como um verbo de cognição.

Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD veja é, basicamente, um marcador de condução do processo de dar significância no espaço atencional. A intenção do falante, ao usar o MD veja, é marcar na interação que o ouvinte se situa no mesmo nível de capacidade de compreensão que o falante. A função discursivo- pragmática que atribuímos ao MD veja é apoiar inclusão do ouvinte no processo de negociação de sentidos.

Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma- sentido da construção veja como:

[[vejaverboperceptivo-visual]↔[marca capacitação e inclusão do ouvinte no processo de decodificação]]

- microconstrução vejam

(51) Vá cedo ao Beira-Rio, pois teremos novamente mais de 40 mil torcedores. # Repórter # Incrível: o Flamengo numa crise de dar dó, a equipe caindo aos pedaços e um repórter carioca diz para seus ouvintes no Rio que o Inter é um time pequeno e de um jogador só, Arílson. # Antecedentes # Sabe-se agora: o Inter tentou vetar o árbitro desta noite, mas a FGF não teve força suficiente. Vejam: a direção colorada não queria Sidrak Marinho, era o único juiz que não gostaria de ver apitando, e a Conaf escala o sujeito. Aqui entre nós: é provocação. Estão provocando. # Bobagem # O Inter avisa que irá saudar a entrada do