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Marcadores discursivos formados pelos verbos perceptivo-visuais olhar e ver: uma abordagem construcional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA

MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL

NITERÓI 2017

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VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA

MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Orientadora:

Profª. Drª. Mariangela Rios de Oliveira

Niterói, RJ 2017

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VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA

MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem – Subárea Linguística, da Linha de Pesquisa 1: Teoria e Análise Linguística.

Aprovada em: 06 de março de 2017.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Profª. Drª. Mariangela Rios de Oliveira, orientadora (UFF)

________________________________________________ Profª. Drª. Ana Beatriz Arena (UERJ/FFP)

_______________________________________________ Profª. Drª. Ana Cláudia Machado Teixeira (UFF)

Niterói, RJ 2017

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AGRADECIMENTOS

A Deus, criador de todas as coisas, aquele que ―dá sabedoria aos simples‖.

À Profª Drª. Mariangela Rios de Oliveira, pela dedicação e paciência com que conduziu este trabalho.

Aos professores membros desta banca, que prontamente aceitaram o convite para compô-la.

A toda a minha grande e acolhedora família. Em especial, à minha mãe, pelas orações, e ao meu pai (in memorian), pela criação.

(5)

RESUMO

SAMBRANA, Vania Rosana Mattos. Marcadores discursivos formados pelos verbos perceptivo-visuais olhar e ver: uma abordagem construcional. Rio de Janeiro, 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem, subárea - Linguística), Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Niterói, 2017.

Ao postularmos que a língua é um inventário de construções, assumimos a visão de língua como arquitetura complexa de um sistema adaptativo com padrões mais ou menos regulares. Nesta perspectiva, investigamos o padrão construcional responsável pela formação dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual olhar e ver, no português brasileiro do século XX. O objetivo deste estudo é identificar, levantar e descrever esse padrão construcional, contribuindo para o entendimento de suas formas de apresentação, principalmente as microconstruções, virtualmente, tipos individuais de construção. Para tal investigação, utilizamos a base teórica da Linguística Funcional Centrada no Uso, apoiada pelo modelo da Gramática de Construção, e os corpora: Corpus Discurso e Gramática, Corpus do Português, Projeto Norma Linguística Urbana Culta e Programa de Estudos do Uso da Língua. Como resultado da coleta de dados, levantamos dez exemplares de marcadores discursivos formados pela base verbal olhar e treze pela base verbal ver. Partimos da hipótese de que, por motivações cognitivo-interacionais, funções discursivo-pragmáticas são desempenhas pelos marcadores como um conjunto de funções para cada contexto específico. Averiguamos que, sincronicamente, pressões discursivas resultam em variabilidade de alinhamento de forma-função, demonstrada no compartilhamento morfossintático entre marcadores discursivos em rede construcional. Através das análises dos contextos de uso, concluímos que a função dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual consiste em manipular o espaço de atenção para regular a interação entre os interlocutores. Palavras-chave: Marcadores discursivos. Padrão construcional. (Sub)funções. Contexto de uso.

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ABSTRACT

SAMBRANA, Vania Rosana Mattos. Marcadores discursivos Formados pelos verbos perceptivo-visuais olhar e ver: uma abordagem construcional. Rio de Janeiro, 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem, subárea - Linguística), Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Niterói, 2017.

When we say that language is an inventory of constructions, we assume language‘s view like a complex building of an adaptative system with constructional patterns with some regularity. In this way, we investigate the constructional pattern of the discourse markers formed by visual perceptive verbs to look (olhar) and to see (ver), from the Brasilian Portuguese, 20th century. The aim of this paper is to identify, to list, and to describe this constructional pattern, contributing to the raising of their forms, mainly, – the micro-constructions. For this purpose, we use as theoretical base the Usage-Based Functional Linguistics. The corpus is from Corpus Discurso e Gramática, Corpus do Português, Projeto Norma Linguística Urbana Culta and the Programa de Estudos do Uso da Língua. As a result of data collection, we list ten exemplars of discourse markers by the verbal base to look (olhar), and thirteen exemplars of discourse markers by the verbal base to see (ver). We have, as first hypothesis that, because for cognitive and interactional motivations, discursive-pragmatic functions are fulfilled by the discourse markers as a conjunct of functions to each specific context. We investigate, synchronically, discursive pressions result in a variation of form-function arrangements, evident in the morphosyntactic partaking among the discourse markers in the constructional network. From the analysis of usage contexts, we conclude that the function of discourse markers consist of manipulating the attention‘s space to regulate the interaction between speaker and hearer.

(7)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 09

2. MARCADOR DISCURSIVO COMO CLASSE GRAMATICAL 14

2.1 O CONCEITO DE MARCADOR DISCURSIVO (MD) 15

2.2 NATUREZA E PROPRIEDADES DE CATEGORIZAÇÃO 17

2.3 CATEGORIZAÇÃO DO MD DE BASE VERBAL

PERCEPTIVO-VISUAL 20

3. A FUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA 24

3.1 A MACROFUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA 24

3.2 AS (SUB)FUNÇÕES MARCADORAS DISCURSIVAS 26

4. LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO 31

4.1 GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÃO 32 4.1.1 Dimensões construcionais 38 4.1.2 Fatores construcionais 39 4.1.2.1 Esquematicidade 39 4.1.2.2 Produtividade 45 4.1.2.3 Composicionalidade 47

4.2 O PADRÃO CONSTRUCIONAL COMO MODELO EM REDE 48

4.3 PRINCÍPIOS E CONCEITOS ANALÍTICOS 51

4.3.1 O Princípio de marcação 51

4.3.2 Os princípios da organização linguística 54

4.3.3 Os princípios de gramaticização 56

4.3.4 Subjetividade e intersubjetividade 58

4.3.5 Metáfora e metonímia 59

4.3.6 Prototipicidade 61

5. METODOLOGIA 62

5.1 A CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS 62

5.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE 66

6. ANÁLISE DOS DADOS 69

6.1 A ESQUEMATIZAÇÃO DO PADRÃO DA CONSTRUÇÃO Vpv(x)md 70

6.2 A BASE VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL 74

6.2.1 Base verbal olhar 75

6.2.1.1 Mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ) 78

6.2.1.2 Mesoconstrução‘‘ olhar(locativo) 85

6.2.1.3 Mesoconstrução‘‘ olhar(focalizador) 100

(8)

6.2.2 Base verbal ver 108

6.2.2.1 Mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) 112

6.2.2.2 Mesoconstrução‘‘ ver(locativo) 124

6.2.2.3 Mesoconstrução‘‘ ver(focalizador) 130

6.2.2.4 Visão geral da mesoconstrução‘ ver(x) 145

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 148

(9)

LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS

Figura 01 Rede linguística funcional dos marcadores discursivos 10

Figura 02 Representação da construção para Croft (2001) 33

Figura 03 Representação da construção para Traugott e Trousdale (2013) 37

Quadro 01 Níveis de esquematicidade 41

Quadro 02 Distribuição dos níveis de esquematicidade da construção marcadora discursiva

perceptivo-visual 71

Quadro 03 Distribuição das frequências token e type de base verbal olhar 76

Quadro 04 Caracterização da mesoconstrução‘ olhar(x) pelo princípio da marcação 107

Quadro 05 Distribuição das frequências token e type de base verbal ver 109

Quadro 06 Caracterização da mesoconstrução‘ ver(x) pelo princípio da marcação 147

Tabela 01 Distribuição do número de palavras do Corpus D&G 63

Tabela 02 Distribuição do número de palavras do Corpus NURC-RJ 64

Tabela 03 Distribuição do número de palavras do Corpus do português 65

Tabela 04 Distribuição do número de palavras do Corpus PEUL/RJ 65

(10)

1. INTRODUÇÃO

O objeto desta pesquisa são os marcadores discursivos formados pelos verbos perceptivo-visuais olhar e ver, em seu padrão construcional, virtualmente representado por Vpv(x)md. Justifica este trabalho a recorrência do uso dos referidos verbos no português brasileiro como estratégias de marcação do discurso para regulação da interação entre os interlocutores.

A título de ilustração, vejamos duas ocorrências:

(1) Sua mão preta, de unhas brancas, desafivelava, fazia o troco, afivelava - independente do seu olhar, que vagava ao longe, e apenas baixava uma ou outra vez, para conferir. Maria Maruca quis provar aquela comida de pretos. Olhe lá... Tome cuidado... - dizia Dentinho de Arroz. Essa gente sabe muita coisa... Podem botar dentro alguma porcaria. Maria Maruca desdenhava: ‗Eu lá tenho medo de feitiços‘ - Sua cara vermelha brilhava ao sol. Amontoaram-lhe no prato o pirão de milho, e viraram-lhe, ao lado, umas colheradas do ensopado de bofe e coração. (CP, séc. XX, Br, Fic, C. Meireles, Olhinhos de gato, 1939) (2) O certo é que não dormi toda a noite, nervosa, imaginando frases, o começo do artigo. Pela

madrugada julgava impossível escrevê-lo, tudo parecia banal ou extravagante. Mas depois do almoço, antes de sair, o pai lembrou-me como se lembra a um escritor: - Vê lá, Júlia, o artigo é para hoje. Tenho que o levar à noite. Havia um jornal que exigia o meu trabalho. Era como se o mundo se transformasse. Sentei-me. (CP, séc. XX, Br, Fic, João do Rio, O Momento Literário, 1907)

As formas em destaque são usadas para o chamamento de atenção entre os interlocutores. No exemplo (1), o marcador discursivo olhe lá reforça o chamamento de atenção acompanhando declaração asseverativa ‗tome cuidado‘. No exemplo (2), o marcador discursivo vê lá reforça o chamamento de atenção acompanhando a declaração assertiva ‗o artigo é para hoje‘. Em ambos os casos, os falantes tentam direcionar a atitude dos ouvintes. A diferença entre os dois contextos de uso, motivando o recrutamento de dois diferentes marcadores, é o grau de proximidade entre os interlocutores, indexado pelo marcador. Em (1), olhe lá confere ao contexto um grau impositivo na negociação do significado, uma advertência. Em (2), vê lá traz ao contexto sentido de atenuação na negociação do significado, um aconselhamento.

Dessa maneira, alegamos que os marcadores discursivos convivem, em uma rede linguística funcional, com limites difusos e compartilham especificidades morfossintáticas cujas diferenças geram funções discursivo-pragmáticas.

(11)

Figura 01: Rede linguística funcional dos marcadores discursivos.

Domínio da marcação discursiva1

[(interj)(x)]md [(locuções)]md [(conj)]md [(verbo)(x)]marcador discursivo [(adv)]md [(sons não lexicalizados)]md

V(estático)(x) V(perceptivo)(x) V(proclamativo)(x)

V(estar)(x) V(ficar)(x) V(visual)(x) V(auditivo)(x) V(interruptivo)(x)

estar(x) ficar(x) olhar(x) ver(x) escutar(x) esperar(x) segurar(x)

estar(adv) ficar(adv) olhar(ᴓ) olhar(adv) ver(ᴓ) ver(adv) escuta(ᴓ) escuta(adv) esperar(adv) segurar(adv)

estar(loc) ficar(loc) olhar(ᴓ) olhar(loc) olhar(foc) ver(ᴓ) ver(loc) ver(foc) escutar(ᴓ) escutar(loc) esperar(loc) segurar(loc)

oh quer dizer mas esta aí fica aí olha olhe olhem olha aqui olhe aqui olha lá olhe lá olha aí olha bem olha só vê veja vejam vejamos viu vê lá veja lá vê bem veja bem vejam bem vê só veja só vejam só escuta escuta aqui espera lá segura aí agora ahn ahn

(12)

Essa exemplificação em rede (Fig. 01) demonstra o tratamento dos marcadores discursivos, em visão organizacional da língua, na qual as formas linguísticas compartilham características funcionais. Essa taxonomia evidencia características estruturais que, em contextos de uso, assumem funções diversas nas trocas comunicativas. Dessa maneira, os marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, em algum ponto na rede linguística, compartilham propriedades morfossintáticas, semânticas e discursivo-pragmáticas com marcadores de mesma base verbal e com outros marcadores.

Observamos que, com os marcadores discursivos olhe lá e vê lá, exemplificados em (1) e (2), ocorrem três tipos de compartilhamento: o morfossintático, por meio do advérbio locativo lá; o semântico, referente ao sentido de percepção do campo de atenção, e o discursivo-pragmático, relacionado ao chamamento de atenção do ouvinte. Em contrapartida, verificamos o afastamento entre os marcadores discursivos olhe lá e vê lá quanto à negociação de sentidos asseverativos e assertivos.

O falante, em (1), ao negociar sentidos direcionados para uma proposição afirmativa, composta por argumentos para convencer o ouvinte, recruta o marcador discursivo para reforçar o sentido de asseveração ao contexto. Visto que a sequência injuntiva ‗Tome cuidado‘ é proferida com muita segurança, em tom rígido, o marcador olhe lá enfatiza essa rigidez e corrobora a negociação do sentido asseverativo.

O falante, em (2), afasta-se de sentidos que expressam severidade ao recrutar o marcador discursivo vê lá para reforçar o sentido de atenuação do contexto, tornando-o menos asseverativo. Sua fala transparece pouco teor de credibilidade, sustentada pelo tempo verbal no presente ‗é‘ e o advérbio temporal ‗hoje‘. Os sentidos negociados pelos interlocutores, em (2), são sentidos assertivos, próprios da relação entre pai e filha, em idade adulta.

Nossa hipótese é a de que os marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual situam-se numa rede funcional interligada e, por especificidades muito próprias, se agregam ou se afastam uns dos outros na rede construcional, mas se mantêm integrados ao padrão Vpv(x)md.

As relações gramaticais entre as construções marcadoras discursivas e as demais construções do inventário da língua são reguladas pelas emergências surgidas em situação real do uso da língua, isto é, a gramática emerge do discurso. Assim, nosso entendimento de organização da gramática segue Cezário, Martelotta e Votre (1996):

Partimos da concepção de que a gramática de uma língua natural nunca é estática e acabada: tomada sincronicamente, a gramática de qualquer língua exibe, simultaneamente, padrões regulares, rígidos, e padrões que não são completamente

(13)

fixos, mas fluidos. Por alguma razão, certos padrões novos se estabilizam, o que resulta numa reformulação da gramática. Nesse sentido, a gramática é um ‗sistema adaptativo‘: enquanto sistema, é parcialmente autônoma, mas, ao mesmo tempo, é adaptativa na medida em que responde a pressões externas ao sistema. (CEZÁRIO; MARTELOTTA; VOTRE, 1996, p. 11)

A possibilidade de analisar a língua como padrões fluidos nos permite defender que os marcadores discursivos olhe lá e vê lá compõem um padrão organizacional em que os contextos de uso regulam as relações entre as formas desse padrão e o seu funcionamento discursivo-pragmático. Com esse pressuposto, alegamos que a construção Vpv(x)md representa um nível de abstração hierárquica capaz de agregar outras construções, tanto em nível mais abstrato quanto em menos abstrato.

Esta pesquisa integra um projeto desenvolvido pelo grupo de pesquisa Discurso e Gramática (D&G), com sede na Universidade Federal Fluminense, iniciado em 2014, sobre Construcionalização e mudança construcional em expressões verbais compostas por pronomes locativos no português, coordenada pela professora doutora Mariangela Rios de Oliveira. Pretendemos contribuir para o conhecimento de estratégias de articulação da interface discurso e gramática, principalmente, no que diz respeito ao recrutamento e funcionalidade da categoria dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual.

Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é:

- identificar, levantar e descrever o padrão construcional dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, em perspectiva sincrônica.

Uma vez que defendemos a organização da língua como uma rede funcional, descrever o padrão construcional nos auxilia a entender como as formas convivem no complexo sistema da língua. Em decorrência, constituem objetivos específicos desta pesquisa: - levantar o inventário dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual olhar e ver, representativo do português brasileiro do século XX;

- hierarquizar os níveis de esquematicidade do padrão construcional Vpv(x)md;

- quantificar a frequência token e a frequência type do padrão construcional Vpv(x)md; - demonstrar a funcionalidade dos marcadores discursivos em contextos de uso;

- identificar a motivação pela conservação da flexão das formas nas quais o padrão se apresenta.

(14)

Nosso aporte teórico é sustentado pela Linguística Funcional Centrada no Uso, com base em Traugott e Trousdale (2013) e Bybee (2010, 2015). Nessa perspectiva, adotamos conceitos de gramática e língua indissociáveis do estatuto do uso, pressupondo que as realizações das expressões linguísticas tenham relevância de análise em nível cognitivo e interacional.

Como a Linguística Funcional Centrada no Uso defende que a língua se constrói na interação entre os falantes e que a gramática emerge do discurso, entendemos por linguagem um processo conceptual de caracterização do mundo físico e social, uma vez que o acúmulo de experiências nos ―permite interpretar uma experiência em termos de outras, o que constrói significados metafóricos‖ (BATORÉO, 2000, p.138). Coerentemente com esse conceito, a língua é descrita como um objeto dinâmico ―do ponto de vista do contexto e da situação extralinguística‖ (BISPO; FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2013, p.14).

Esta pesquisa é sincrônica, representativa do português brasileiro do século XX. Para tal fim, utilizamos os corpora2: Corpus Discurso e Gramática (D&G), Projeto Norma Linguística Urbana Culta (Nurc), Corpus do Português (CP) e Programa de Estudos do Uso da Língua (Peul).

Com a finalidade de alcançar nossos objetivos, organizamos o corpo da pesquisa em seis capítulos: Marcador discursivo como classe gramatical (Cap. 2), que consiste de um breve apanhado sobre conceitos e caracterização do marcador discursivo de base verbal perceptivo-visual; A função marcadora discursiva (Cap. 3), que trata da funcionalidade dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, incluindo nossa abordagem sobre macrofunção, funções e subfunção; Linguística Funcional Centrada no Uso (Cap. 4), em que discorremos sobre nossa base teórico-metodológica, apoiada pela Linguística Funcional Centrada no Uso, com ênfase na Gramática de Construções; Metodologia (Cap.5); Análise de Dados (Cap. 6), em que procedemos à análise dos dados levantados nos corpora, segundo a proposta de esquematização do padrão construcional, e registramos nossas observações sobre a funcionalidade dos marcadores discursivos em contexto de uso; e, por último, as Considerações Finais (Cap. 7).

2.

(15)

2. MARCADOR DISCURSIVO COMO CLASSE GRAMATICAL

Existe uma grande diversidade de abordagens no tratamento do marcador discursivo (MD) como objeto de estudo linguístico. O rótulo marcador discursivo é tomado como uma ampla classe categorial, favorecendo inúmeras definições e características. Os estudos divergem quanto a formas de apresentação textual, desempenho de funções, base gramatical (fonte), relevância em questões extralinguísticas, entre outras. Tal diversidade de aplicações trouxe contribuições a metodologias de análise, mas incompatibilidade na tentativa de unificar uma base teórica sobre o tema.

Na segunda metade do século XX, conforme descrevem Jucker e Ziv (1998), Fraser (1999) e Urgelles-Coll (2010), surge uma variedade terminológica3 que se desdobra em amplitude de conceitos sobre o tema. Esses elementos linguísticos, no nível da interação, foram considerados, primeiramente, como itens pragmáticos, frequentemente caracterizados como desprovidos de semântica (Conf. URBANO, 1993) ou expressões puramente lexicais.

Desde os estudos de Schiffrin (1987), Traugott (1995; 1997; 2007) e Fraser (1999), os MDs são tratados como categoria gramatical no nível da pragmática, com função, primariamente, de suporte ao discurso. Schiffrin (1987, p.31)4 define ―marcadores como elementos sequencialmente dependentes, os quais apoiam unidades de fala‖. A autora justifica a caracterização como ―sequencialmente dependente‖ para ―indicar que marcadores são artifícios que atuam no nível discursivo‖ (1987, p.37)5. Essa definição é ratificada pelas palavras de Traugott com o termo ―bracket discourse‖, referindo-se à atuação funcional ampla, ―quer dizer, marcar relações entre unidades do discurso sequencialmente dependentes‖ (TRAUGOTT, 1997, p.5)6.

Notamos, na literatura sobre o tema, que essas diferenças são atenuadas em conceitos mais amplos e diversidade de elementos sob o mesmo foco analítico. As terminologias utilizadas no início dos estudos sobre o português brasileiro foram: ―expressões de situação‖ (SAID ALI, 1930); ―marcadores discursivos‖ (CASTILHO, 1989); ―marcadores conversacionais‖ (MARCUSCHI, 1989; URBANO, 1993).

3

As terminologias não são citadas porque não é nosso objetivo descrevê-las. 4

―I operationally define markers as sequentially dependent elements which bracker units of talk.‖ (SCHIFFRIN, 1987, p. 31) [Tradução nossa]

5

―I use the term sequential dependence to indicate that markers are devices that Work on a discourse level.‖ (SCHIFFRIN, 1987, p.37) [Tradução nossa]

6

―[...] function of wich is to ―bracket discourse‖, that is, to mark relations between sequentially dependent units of discourse.‖ (TRAUGOTT, 1997, p. 5) [Tradução nossa]

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2.1 O CONCEITO DE MARCADOR DISCURSIVO (MD)

Diante de um universo de terminologias e conceituações7, situamos nossa pesquisa entre os trabalhos sobre os marcadores discursivos enquanto categoria gramatical, enfocando os aspectos cognitivos, morfossintáticos, semânticos e discursivo-pragmáticos. Podemos dizer que nos propomos trabalhar com MDs do tipo interacional, os quais apoiam a negociação de significados entre falante e ouvinte. Sendo assim, nosso foco de pesquisa recai sobre os MDs olha, olhe, olhem, olha aqui, olhe aqui, olha aí, olha lá, olhe lá, olha bem, olha só, vê, veja, vejam, vejamos, viu, vê lá, veja lá, vê só, veja só, vejam só, vê bem e vejam bem.

Na literatura sobre o tema, não encontramos um conceito de MD que satisfaça exclusivamente a descrição dos MDs de base perceptivo-visual, razão por que decidimos selecionar um conceito próximo de nossa perspectiva cognitivo-funcional. Selecionamos o de Risso, Silva e Urbano (1996; 2002; 2015), que assim definem os MDs:

Trata-se de amplo grupo de elementos de constituição bastante diversificada, envolvendo, no plano verbal, sons não lexicalizados, palavras, locuções, e sintagmas mais desenvolvidos, aos quais se pode atribuir homogeneamente a condição de uma categoria pragmática bem consolidada no funcionamento da linguagem. Por seu intermédio, a instância da enunciação marca presença forte no enunciado, ao mesmo tempo em que se manifestam importantes aspectos que definem sua relação com a construção textual-interativa. (RISSO; SILVA; URBANO; 2002, p. 21)

Na leitura do conceito exposto, podemos destacar que os autores consideram os MDs uma categoria pragmática, com fluidez funcional, estabelecendo relações principalmente entre os níveis textual e discursivo da gramática.

Vejamos como se aplica esse conceito utilizando nosso corpus:

(3) LOC. - Esses dois tipos de, de furo, né? O redondo e o quadradinho. Quadrado mais retangular, né?

DOC. - E quando você quer ligar várias coisas numa tomada? LOC. - A gente usa o, ih, benjamim, né?

DOC. - É isso mesmo, olha aqui, você gosta, você é ligada em roupa? LOC. - Não. Não sou ligada em roupa não.

DOC. - Você, você é contra a sociedade de consumo?

LOC. - Se eu sou contra? Eu sou contra em termos de ser contra, entende?

DOC. - ... você ... costuma comprar muito. (NURC-RJ, DID, Inq.14, Loc. 17, 1971)

7

(17)

No exemplo (3), O falante (DOC) responde a pergunta de seu interlocutor e continua com o turno, mas observamos que, ao dar sequência à declaração, é mudado o tema do diálogo. O falante recruta o MD olha aqui para apoiar sua intenção de mudar o tema da sequência textual. Para tal finalidade, reforça, com o uso do MD olha aqui, o espaço de atenção já dispensado antes. Podemos observar, na negociação de sentidos no contexto, dois comportamentos relevantes da forma em destaque:

(i) apoiar a elaboração dos constituintes no enunciado, cumprindo uma função textual de sequenciar os segmentos do discurso;

(ii) apoiar a interpelação de um falante sobre o ouvinte, desempenhando uma função discursiva básica de chamada de atenção.

No exemplo (3), o MD olha aqui confere sentidos contextuais que reforçam funções cumulativas textuais e discursivas. Nessa perspectiva cumulativa, Schiffrin (2001) propõe uma diretriz de análise para os MDs em diferentes níveis linguísticos:

Propus que marcadores discursivos possam ser considerados como um grupo de expressões linguísticas composto por membros de classes de palavras muito variadas como conjunções (e, mas, ou), interjeições (oh), advérbios (agora, então), e locuções lexicalizadas (você sabe, quer dizer). Também propus um modelo discursivo com diferentes planos (superfícies): um enquadramento de participação, estado de informação, estrutura ideacional, estrutura de ação, estrutura de mudança. Minhas análises específicas mostraram que marcadores poderiam funcionar nos diferentes níveis do discurso para conectar sentenças em uma superfície simples ou mesmo através de diferentes superfícies. (SCHIFFRIN, 2001, p.57)8

Schiffrin (2001, p.54)9 sinaliza um desdobramento de análise em planos/superfícies ―de itens linguísticos que funcionam nos domínios cognitivo, expressivo, social e textual‖. Na mesma visão de análise, Traugott (2007, p.140)10 considera que os MDs ―são multifuncionais‖. Dessa forma, o fator multifuncionalidade torna-se respaldo para uma análise

8

―I proposed that discourse markers could be considered as a set of linguistic expressions comprised of members of word classes as varied as conjunctions (e.g. and, but, or), interjections (oh), adverbs (now, then), and lexicalized phrases (y’know, I mean). Also proposed was a discourse model with diferent planes: a participation framework, information state, ideational structure, action structure, exchange structure. My specific analyses showed that markers could work at diferent levels of discourse to connect utterances on either a single plane (1) or across diferent planes (2).‖ (SCHIFFRIN, 2001, p. 57) [Tradução nossa]

9

―[...] – are one set of linguistic items that function in cognitive, expressive, social, and textual domains.‖ (SCHIFFRIN, 2001, p. 54) [Tradução nossa]

10

―[...] ―that function in cognitive, expressive, social, and textual domains‖ (Schiffrin 2001:54) and are multifunctional [...]‖.(TRAUGOTT, 2007, p.140) [Tradução nossa]

(18)

não linear, mas cumulativa das funções desempenhadas pelos MDs, favorecendo uma pesquisa tanto quantitativa quanto qualitativa.

2.2 NATUREZA E PROPRIEDADE DE CATEGORIZAÇÃO

Marcuschi (1989, p.282) apresenta um enquadre dos marcadores conversacionais no português brasileiro, destacando suas formas, posições e funções. Observa que ―os MCs operam simultaneamente, como organizadores da interação, articuladores do texto e indicadores de força ilocutória, sendo, pois, multifuncionais‖.

Castilho (1989, p.273), em estudo sobre as unidades discursivas, trata dos MDs em suas funcionalidades, reconhecendo que ―os marcadores discursivos exercem uma função comum: todos eles organizam o texto‖.

Risso, Silva e Urbano (2002, p.22) ressaltam que é difícil ―um consenso quanto à determinação da natureza e propriedades dos marcadores‖. Em decorrência, demostram a necessidade de estabelecer traços básicos definidores do rótulo ―marcadores discursivos‖. Os aspectos selecionados pelos autores como traços definidores dos MDs utilizados para estabelecer relação de prototipicidade entre os MDs ―basicamente interacionais‖ e os MDs ―basicamente textuais‖ são: padrão de recorrência, articulação de segmentos do discurso, orientação da interação, relação com o conteúdo proposicional, transparência semântica, apresentação formal, relação sintática com a estrutura oracional, demarcação prosódica, autonomia comunicativa, massa fônica, tipo de ocorrência, base gramatical (fonte), sexo dos informantes, local do inquérito, tipo de inquérito e posição (RISSO; SILVA; URBANO, 2002, p.23-32).

A partir de um conjunto com base nos traços de variáveis dos dezesseis aspectos estabelecidos, os autores propõem um conjunto de ―elementos esclarecedores da natureza e propriedades, não absolutas, mas por vezes intimamente correlacionadas‖. Os traços apresentados são organizados em mais presentes e/ou menos presentes por número de ocorrências, formando assim os ―traços-padrão definidores do estatuto dos MDs‖, os quais passamos a descrever na íntegra:

(a) como mecanismos verbais da enunciação, atuam no plano da organização textual-interativa, com funções normalmente distribuídas entre a projeção das relações interpessoais – quando o foco funcional não está no sequenciamento de partes do texto – e a proeminência da articulação textual – quando a dominante deixa de estar no eixo da interação;

(19)

(b) operam no plano da atividade enunciativa e não no plano do conteúdo; por isso mesmo, são exteriores ao conteúdo proposicional e à informação cognitiva dos tópicos ou segmentos dos tópicos. Entretanto, asseguram a ancoragem pragmática desse conteúdo, ao definirem, entre outros pontos, a força ilocutória com que ele pode ser tomado, as atitudes assumidas em relação a ele, a checagem de atenção do ouvinte para a mensagem transmitida, a orientação que o falante imprime à natureza do elo sequencial entre as entidades textuais. Codificam, portanto, uma ‗informação pragmática‘ (Fraser, 1990). Nessa qualidade, estabelecem-se como embreadores dos enunciados com as condições da enunciação, apontando para as instâncias produtoras do discurso e definindo a relação dessas instâncias com a estruturação textual-interativa;

(c) manifestam um processo de acomodação do significado literal da(s) palavra(s) que os constitui (constituem) à sinalização de relações dentro do espaço discursivo. Esse fato carreia, muitas vezes, uma perda parcial de sua transparência semântico-referencial;

(d) analisados do ponto de vista da integração sintática na estrutura oracional, os MD são unidades independentes, que, portanto, não se constituem como parte integrante dessa estrutura;

(e) realizam-se, na maioria das vezes com o acompanhamento de uma pauta prosódica demarcativa. Ora bem definida – em ocorrências delimitadas por nítida curva entonacional, com rebaixamento de tom no final da unidade -, ora bastante sutil. A demarcação prosódica que costuma acompanhar a realização dos MD é uma evidência a mais de sua dissociação sintática em relação à estrutura oracional em que se alocam;

(f) são insuficientes para constituírem enunciados completos em si próprios, ou seja, são, do ponto de vista comunicativo, unidades não autônomas, diferenciando-se, nesse ponto, mas não somente nele, das interjeições, dos vocativos, das palavras-frase;

(g) em seu padrão mais frequente e característico, os MD são formas de extensão reduzida a uma ou duas palavras ou de massa fônica mais restrita a um limite de três sílabas tônicas. O envolvimento de maior número de unidades léxicas ou sílabas tônicas, na constituição de um MD, implicaria, normalmente, um grau maior de elaboração sintática e de transparência semântico-referencial, que parece pouco compatível com o caráter mais formulaico esperado em sua composição;

(h) de modo geral, destacam-se como formas recorrentes no espaço textual, sendo o padrão dessa recorrência, evidentemente, dependente dos limites de segmentação do

corpus de análise;

(i) quanto à apresentação formal, os MD são, comumente, formas mais ou menos fixas, pouco propensas a variações fonológicas, flexionais ou de construção. As pequenas alterações observadas, restritas quase sempre a contrações (não é ~ né), reiterações (ahn ~ ahn, ahn; etc. ~ etc., etc.) ou manifestação de uma variante flexional específica (entende? ~entendeu?) ou sintagmática (digamos ~ digamos

assim), confirmam a tendência para a cristalização formal dos MD, e para seu

estatuto de fórmulas já prontas para serem usadas no discurso com certo grau de automatismo, sem passarem previamente por uma elaboração léxico-sintática mais palpável. (RISSO; SILVA; URBANO; 2002, p.53-54)

(20)

O elenco de propriedades é extenso, mas torna-se necessário citá-lo. Essas variáveis e seus traços, mais ou menos ausentes, se combinariam num ―núcleo-piloto‖ para uma definição da categoria. Essas propriedades servem de embasamento para algumas de nossas análises, tanto na confirmação quanto na refutação das propriedades pertencentes ao nosso objeto.

O refinamento das propriedades de caracterização dos MDs objetiva mostrar que, embora constituam uma classe difusa, com membros afastados uns dos outros na rede linguística funcional, há, entre os membros da categoria, relativa coesão, demonstrando regularidades entre as funções desempenhadas em contexto. Essas variáveis e seus traços, mais ou menos ausentes, se combinariam num ―núcleo-piloto‖ para uma definição da categoria.

Em publicação mais recente, Castilho (2014, p.229-230) ressalta que os MDs compõem uma classe polifuncional e os organiza por sua função e posição no enunciado. O autor os divide em dois grandes grupos:

(i) marcadores pragmáticos ou interpessoais - orientados para o interlocutor, podendo se apresentar no início, no meio ou no final dos turnos;

(ii) marcadores textuais ou ideacionais - orientados para o texto, podendo iniciar o tópico, recusá-lo, aceitá-lo, organizá-lo, operar a mudança de tópico e finalizar o tópico.

Nessa divisão feita por Castilho (2014), percebemos uma tendência de organizar os MDs em um continuum de modalidade da língua falada para a escrita.

Compartilhamos com os autores a importância de trabalhar com conceitos, critérios e propriedades amplas, principalmente, quando se tem um grupo heterogêneo de exemplares, como é o caso dos estudos citados anteriormente11. Entretanto, registramos a necessidade de parâmetros mais específicos na definição e categorização de MD para o padrão construcional Vpv(x)md.

11

Risso et al. (2002) trabalham com: a seguir, o seguinte, acontece que, agora, ah, ahn, aí, aliás, assim, bem,

certo, certo?, como vocês estão vendo, como sejam, digamos assim, e, então, entendeu?, esses jogos só, mas, eu sei que, entre outras formas.

Urbano (1999) focaliza: bem, ah, ahn-ahn, hein, sabe?, não é, bom, sei, não é verdade?, certo, claro, exato, é, é

claro, é verdade, viu?, não? eu acho que, olha, pois é, entre outras.

Castilho (2014) trabalha com: ah..., eh..., ahn..., olha, escuta, vem cá, assim, seguinte, e por falar em, você já

ouviu a última, exato, essa não, xi: lá vem você de novo, não é mesmo, fala, e depois, já, ,,,sim, mas, de certa maneira, papapá..., entre outras.

(21)

Na busca de parâmetros mais específicos, o grupo de pesquisa Discurso & Gramática (D&G), com sede na UFF, tem desenvolvido estudos, desde 2014, sobre Construcionalização e mudança construcional em expressões verbais compostas por pronomes locativos no português. Esses estudos visam entender a direcionalidade do padrão de formação dos MDs acompanhando sua dinamicidade através dos fenômenos de mudança linguística. Um dos padrões estudados pelo grupo é formado por verbo encadeado por locativo, representado por VLocMD (conf. TEIXEIRA, 2015; OLIVEIRA e TEIXEIRA, 2015). Mediante às análises diacrônicas, esses estudos demostram que formas como vamos lá, quero lá, sei lá ou olha lá, em função marcadora discursiva, são resultantes de construcionalização12 do predicado verbal.

Partindo da metodologia empregada pelo grupo de estudo D&G, consideramos os MDs de base verbal perceptivo-visual elementos que articulam segmentos do discurso, estabelecendo relações entre componentes textuais, no plano da enunciação, isto é, correlações com significados extratextuais (ancoragem pragmática). Dessa maneira, os MDs de base verbal perceptivo-visual compõem a tessitura do discurso como expressão coerente da língua.

Na próxima seção, passamos a expor as três principais características dos MDs de base verbal perceptivo-visual.

2.3 CARACTERIZAÇÃO DO MD DE BASE VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL

Para estreitar a caracterização da classe dos MDs, levantamos trabalhos com foco na temática da marcação discursiva. Desses trabalhos captamos características amplas, que servem para descrever nosso padrão construcional Vpv(x)md e englobam as duas bases verbais

olhar e ver. Essas características nos auxiliam na descrição e limitação de nosso objeto. A primeira característica levantada é de natureza estrutural: a ―autonomia sintática‖ (OLIVEIRA, 2015, p.26). Sintaticamente, os MDs apresentam-se autônomos em relação aos papéis sintático-oracionais, na composição dos arranjos discursivos. No exemplo a seguir, podemos identificar a autonomia sintática através do contexto de uso do MD olha aqui:

(4) Doc. - Se o senhor marca um horário com uma pessoa e cumpre esse horário, o senhor passa a ser o quê?

Loc. – Cumpridor do meu dever.

12

Construcionalização é um fenômeno estudado pela Gramática de Construções, é quando a língua, através da regulação de seus padrões, cria um novo signo linguísticos, um novo pareamento de forma e sentido.

(22)

Doc. – Em relação ao tempo?

Loc. – Mesmo em relação ao tempo. Olha aqui, bom, eu não quero fazer o meu cliente esperar.

Doc. – Não está fugindo nem uma palavra.

Loc. – Não sei. Só se vocês têm alguma palavra, aí eu ignoro qual seja. Doc. – Os clientes não se incomodam de esperar no consultório do médico?

Loc. – Bom, o do ...doutor D. talvez possa confirmar. O cliente, quando está na sala de espera, esperando a vez, ele é, apesar de nós chamarmos o cliente de paciente, ele é impaciente. (NURC-RJ; DID; Inq. 44, Loc. 53, 1972)

O MD olha aqui, no exemplo (4), é posicionado entre duas cláusulas que não apresentam dependência semântica ou sintática entre si. A primeira consiste em um par P-R, e a segunda, em uma declaração conclusiva. O MD olha aqui se encontra separado da primeira cláusula por ponto final e da segunda, por vírgula. De certo modo, podemos destacar que o MD olha aqui está inserido na segunda cláusula, mas não participa da respectiva organização sintático-semântica. A presença da vírgula denota pausa, logo após, há outro MD - ―bom‖ -, que podemos considerar como fronteira estrutural na linearidade do texto.

Na primeira cláusula (par P-R), o MD não mantém correspondência sintática com nenhum de seus componentes. Na segunda, uma declaração argumentativa, o MD olha aqui igualmente não mantém correspondência sintática com nenhum de seus componentes. Dessa maneira, observamos que o MD olha aqui não participa de papel sintático das estruturas oracionais nas quais está inserido, o que nos permite considerar que os MDs formados pelos verbos perceptivo-visuais olhar e ver não complementam sintaxe no eixo sujeito-verbo-predicado.

Contemplamos a ―orientação da interação‖ (RISSO; SILVA; URBANO, 2015, p.375) como segunda característica dos MDs. A orientação da interação consiste em um traço discursivo-pragmático cuja estratégia é manter o contato entre os interlocutores, direcionando a atenção do ouvinte para cumprir intenções comunicativas, desde decodificação da informação até mudança de atitude.

Vejamos um contexto de uso para exemplificar a característica da orientação da interação apontada acima:

(5) L1: eu quero... o tratamento igual sabe? parece uma coisa assim e tal... de respeito eu estava te falando... por excesso também... porque eh... como a maioria das pessoas não é integrada quando... quando... quando encontram uma pessoa assim que vive em família assim penso assim "ah... ih... coitadinha é quadrada... então mil coisas... está entendendo...

(23)

L1: não aceita a pessoa ter determinados valores... antes seja uma pessoa bacana pura aberta contemporânea... não gosto da palavra moderna... prefiro falar contemporânea... contemporânea e... poxa ela... olha aí estou te sentindo... eu estou te transformando na minha plateia né?

L2: não... eu hein...

L1: mas eu estou acostumada a ( ) estou acostumada... eu gosto de falar... na faculdade eu estudava na Faculdade Nacional a maioria das pessoas morava no subúrbio então eu tenho esse jeito mesmo de falar eu me expresso muito com as mãos... com o corpo né? (NURC-RJ; D2, Inq.147, 1973)

A característica de orientação da interação extrapola a função fática da linguagem, não apenas mantendo o contato entre falante e ouvinte, mas projetando aspectos de tipologia e gênero discursivo, próprios da oralidade. No caso de (5), a orientação da interação direciona para o nível organizacional discursivo-interacional. No exemplo (5), o contexto traz sequências dissertativas utilizadas para, além de compor a textualidade, expressar opinião evocando julgamento crítico acerca de valores humanos.

No segundo turno, o falante L1, percebendo que exagerou em seu papel de falante na interação, interrompe sua fala e pontua essa qualificação no contexto ‗olha aí estou te sentindo... eu estou te transformando na minha plateia né?‘. O uso do MD olha aí pontua tal avaliação e coloca o ouvinte como interlocutor dessa autoanálise. Assim, a sequência textual, a partir do MD, torna-se injuntiva.

Dessa característica, entendemos que os MDs de base perceptivo-visual apoiam o posicionamento entre falante e ouvinte como interlocutores em seu contrato comunicativo, direcionando a organização do contexto discursivo para a realização das intenções dos falantes. Com essa característica, notamos que, nem sempre, a intenção dos falantes é apenas transmitir informações, mas carregá-las de sentidos para induzir atitudes e reinterpretações dos próprios sentidos atribuídos pelo ouvinte.

Nossa terceira característica distintiva é de propriedade fonológica; ocorre quando há ―uma formação de um grupo de força ao pronunciar estas formas‖ (OLIVEIRA, 2015, p.27), acrescentando-lhes entonação, diferentemente do que seria no caso em que se tratasse de suas formas verbais plenas. Consideramos esta terceira característica como um relevo fonológico.

Vejamos, no contexto de uso linguístico, o tratamento dado como relevo fonológico:

(6) – Qual é que é, amizade? – indaga Alfinete. O cara apenas sorri. – Quebrando a cabeça pra centrar esta roda. Acho que o quadro tá com defeito. – Tou querendo um alô! Alemão manda que fale. – É uma chave especial que se tá precisando. O mecânico ajeita os óculos, os olhos parecem desmensuradamente grandes, por trás das lentes. – Olha lá! Vê

(24)

o que tá arranjando! Nada. Se tá começando uma boa – explica Alfinete. (CP, Fic, José P. Louzeiro, Infância dos Mortos, 1977)

O MD olha lá, em (6), encontra-se isolado das outras estruturas oracionais de seu entorno. Nesse contexto, em termos de cláusula, é sintaticamente independente, formando um bloco único margeado por um travessão e por pontuação exclamativa. Outra justificativa para a entonação diferenciada do MD é o fato de aparecer como a forma que abre o discurso, uma primeira carga prosódica. Esse traço pode se manifestar com mais ou menos entonação, entretanto, ―há ocorrências em que se percebe completa autonomia entonacional, à semelhança de interjeições e vocativos‖ (RISSO; SILVA; URBANO, 2015, p.371). O margeamento das formas por pausa, indicação de abertura ou fechamento de turno, bem como a pontuação, principalmente exclamações, indicam uma diferença na pronúncia da forma relatada. Com esse contexto de uso, exemplificamos que tratamos todos os MDs pertencentes ao padrão Vpv(x)md como possuidores do traço relevo fonológico.

Diante das considerações apresentadas, as três características levantadas como definidoras da categoria marcadora discursiva são:

(a) autonomia sintática; (b) orientação da interação; (c) relevo fonológico.

Essas características são estendidas a todos os MDs de base verbal perceptivo-visual que compõem o padrão Vpv(x)md.

(25)

3. A FUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA

Como mencionado na abertura do Capítulo 2, o termo marcador discursivo é tomado como uma ampla classe categorial que engloba, sob um único rótulo, elementos de diferentes fontes lexicais como: ―substantivo, adjetivo, pronome, preposição, conjunção, interjeição, advérbio, locução e verbo‖ (RISSO et al, 2002, p.32). Ao serem recrutados como MDs, esses diferentes elementos compartilham algumas características como: o afastamento das funções sintáticas, o aumento de funções textual-interativas, padrões de contextos motivacionais de usos, rotinas cognitivas de convencionalização e funções discursivo-pragmáticas específicas. Sendo assim, a função marcadora discursiva, assumida por uma forma ou por toda a classe, necessita ser generalizada, passando a funcionar como uma macrofunção.

3.1 A MACROFUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA

Um dos problemas observados nos levantamentos de vários trabalhos sobre o tema dos MDs é a junção de todos sob uma única categoria ampla, sem especificar a motivação do afastamento entre os membros da classe. Há pouca referência sobre a gradiência entre seus membros e os fenômenos linguísticos envolvidos. A principal preocupação revelada nos estudos mais recentes é estabelecer a prototipicidade e os pontos de limite entre os membros da classe. Esperamos, com a abordagem fundada na LFCU, colaborar para o entendimento da motivação linguística quanto à diferença de recrutamento entre os membros da classe dos MDs em diferentes contextos de uso.

Traugott (1995) destaca a dificuldade em especificar um único cline de unidirecionalidade para todos os fenômenos envolvidos na criação de MDs. Podemos compreender melhor tal afirmação nas palavras de Risso, Silva e Urbano (2015, p.387) ao justificarem as ―unidades limítrofes‖ no rol dos MDs:

Relativamente a essa ―classe‖ gradiente de MD, há ainda elementos que se intersecionam com os MDS, pelo estatuto comum de mecanismos verbais da enunciação, mas que se distanciam gradualmente deles, numa escala contínua de particularidades diferenciais: são as unidades limítrofes. Nelas, o grau de disjunção pode alcançar proporções maiores do que as dos MDS não prototípicos, e tem uma qualidade particular, porque as variações podem não somente se manifestar nos pontos fortes das variáveis como também afetar a configuração do núcleo-piloto identificador do conjunto dos MDS.

(26)

Observamos, ainda, dificuldade em estabelecer limites, uma vez que autores como Castilho (2014), Risso, Silva e Urbano (2015), Marcuschi (1986; 1989), Schiffrin (1987; 2001) e Traugott (1995; 1997) tratam de macrofunção sob o ponto de vista sincrônico e generalizam categorização e categorizados. Por esse motivo, tomamos a noção de macrofunção como uma característica comum a todos os MDs, já que constitui a principal justificativa para agrupá-los sob o mesmo rótulo. O termo macrofunção, neste trabalho, é definido como uma função primária e global – a de conferir suporte ao discurso.

Traugott (2007, p.140) destaca a capacidade multifuncional de os MDs atuarem, simultaneamente, nos domínios cognitivo, expressivo, social e textual. Por essa razão, percebemos a necessidade do foco analítico tanto sobre aspectos intralinguísticos quanto extralinguísticos dos contextos de uso. Assim, por serem os MDs resultados de emergências geradas na negociação da interação, a macrofunção e suas especificidades (como funções mais restritas) só podem ser descritas em contextos que demonstrem sua real situação de uso.

Além da questão da macrofunção, as pesquisas funcionalistas constatam uma grande variedade de funções que os MDs, como categoria gramatical, passam a desempenhar. Em decorrência, o termo mais comumente utilizado na descrição característica dos MDs é polifuncionalidade. Vejamos como Jucker e Ziv (1998, p. 4)13 estabelecem essa polifuncionalidade no final da década de 1990:

Os diferentes estudos de marcadores discursivos distinguem vários domínios onde eles podem ser funcionais, nos quais são incluídos parâmetros textuais, atitudinais, cognitivos e interacionais. Consequentemente, marcadores discursivos têm sido analisados como artifícios de estruturação textual (marcando abertura ou fechamento de unidades do discurso ou transições entre elas), como modalidade ou indicador atitudinal, como marcadores de relacionamento e intenção de falante/ouvinte, e como instruções de como dada sentença deva ser processada.

Nesse texto, os autores tratam de vários domínios funcionais simultâneos e também de funções que podem ser cumulativas dentro de cada domínio funcional específico. A polifuncionalidade é, assim, a atuação de um ―mesmo item em mais de uma função‖ (CASTILHO, 2014, p. 229) dentro de um mesmo domínio ou de vários domínios distintos.

13

(JUCKER e ZIV, 1998, p. 4): ―The different studies of discourse markers distinguish several domains where they may be functional, in which are included textual, atitudinal, cognitive and interactional parameters. Accordingly, discourse markers have been analysed as text-structuring devices (marking openings or closings of discourse units or transitions between them), as modality or atitudinal indicators, as markers of speaker-hearer intentions and relationships, and as instructions on how given utterances are to be processed.‖ [Tradução de responsabilidade da autora do trabalho]

(27)

Alguns estudos sobre os MDs no português brasileiro (URBANO, 1999; RISSO, 1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2002; 2015; ROST-SNICHELOTTO, 2008; CASTILHO, 2014) subdividem a função marcadora discursiva em duas:

(i) Interacional – função orientada para o interlocutor, direcionada à enunciação, ao ato de interagir, à interpessoalidade, suporte da interface falante/ouvinte;

(ii) Sequenciadora – função orientada para o texto, ideacional, ―ao amarramento textual das porções de informação‖, relacional, suporte da interface falante/texto.

Os autores citados não consideram essa subdivisão estanque nem descartam o acúmulo dessas duas funções mais amplas.

Diante desses posicionamentos teóricos, definimos que os MDs, enquanto categoria gramatical, ―preenchem múltiplas funções‖ (URGELLES-COLL, 2010, p. 24)14 e abarcam elementos mais e elementos menos prototípicos. Podemos concluir que ―as expressões linguísticas que facilitam o processamento do discurso‖ (PENHAVEL, 2012, p. 79) pertencem a uma categoria ampla, difusa, que apresenta, na maioria das vezes, um único ponto de intersecção entre seus elementos – a macrofunção marcadora discursiva.

3.2 AS (SUB)FUNÇÕES MARCADORAS DISCURSIVAS

Das observações já feitas, podemos resumir que os MDs pertencentes ao padrão Vpv(x)md desempenham macrofunção de:

(a) dar suporte ao discurso.

E dessa macrofunção, desempenham funções mais específicas de: (a) articular segmentos do discurso;

(b) direcionar a interação;

(c) assegurar ancoragem discursivo-pragmática.

Desse modo, é possível inferir que as funções atuam entre o eixo textual-interativo e o discursivo-pragmático. O estabelecimento dessas três funções representa a base funcional do nosso objeto. Nesse sentido, vejamos os contextos de uso que se seguem:

14

(URGELLES-COLL, 2010, p. 24): ―The difference in the terminology is a reflection of the wide range of linguistic approaches used to study these elements, as well as the multiple functions that these elements seem to fulfill.‖ [Tradução nossa]

(28)

(7) F- Ah, É. Eu acho que É sim. Não só cozinhar, não É? como saber cuidar da casa. Mais tarde casa, não É? Aí não sabe fazer nada, aí o marido vai, não É? encontra uma na rua que saiba fazer, saiba cozinhar melhor que a gente. Olha aí! Como É que fica? já pensou? gente não sabe cozinhar, aí, não É? homem com- homem com essa mania, não É? de "Ah, porque-" sempre joga na cara: "ah, porque fulano faz isso assim muito gostoso, faz uma comida que É uma delicia!" e aí a cara da gente fica no chão, não É? "poxa, eu não sei fazer!" não É? Aí fica chato. Acho que É fundamental a mulher saber cuidar da casa, não É? saber cozinhar, lavar. (PEUL/RJ, Censo 1980. Falante 5)

No exemplo (7), a falante, em seu depoimento, opina que todas as mulheres devem saber cozinhar, e completa com o argumento: ―aí o marido vai, não É? encontra uma na rua que saiba fazer, saiba cozinhar melhor que a gente‖. Subitamente, a falante interrompe a sequência e insere, na linearidade textual, o MD olha aí tipificado por exclamação. O chamamento inesperado de atenção conferido pelo MD olha aí auxilia o encaminhamento da interação, uma vez que o falante pontua segmentos do contexto que requisitam a participação do ouvinte.

O uso do MD sinaliza o questionamento ao ouvinte: ―como é que fica? Já pensou?‖. Assim, o recrutamento do MD articula o segmento dissertativo, anterior ao MD, com as declarações interrogativas. Ao mesmo tempo em que o MD é direcionado ao ouvinte, ativa sua participação na interação, através da interpelação, dos questionamentos. O contexto, nessa dinâmica, torna-se mais injuntivo. Na negociação de significados, a falante sugere, em sentido contextual, que ―mulher que não sabe cozinhar fica sem marido‖. O uso do MD olha aí apoia esse sentido, na medida em que reforça a atenção e aponta a provocação de resposta.

Vejamos outro exemplo:

(8) Naquele mesmo dia, alguém tinha me seguido no estacionamento de um banco e, quando olhei para trás, tive a nítida sensação de ver a testemunha, com uma saia preta na altura dos joelhos, que se esgueirou entre as colunas, desaparecendo por um corredor secundário, ao se dar conta de que tinha sido desmascarada. O Jorge deu uma gargalhada. "Eu sei o que você está pensando", eu disse, "mas tenho uma teoria. É apenas uma teoria, uma hipótese, mas que explica tudo. Veja só: convenhamos que quinhentos mil dólares não sejam nada para alguém se arriscar roubando e contrabandeando um quadro sobre o qual todas as atenções estão prestes a recair. Digamos que esse americano tenha sido um pouco mais esperto do que esperava a família do pintor quando ele fez aquela proposta que ele chamou de irrecusável, embora ao meu ver sem grande convicção. Talvez não na hora, mas depois, quem sabe, quando já estava no meio do processo, inebriado pelo risco e pelo crime. (CP, séc. XX, Br, Fic, Bernardo Carvalho, As iniciais, 1999)

No exemplo (8), o contexto de uso selecionado é um diálogo sobre o avistamento da testemunha do roubo de uma obra de arte. O contexto consiste em uma sequência textual com

(29)

elaboração de segmentos complexos, composta de argumentações e conclusões. O falante, na linha 7, inicia em sequência descritiva inicia sua dissertação: ―mas tenho uma teoria. É apenas uma teoria, uma hipótese, mas que explica tudo‖. Esse segmento atua como uma introdução geral para o tema a ser abordado. O falante dá continuidade ao turno, mas reinicia com o MD veja só, acentuando a atenção requerida do ouvinte. O recrutamento do MD veja só sugere ao ouvinte que sua atenção necessita acompanhar o processamento das informações de maneira mais aguçada. O falante, em (8), negocia sentidos construídos em uma sequência crescente de argumentos para provar a culpa do suposto ladrão, por esse motivo o ouvinte é despertado a mais demanda de atenção.

O recrutamento do MD veja só auxilia não só na articulação dos segmentos do discurso, articula o segmento introdutório com o argumentativo-conclusivo, como também sugere, pragmaticamente, ao ouvinte que ele é capaz de acompanhar e entender as informações, o que se percebe pelo tom direto e assertivo do MD na interação.

Agora, vejamos a seguir um trecho de entrevista:

(9) F- Ah, essa não! E- É verdade!

F- Você não sabe fazer pudim de leite condensado? Nem você? I- Mais ou menos.

F- Ah, essa não! Uma receita tão batida, Tão conhecida. E- Eu nunca fiz. nunca fiz pudim de leite.

I- E como faz?

E- Nunca fiz! Estou falando sério, Glorinha.

F- Bom, então eu vou dar heim. vê lá , heim! Uma lata de leite condensado. Mas não vai escrever, pelo menos, ora!

E- Lógico! Pega aí o lápis, Teresa. Manda fundo, vai fundo, vai lá. F- Uma lata de leite condensado, cinco ovos

E- Espera. Aí. Cinco ovos.

F- E duas latas, da mesma medida da lata, de leite de vaca.

E- Hum. Quer dizer, põe leite condensado, depois põe duas latas de leite.

F- É, de leite de vaca. Está forma caramelada, em banho-maria. Bater tudo no - no liqüidificador. (PEUL/RJ, Censo 1980, falante 11)

No exemplo (9), a falante (Glorinha) dialoga com a entrevistadora sobre alimentos e fica admirada ao saber que a entrevistadora não sabe fazer pudim. Em continuação ao diálogo, Glorinha resolve dar a receita de pudim, mas chama a atenção da interlocutora com o MD vê lá, acompanhado por uma interjeição. Essa estratégia extrapola o chamamento de atenção do falante para o ouvinte. O uso do MD vê lá está inserido em um contexto de advertência, reforçado pela exigência de que a receita seja anotada. Os sentidos negociados em (9)

(30)

remetem ao eixo da situacionalidade. A falante negocia sentidos que sugerem, pragmaticamente, que o ouvinte deva tomar cuidado com a provável situação futura, ou seja: ―não vá depois dizer que não sabe fazer pudim‖.

Vejamos o último exemplo da série:

(10) L2: você tem muito mais outros fatores.

L1: Mas seria o próprio governo que faria, seria o próprio governo que faria essas indústrias, justo?

L2: Não, mas não é só eletricidade. Olha aqui, você, você precisa... antes de mais nada vou te dar um exemplo.

L1: Transporte e eletricidade. O Brasil se resume nisso, em duas coisas.

L2: Não. Eu vou te dar... eu vou te dar um exemplo. Olha aqui, a Companhia Nacional de Álcalis. Foi criada aqui no Estado do Rio, quando as maiores salinas que nós temos e o sal aonde é mais barato é no nordeste. Então seria lógico, você diria, por quê?

(NURC/RJ, D2, Inq.64, informantes 74, 1972)

O exemplo (10) consiste em uma amostra de entrevista com dois informantes, L1 e L2, que dialogam sobre indústrias brasileiras. Há, em (10), duas ocorrências do MD olha aqui, recrutadas pelo falante informante L2. Notamos que esses usos do MD têm como objetivo comunicativo acentuar a atenção do ouvinte, valorizando o conteúdo a ser dito. Na linha 4, L2, antes de responder a pergunta do interlocutor, contra-argumenta: ―Não, mas não é só eletricidade‖. Logo após, insere o MD na linearidade textual. Na linha 7, L2, mais uma vez, contra-argumenta: ―não‖. Em seguida, faz uma observação e introduz a resposta com o MD olha aqui. Nos dois usos do MD olha aqui, observamos que o falante recruta o MD para reforçar sentidos de veracidade às informações veiculadas na interação. O contexto negocia sentidos que demonstram o quanto o falante se considera certo do que afirma. Essa postura o coloca como atribuidor do significado veiculado, papel esse reforçado pela contra-argumentação, feita anteriormente, negando, assim, o significado atribuído pelo seu interlocutor (L1).

Na exemplificação em (7), (8), (9) e (10), cabe ressaltar que as funções destacadas (dar suporte ao discurso; articular segmentos do discurso; direcionar a interação; assegurar ancoragem discursivo-pragmática) não estão isoladas. Há uma fluidez entre as funções e um não isolamento entre o marcador e sua função em contexto. Essa afirmação significa que não há um marcador próprio para uma função exclusiva. Ao contrário, o contexto de uso requer determinado MD que melhor apoie estratégias que expressam determinada negociação de sentidos no alcance das intenções comunicativas.

(31)

Para além das quatro (macro)funções, há outras especificidades decorrentes da fluidez dessas funções nos arranjos contextuais como subfunções marcadoras discursivas. Tais subfunções, juntamente com seu entorno linguístico, conferem ao contexto um grau de asseveração, de assertividade, de veracidade; acentuam ou atenuam o chamamento de atenção; provocam interpelação; marcam proximidade ou distanciamento entre os interlocutores; reforçam a advertência e sustentam contra-argumentação, entre outras.

Em contexto real de uso, a atuação das subfunções segue um efeito cumulativo, conforme nossos parâmetros de visão de língua como um inventário de construções. As subfunções de cada marcador em contexto de uso são tomadas como um conjunto indissociável que expressa o polo da função na composição estrutura-função da construção.

As análises, no Capítulo 6, visam, entre outros objetivos, especificar a atuação funcional dos MDs, identificando os contextos de uso de cada um dos 23 exemplares do padrão construcional Vpv(x)md. Dessa forma, no Capítulo 6, tratamos com mais particularidade os contextos de motivação do recrutamento das (sub)funções marcadoras discursivas, estreitando a noção de função discursivo-pragmática. Esperamos, com este estudo, contribuir para o entendimento da categoria dos MDs, de modo a ampliar dados que possam servir de base para futuros estudos, bem como para o prosseguimento deste.

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4. LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO

Nossa base teórica é norteada pela Linguística Funcional Centrada no Uso (MARTELOTTA, 2011; BISPO, FURTADO DA CUNHA e SILVA, 2013; OLIVEIRA e ROSÁRIO, 2015) com ênfase na Gramática de Construção (CROFT, 2001; GOLDBERG, 1995, 2006; BYBEE, 2010, 2015; TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013). A Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU), termo cunhado pelo grupo de estudos Discurso & Gramática, consiste em um modelo de análise linguística baseado no uso. Este modelo de análise tem sua origem na Linguística Funcional de vertente norte-americana com apropriações de conceitos da Linguística Cognitiva. A LFCU defende que a língua se constrói na interação entre os falantes e postula que ―o princípio básico da Linguística Funcional Centrada no Uso consiste no fato de que a estrutura da língua emerge à medida que esta é usada‖ (BISPO, FURTADO DA CUNHA e SILVA, 2013, p.15).

As contribuições funcionalistas centradas na análise dos contextos linguísticos caracterizam um tratamento dos dados no contexto de seu uso efetivo, o que torna possível uma visão ampla da dinamicidade da língua. Em acréscimo, as contribuições cognitivistas, centradas na análise da linguagem como um processo conceptual de caracterização do mundo físico e social, embasam a dinamicidade da língua pelos processos cognitivos. Desse modo, a LFCU assume uma postura cognitivo-funcional quando adota a noção de simultaneidade da interface discurso e gramática, considerando o ato de categorização linguística com base na experienciação biossociocultural.

Nessa abordagem cognitivo-funcional, a gramática é ―entendida como um sistema de estruturação conceptual, que envolve capacidades cognitivas gerais‖ (BATORÉO, 2010, p. 230). Trata-se de ―um sistema de conhecimento linguístico hipotético incluindo não apenas morfossintaxe, semântica, e fonologia, mas também pragmatismo e funções discursivas‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.95)15.

Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013), ao estabelecerem os conceitos-chave da LFCU, apoiados em Ford et al (2003) e Dubois (2003), propõem um conceito de gramática como:

(...) um conjunto de esquemas/processos simbólicos utilizado na produção e organização de discurso coerente. Desse modo, configura-se em categorias

15

―Grammar refers to the hypothesized linguistic knowledge system and includes not only morphosyntax, semantics, and phonology but also pragmatics, and discourse functions.‖(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.95). [Tradução nossa].

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