• Nenhum resultado encontrado

F: Olha, eu confio em todos eles, eu eu costumo assim analisar bem a pessoa quando (conheço) observo, estou atento a tudo, nos mínimos detalhes, se a pessoa tive assim com

4.3.2 Os princípios da organização linguística

Uma das propostas de Goldberg (1995) é estabelecer princípios que visem nortear a diferenciação de significados entre as construções, porquanto na abordagem construcional as construções se relacionam por links, não por um compartilhamento de significados dicionarizados. Com o intuito de reforçar que construções são unidades básicas e unitárias do sistema linguístico, Goldberg (1995, p. 67-68)52 formula princípios de organização da língua baseados em diferenças de apresentação da forma gramatical. Com as palavras da autora passamos a relatá-los:

I- O Princípio da Motivação Maximizada: Se uma construção A está relacionada a construção B sintaticamente, então o sistema da construção A é motivado ao grau que é relacionado à construção B semanticamente [...]. Tal motivação é maximizada. II- O Princípio da Não Sinonímia: Se duas construções são sintaticamente distintas, elas devem ser semanticamente ou pragmaticamente distintas.

Corolário A: Se duas construções são sintaticamente distintas e S(emanticamente) sinônimas, então elas devem ser P(ragmaticamente) sinônimas.

Corolário B: Se duas construções são sintaticamente distintas e P-sinôminas, então devem ser S-sinônimas.

III- O Princípio da Força Expressiva Maximizada: O inventário de construções é maximizado para propósitos comunicativos.

IV- O Princípio da Economia Maximizada: O número de construções distintas é maximizado tanto quanto seja possível, de acordo com o Princípio III.

A relação da distinção morfossintática correlacionada às distinções no campo da semântica e da pragmática embasa nossa pesquisa para o questionamento da coexistência de

52

―I. The Principle of Maximized Motivation: If construction A is related to construction B syntactically, then the system of construction A is motivated to the degree that it is related to construction B semantically [...]. Such motivation is maximized.‖

―II. The Principle of No Synonymy: If two constructions are syntactically distinct, they must be semantically or pragmatically distinct.‖

―Corollary A: If two constructions are syntactically distinct and S(emantically)-synonymous, then they must not be P(ragmatically)-synonymous.‖

―Corollary B: If two constructions are syntactically distinct and P-synonymous, then they must not be S- synonymous.‖

―lII. The Principle of Maximized Expressive Power: The inventory of constructions is maximized for communicative purposes.‖

―IV. The Principle of Maximized Economy: The number of distinct constructions is maximized as much as possible, given Principle III.‖ (Goldberg, 1995, p.67-68). [Tradução nossa].

formas aparentemente similares de apresentação dos MDs, como é o caso das formas olha lá e olhe lá.

Abaixo, as formas destacadas exemplificam distinções pragmáticas que justificam diferenças semânticas. Vejamos:

(19) Ficou um instante parado a contemplar o dinheiro que reservara, mas teve um movimento de bondade: tomou uma nota de cinqüenta e deu-a à velha. - Isto é para a senhora. Ela abriu muito os olhos, espantada. - Onde arranjaste? Foi o Fábio? - O Fábio...! - Riu escarninho. - Que idéia! Recebi no jornal, - explicou, numa inspiração instantânea. - Mas tu podes precisar, meu filho. - Fico com o bastante, descanse. - Olha lá! - Ora, mamãe, eu faço cerimônias com a senhora? - Está bom, obrigada. E que Deus te proteja. - Amém! Deitado, d' olhos fechados e amolecidos de fadiga, Paulo não pôde conciliar o sono, recordando todas as peripécias do jogo. (CP, séc. XX, Fic., Br., Coelho Neto, O

Turbilhão, 1906)

(20) Parecia que aquilo do outro dia nem tinha acontecido, notou Rita aliviada de seus receios, indo logo providenciar o quarto do oitão para o moço se abuletar. Depois trouxe uma bandeja de chá de cidreira e distribuiu na sala, visto ser tão adiantada a hora e não ter precisão de um café. O homem deu boa-noite para ir dormir, já olhando para Rita com o olhar de tarado, coisa que fez o Coronel recomendar bem alto: - Olhe lá, Amaury. Só num perdôo desrespeito nessa casa - e completando com o olhar as palavras, olhou Rita com jeito de macho. Tava dito tudo. O capanga passou oito dias lá que nem piava. Só passeava e pensava. Vinha alegre na hora de comer. Estava com um ferimento de faca muito feio no braço e Rita, em nome da caridade cristã, tratou o talhe com ervas, botando o homem quase bom. (CP, séc.XX, Fic, Br, Joyce Cavalcante, Inimigas Íntimas, 1993)

Os constructos destacados nos exemplos (19) e (20), aparentemente, são MDs intercambiáveis, visto que os dois MDs, em seus contextos de uso, cumprem função de regular a interação entre os interlocutores. As duas construções, olha lá, em (19), e olhe lá, em (20), estão conduzindo a interação para um aconselhamento do ouvinte. Entretanto, pragmaticamente, as duas ocorrências mostram-se com objetivos comunicativos distintos.

No exemplo (19), o entorno contextual onde o MD olha lá está inserido carrega sentido de repreensão. A negociação de sentido, feita pela mãe, tem intenção de incitar o ouvinte (filho) para que ele volte atrás em sua atitude (receba o dinheiro de volta). A sequência ―tu podes precisar‖ traz ao contexto inferências de uma suposta necessidade do dinheiro. Logo após, o uso do MD olha lá reforça essa projeção da atenção do ouvinte para essa tal situação hipotética no futuro.

No exemplo (20), o contexto onde o MD olhe lá está inserido igualmente carrega sentido repreensivo. O sentido negociado tem como objetivo comunicativo incitar o ouvinte para que ele tome cuidado com o que pensa em fazer. O uso de olhe lá também projeta a atenção do ouvinte para uma situação hipotética no tempo futuro.

O que difere nos dois contextos, (19) e (20), em semântica é um grau maior de asseveridade presente no contexto (20). A diferença crucial, na demonstração de que não são construções sinônimas, é a pragmática. Estruturalmente, o exemplo (19), com a forma olha lá, em 2ª pessoa do singular, denota mais proximidade entre os interlocutores. Essa proximidade indica um maior controle pelo falante do grau de asseveração na negociação de significados. O ouvinte tratado, na interação, como ―tu‖ demanda menor grau de asseveração. No exemplo (20), a forma olhe lá, em 3ª pessoa do singular, denota menos proximidade entre os interlocutores. Esse distanciamento imposto pelo falante, ao tratar o ouvinte como ―você‖, indica maior necessidade em construir sentidos que geram maior grau de asseveração. Assim, as diferenças morfossintáticas implicam diferenças pragmáticas. Dessa maneira, a diferença, na demonstração de que não são construções sinônimas, é todo o caminho percorrido na construção do sentido via sintático-semântico para cumprir a intenção pragmática.

Com base em Goldberg (1995), podemos ponderar que as duas formas, olha lá e olhe lá, coexistem pelo Princípio da Força Expressiva Maximizada, ou melhor, a língua cria formas não porque são parecidas, mas para cumprirem objetivos comunicativos cada vez mais especializados semântica e pragmaticamente.

4.3.3 Os princípios de gramaticização

Os princípios de gramaticização estabelecidos por Hopper (1991) tratam das etapas iniciais da mudança linguísticas. Por essa razão, são tratados, em alguns trabalhos, como princípios de semanticização. Nossa pesquisa não trata do fenômeno da mudança linguística; entretanto, estamos cientes de que a diacronia é composta por uma sucessão de sincronias e, dessa forma, podemos pensar em uma sincronia que contribua para o entendimento da língua como um objeto dinâmico - um objeto sincrônico, mas não estático, antes em constante emergência de recrutamento de formas e estabelecimento de convencionalização por rotinas cognitivas.