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F- Bom, então eu vou dar heim vê lá , heim! Uma lata de leite condensado Mas não vai escrever, pelo menos, ora!

4. LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO

4.1 GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÃO

4.1.2 Fatores construcionais

Os fatores construcionais processam, ao longo de um período de tempo, o comportamento da construção no uso da língua por um grupo de falantes. Os fatores construcionais são esquematicidade, produtividade e composicionalidade. Nesta pesquisa, esses fatores são detectados dentro de uma sincronia, o português brasileiro século XX. Portanto, serão considerados como fatores de análise de um comportamento estático da construção Vpv(x)md, embora seja importante ressaltar que a visão estática do fenômeno em sincronia ganha dinamicidade devido à gradiência entre dimensões da construção e os fatores construcionais.

4.1.2.1 Esquematicidade

Na hierarquização da esquematicidade, os vários níveis apresentam-se em termos de abstratização, são níveis virtuais que tratam não só do status da dimensão da construção, mas também demonstram a amplitude da construção como padrão construcional dentro de uma rede linguística funcional. ―Esquematicidade é uma propriedade de caracterização que, crucialmente, envolve abstração‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 13)30

. Há dois trabalhos publicados de relevância sobre a questão da esquematização: o de Traugott, publicado em 2008, e o de Traugott e Trousdale, citado anteriormente, publicado em 2013.

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―Schematicity is a property of categorization wich crucially involves abstraction.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 13). [Tradução nossa].

Em Traugott (2008, p. 236-238)31, a autora fundamenta-se, principalmente, nos estudos da Gramática Radical de Construções de Croft (2001) e propõe quatro níveis de esquematicidade:

-―macroconstruções: pareamentos de forma-sentido que são definidos por estrutura e função‖, ―são esquemas altamente abstratos‖;

-―mesoconstruções: agrupamento de construções específicas com comportamento semelhante‖;

-―microconstruções: construções types individuais‖.

-―constructos: tokens empiricamente atestados, onde se encontra o locus da mudança‖.

A macroconstrução é uma representatividade virtual alta dos níveis linguísticos, organizados a partir das seis propriedades definidas por Croft (2001). Na publicação de 2008, a macroconstrução é tomada como nível limite da descrição das seis propriedades de Croft (2001). Os agrupamentos de mesoconstruções se agregam, principalmente, ―por ocorrência de atrações semânticas‖. Os quatro níveis descritos não são fixos; ―níveis mais elaborados de generalização podem ser relevantes em algumas instâncias, em outras menos‖ (TRAUGOTT, 2008, p. 236)32. Desse modo, a autora revela que a virtualidade do padrão construcional depende do objeto de pesquisa, do foco analítico e do corpus utilizado.

Diferentemente de Traugott (2008), Traugott e Trousdale (2013) sugerem três níveis hierárquicos na captação da esquematicidade de uma construção. Esses níveis são: esquema, subesquema e microconstrução. ―Esquemas linguísticos são abstratos, grupos de construções semanticamente gerais, tanto procedurais quanto de conteúdo, [...] Eles são abstrações através de conjunto de construções que são (inconscientemente) perceptíveis por usuários da língua sendo intimamente relacionados entre si em uma rede construcional‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.14)33. Enquanto subesquema é um nível intermediário, as

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(TRAUGOTT, 2008, p.236): ―Likewise, in Radical Construction Grammar (and other types of Construction Grammar) we can distinguish between what I will call:

- macro-constructions: meaning-form pairings that are defined by structure and function, [...] - meso-constructions: sets of similarly-behaving specific constructions,

- micro-constructions: individual construction-types,

- constructs: the empirically attested tokens, wich are the locus of change.‖ (TRAUGOTT, 2008, p.236).

―As we have seen, the macro-constructions are highly abstract schemas, [...]‖ (TRAUGOTT, 2008, p. 238). [Tradução nossa].

32 ―More elaborate levels of generalizations may be relevant in some instances, in others, fewer.‖ (TRAUGOTT, 2008, p.236). [Tradução nossa].

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―In our view linguistics schema are abstract, semantically general of constructions, whether procedural or contentful, [...]. They are abstractions across sets of constructions which are (unconsciously) perceived by language-users to be closely to each other in the constructional network.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 14). [Tradução nossa].

microconstruções, membros type-individuais, estão nos níveis mais baixos. ―Apenas microconstruções podem ser substantivas e fonologicamente especificadas‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 17)34. Os esquemas, explicam os autores, se interligam em rede, através de conjuntos de construções. A pressão do uso faz com que um padrão esquemático vá se convencionalizando, quer dizer, rotinizando-se cognitivamente, e se alinhando a uma postura linguística cumpridora de estratégias comunicativas, com funções discursivo- pragmáticas.

Nota-se que os autores, embora não explicitem, não consideram os constructos um nível esquemático. Os constructos são considerados ―tokens empiricamente testados‖, ―instâncias de usos em uma ocasião em particular‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 16). Os constructos são, assim, realizações reais do uso linguístico.

Organizamos os níveis de abstração que um padrão construcional pode apresentar em termos de esquematicidade. Para tal, juntamos as propostas de Traugott (2008) e Traugott e Trousdale (2013) e passamos a demonstrá-las no quadro seguinte.

Quadro 01: Níveis de esquematicidade.

TRAUGOTT (2008) TRAUGOTT e TROUSDALE (2013) Macroconstrução – pareamento de forma-sentido que são definidos por estrutura e função; são esquemas altamente abstratos.

Esquemas – são abstrações de

grupos de construções

semanticamente gerais. Mesoconstrução – agrupamento de

construções específicas com comportamento semelhante.

Subesquemas – um nível intermediário.

Microconstruções – construção tipo individual.

Microconstruções – membros

types específicos de esquemas

mais abstratos. Constructo – token empiricamente

testado.

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―Only micro-constructions may be substantive and phonologically specified.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 17). [Tradução nossa].

Defendemos que as duas propostas de níveis de esquematização sugeridas pelos autores se complementam, desde que seus limites conceituais sejam respeitados. Em nossa esquematização da construção Vpv(x)md, utilizaremos as duas propostas apresentadas.

No nível macroconstrução, encontramos a construção Vpv(x)md, porquanto é um pareamento de estrutura e função. Virtualmente, representa o recrutamento de um verbo perceptivo-visual, com ou sem sua segunda subparte, para cumprir uma função marcadora discursiva. No nível mesoconstrucional estão os agrupamentos dos verbos perceptivo-visuais especificados por sua base verbal ver ou olhar, por exemplo, a família de construções ver(x)md. No nível microconstrucional, estão os tipos de construções menos abstratas licenciadas pelos usos concretos da língua. Esses usos concretos da língua são os constructos.

O nível do esquema, conceituado como grupo de construções semanticamente gerais, engloba mais abstração que o nível macroconstrucional, pois não faz referência à possibilidade de pareamento. O que é mais esquemático que a construção Vpv(x)md, ou melhor, o que é mais geral, na rede funcional, que os verbos perceptivo-visuais são os verbos perceptivos em geral, virtualmente representáveis como Vperc(x)md. Quanto ao subesquema, conceituado como um nível intermediário, podemos entendê-lo como qualquer nível entre outros níveis. Notamos que, nas duas propostas, o nível microconstrucional é o mesmo. O nível do constructo, proposto em 2008, não aparece como abstração em 2013.

Sendo assim, uma macroconstrução é menos esquemática do que um esquema. O resgate semântico da macroconstrução é menos geral do que o resgate semântico do esquema. Desse modo, a noção de verbos perceptivos é mais geral do que a noção de verbos perceptivo- visuais. A possibilidade de resgate das propriedades sintáticas e das propriedades semânticas de uma macroconstrução é o que torna a macroconstrução um nível mais composicional do que o nível esquema, porquanto partes da construção no nível macroconstrucional estão morfológica e semanticamente mais especificadas.

As dimensões representativas das construções são preenchidas em termos de espaços, chamados na teoria da gramática de construção de slots ou de slots esquemáticos. É relevante considerar as palavras de Bybee (2013) ao dizer que:

Um slot esquemático em uma construção consiste de uma lista de todos os itens que ocorrem naquele slot (como predito por um modelo exemplar), ou pode ser considerado um conjunto de características semânticas abstratas que restringem o

slot, como normalmente proposto, podem, é claro, ser ambos. (Bybee, 2013, p. 6/14)35.

Quanto mais microconstruções são detectadas, é possível, por generalizações e especificidades, estabelecer as ―estruturas simbólicas‖ que preenchem esses espaços. Desse modo, pelo fator da esquematicidade a construção Vpv(x)md, no nível macroconstrucional, é formada por dois slots, ou duas subpartes: a primeira, preenchida pelos verbos perceptivo- visuais ver ou olhar; a segunda, por advérbios com especializações de funções locativas ou focalizadoras. Assim, os slots representam a expansão da construção.

Podemos exemplificar nossas afirmações com os contextos de uso dos MDs olha e olhe lá, nos fragmentos (13) e (14) a seguir:

(13) ... eu chamei umas duas colegas minhas pra mostrar a experiência que eu tinha achado fantástico ... só que ... eu achei o seguinte ... se o professor colocou um pouquinho ... foi aquele desfile ... imagine se eu colocasse mais ... peguei o mesmo béquer ... coloquei uma colher ... uma colher de cloreto de sódio ... foi um fogaréu tão grande ... foi uma explosão ... quebrou todo o material que estava exposto em cima da mesa ... eu branca ... eu fiquei ... olha ... eu pensei que eu fosse morrer sabe ... quando ... o colégio inteiro correu pro laboratório pra ver o que tinha sido ... o professor quando chegou viu que tinha sido eu que tinha feito o serviço ... aí ele disse que tinha sido ele fazendo uma experiência ... eu não tinha dinheiro pra pagar aquele material todo do laboratório ... (D&G, Natal, NEP, oral)

Podemos afirmar, com apoio tanto em Traugott (2008) quanto em Traugott e Trousdale (2013), que, em (13), temos uma microconstrução olha, composta por uma subparte. A segunda subparte é ausente ou nula, pois não houve necessidade de preenchimento. Hipotetizamos que, pela convivência com formas como olha aqui, olha aí e olha lá, a forma olha se conserva com sentidos menos especializados, mais generalizados, visto que se trata de uma forma leve, direta e menos complexa em processamento cognitivo. O MD olha consiste em um chamamento prototípico de atenção.

(14) DOC. - Adolescentes, digamos, a garotada que já sai sozinha, o que bebem quando eles entram num bar?

LOC. - Acho que copiam muito os pais, né? DOC. - Sim.

LOC. - Quando eles se vêem soltos, com dinheiro, eles procuram beber o que vêem em casa mais ou menos, né, porque a juventude sempre tem o exemplo, né, queira ou não

35 ―A schematic slot in a construction might consist of a list of all the items that have occurred in that slot (as predicted by an exemplar model), or it might be considered a set of abstract semantic features that constrains the slot, as usually proposed. It could, of course, be both.‖ (Bybee, 2013, p .6/14). [Tradução nossa].

queira é influenciada. Agora a garotada, eh, sem dinheiro, é refrigerante mesmo e, olhe

lá, quando pode, né?

DOC. - Sim. E em casa, o que é que normalmente as pessoas bebem? LOC. - Procuro dar suco de frutas, limonada, laranjada, refrigerante e água.

(NURC/RJ, DID, inq. 02, loc.03, 1971)

No exemplo (14), olhe lá é uma microconstrução instanciada pelo constructo olhe lá extraído do contexto. A forma é composta de duas partes - no nível virtual, chunks (pedaços). No nível estrutural, diz-se que a segunda subparte está unida como um afixoide. Não é um elemento fixo, como um sufixo. ―Em alguns casos, pareamentos independentes de forma- sentido combinam-se de tal forma que um membro é recrutado a um significado mais abstrato quando usado em determinada combinação.‖ (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 154)36

. As combinações de formas independentes em que uma delas é um afixoide apresentam um alto grau de entrincheiramento semântico, sua aglutinação semântica é o que restringe os sentidos que podem e aqueles que não podem ser indexados à expressão. A presença dos afixoides traz especificidades pragmáticas que só podem ser definidas nos contextos de uso, e não apenas pela junção das formas. É o efeito parte-todo do encadeamento das formas, demonstrado no elo de correspondência simbólica.

No que diz respeito à esquematicidade das formas nos exemplos (13) e (14), detectamos constructos, instâncias do uso de olha e olhe lá que licenciam microconstruções individuais olha e olhe lá. As quatro formas, em dois diferentes níveis, encontram-se sob o mesmo padrão, o padrão construcional dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo- visual, ou sob o padrão Vpv(x)md.

A esquematicidade é um fenômeno sujeito a alteração, pode aumentar, comportamento esse explicado nas seguintes palavras:

Pensando sobre o aumento da esquematicidade duas questões precisam ser destacadas. Uma é que com o passar do tempo microconstruções podem tornar-se mais esquemáticas ou abstratas, porquanto elas participam e tornam-se membros ‗melhores‘ de esquemas abstratos. A outra é que esquemas podem se expandir, podendo vir a ter mais membros, [...]. (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 116)37

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―In some cases free form-meaning pairings combine in such a way that one member is assigned a more abstract meaning when used in particular compounds. It is known then as an ‗affixoid‘.‖ (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 154). [Tradução nossa]

37―In thinking about increase in schematicity two issues need to be kept apart. One is that over time micro-

constructions may become more schematic or abstract, as they participate in and become ‗better‘ members of abstract schemas. The other is that schemas themselves may expand, i.e. may come to have more members‖. (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 116). [Tradução nossa].

Contextualizando a citação, os exemplos (13) e (14) apresentam graus diferentes de esquematicidade ou abstração. Essa diferença é visível, na medida em que olha e olhe lá se afastam por diferenças morfossintáticas e discursivo-pragmáticas na rede linguística funcional. Em um continuum concreto > abstrato, a microconstrução olha está mais próxima de seu sentido-base lexical, enquanto a microconstrução olhe lá está mais afastada, apesar de as duas construções desempenharem funções gramaticais. O resgate de sentido da microconstrução olhe lá indexa um ganho de sentido contextual maior. O que a forma olhe lá perde pela reconfiguração do sentido lexical ganha em sentidos que atuam no nível textual- interativo por inferências extralinguísticas.

4.1.2.2 Produtividade

A produtividade de uma construção, ou de um padrão construcional, diz respeito à possibilidade de variabilidade das formas de apresentação do padrão quanto à composição de suas partes e subpartes e de como essa apresentação de formas pode ser representada em níveis mais abstratos. Podemos exemplificar com as microconstruções individuais olha, olha aqui e olha lá sancionadas por um type (conjunto de formas) mais geral - o olhar(x). Esse type, ou tipo de construção, é mais geral porque abarca qualquer MD composto por base verbal olhar, afixado de uma segunda subparte ou não.

Nesse movimento de alinhamento de construção, o padrão vai demonstrando sua extensibilidade, seus membros mais ou menos prototípicos, como também sua capacidade de abarcar novos membros. A duração ou não da constância de um padrão produtivo é concernente à autorregulação de sua gradiência. Enquanto padrões mais produtivos podem se reconfigurar, uma vez que estão em constante recrutamento pelos usuários da língua, outros padrões podem manter-se mais estáveis e mais resistentes a reconfigurações, dentro do modelo de rede.

Produtividade e esquematicidade interagem demonstrando qual a capacidade de extensão que um padrão construcional produz. A extensibilidade do esquema é verificada na medida em que suas formas se expandem, na medida em que types se mantêm no esquema e mais types são agregados, evidenciando sua extensão. Himmelmann (2004) chama esse tipo de expansão de host-class expansion. Traugott e Trousdale (2013) consideram expansão como aumento de frequência de tipo de formas ou frequência type.

Sincronicamente, podemos verificar a ocorrência de expansão do padrão construcional quando as construções do padrão se apresentam em graus diferentes de idiomaticidade e

relativa diferença do uso das formas em um continuum concreto > abstrato. Barðdal (2008) postula que, embora a extensibilidade traga ao esquema uma inflação, a integração das microconstruções, relativamente à base do padrão, é garantida desde o membro mais prototípico ao menos prototípico.

A produtividade está intrinsecamente relacionada à questão da frequência. Em Bybee (2003, p. 604; 2007, p. 338)38, há uma proposta de que o conceito de frequência seja abordado em dois tipos:

token frequency ou frequência de ocorrência - trata da quantidade de vezes que um item, uma unidade, ―geralmente uma palavra ou morfema‖, aparece em um corpus de investigação, oral ou escrito.

type frequency ou frequência de tipo (padrão) – trata da frequência de conjunto de formas... ―Se refere à frequência, no dicionário, de um determinado padrão‖, indica a quantidade de itens que possui uma determinada estrutura, designando se será um esquema produtivo ou não.

O fator frequência é visto como um instrumento na aferição dos dados para testar a produtividade dos fenômenos linguísticos. Em Bybee (2010), a autora argumenta que ―a posição primordial do embasamento no uso é a hipótese de que as instâncias de uso impactam a representação cognitiva da linguagem‖ (BYBEE, 2010, p. 14)39

. Furtado da Cunha (2014) argumenta sobre a importância de utilizar a frequência como parâmetro de análise com as palavras:

Utilizamos a frequência de uso para observar a tendência de manifestação das construções no discurso por considerarmos a frequência uma ferramenta importante para a compreensão da dimensão da experiência com a linguagem (FURTADO DA CUNHA, 2014, p. 2).

A autora sintetiza o tema, referindo-se à frequência type, com as palavras: ―A frequência de ocorrência de um dado formato serve para fixá-lo no repertório do falante e torná-lo uma unidade de processamento‖ (FURTADO DA CUNHA, 2014, p.3). A aferição da frequência dos tokens, os dados levantados no corpus, e a aferição da frequência das formas

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―Token or text frequency is the frequency of occurrence of a unit, usually a word or morpheme, in running text. [...]. Type frequency refers to the dictionary frequency of a particular pattern [...].‖(BYBEE, 2003, p. 604; 2007, p. 338). [Tradução nossa].

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―Central to the usage-based position is the hypothesis that instances of use impact the cognitive representation of language.‖ (BYBEE, 2010, p. 14). [Tradução nossa].

de apresentação das construções, os types, refletem como o padrão construcional se expande. Sendo assim, nosso objeto de estudo, a construção Vpv(x)md, pode ser entendido em termos de esquematicidade e produtividade.

4.1.2.3 Composicionalidade

Composicionalidade é tomada como um duplo viés. ―Composicionalidade diz respeito à extensão da transparência dos links entre forma e sentido‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 19)40. No fator de composicionalidade, considera-se o quanto de compatibilidade e incompatibilidade se detecta entre o significado das partes e a correlação do significado do todo semântico. Quando uma nova categoria é criada na língua ou um dos polos da construção sofre mudança, os elementos da construção têm sua sintaxe reconfigurada na captação da transparência de forma e sentido do constructo, da materialidade linguística da construção.

Vamos exemplificar esse conceito com o exemplo (15) a seguir:

(15) L: Não. Basta o avião dar uma, aquele, aquele, aquela, aquela queda. Ah, muita gente tem susto, né?

D: É.

L: A falta do, do, da estabilidade, né, a pessoa fica assustada. Mas eu não tenho receio disso não. Não tenho mesmo não. Mas qual a razão deste, desta, dessa pergunta assim? Há algum problema, né? Acho que não. Veja lá. Eu quando me proponho a fazer uma coisa eu vou até o fim. Então o que acontece no caminho eu estou preparada, né, pra me defender ou para aceitar.

D: Mas às vezes há acidente.

L: Ah, sim. Há, hum, há sim. Mas nunca aconteceu não. Graças a Deus, não.

(NURC/RJ, inq. 198, loc. 228, 1973)

No exemplo (15), o constructo veja lá se encontra isolado do seu entorno oracional por dois pontos. Semanticamente, o MD veja lá não faz referência a um objeto a ser visto ou especificado. Sintaticamente, o MD veja lá não participa da ordenação SVO. Há uma entonação própria do material fonológico, reforçado pelo isolamento entre pontuação. A forma de 3ª pessoa do singular, sem ancoragem de pronome, induz o ouvinte a resgatar o modo verbal imperativo, entretanto podemos perceber uma reinterpretação da expressão de ordem por um sentido contextual asseverativo. Por sua vez, o advérbio locativo ―lá‖ não

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―Compositionality is concerned with the extent to wich the link between form and meaning is transparent.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.19). [Tradução nossa].

carrega resgate espacial, seu sentido de ―dêitico espacial com função de localizar pontos no espaço mais distantes do falante e do ouvinte‖ (MARTELOTTA, 1996, p. 240) ganha valor textual-discursivo, pelo afastamento do seu valor lexical original.

O que permite ao ouvinte interpretar cada parte de um constructo, ou mesmo interpretar parte-todo de uma construção, é o resgate de pistas sintático-semânticas na aferição de sentidos. Quando forma-sentido da construção encontra-se consolidada no repertório dos falantes e todos compartilham suas significações, traços da propriedade sintática permitem selecionar o sentido que melhor satisfaça a troca comunicativa.

Com esses apontamentos, exemplificamos a tentativa do ouvinte no processamento de alinhamento dos links entre forma-sentido da construção. Sendo assim, a composicionalidade da construção diz respeito ao significado das partes e ao sentido do todo. Construções com sentidos mais concretos, operacionalizados por fatores sintático-semânticos compatíveis, são mais composicionais. Em contrapartida, construções com sentidos menos concretos, operacionalizados por fatores sintático-semânticos menos compatíveis, são menos composicionais.

Os autores argumentam que ―o significado da linguagem não é inteiramente composicional, mas linguagem tem composicionalidade, de modo que a própria estrutura composicional da sentença fornecerá pistas para o sentido do todo‖ (ARBIB, 2012, p. 475, apud TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 19)41.

Dessa maneira, no exemplo (15), no uso do MD veja lá, o ouvinte resgata as pistas sintáticas para percorrer os caminhos da semântica e, consequentemente, estabelecer os links da correspondência simbólica entre forma e sentido.