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1.1 A burguesia reinventa a burguesia: o Estado neoliberal

O historiador inglês Perry Anderson (2010), professor da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, afirma que ideias neoliberais já estavam presentes no cotidiano político- econômico logo após a Segunda Guerra Mundial. Porém, a reação neoliberal contra gestões públicas mais intervencionistas somente repercutiria no cenário internacional décadas depois. O ato inaugural teria sido um texto chamado “O caminho da servidão”, escrito pelo economista austríaco Friedrich Hayek. Segundo Anderson, a partir de ideias de Hayek, na doutrina neoliberal, um ambiente político democrático não seria mais um valor central: “a liberdade e a democracia,

explicava Hayek, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse” (ANDERSON, 2010, p. 19-20). Esse tópico não tem a pretensão de explorar todas as interpretações conceituais sobre o neoliberalismo e sistematizar sua evolução histórica, nem levantar todos os casos em que ele foi implantado. O mais importante é perceber que algumas de suas principais ideias ajudam a entender as formas de atuação de certos promotores imobiliários, as ações e reações de certos agentes públicos e como determinadas parcelas da sociedade são incluídas ou excluídas das principais decisões sobre as materialidades urbanas. Essas ideias deverão contribuir, inclusive, para a compreensão dos casos concretos que ainda serão apresentados nesse capítulo. O que possibilitou esses casos ocorrerem da maneira como ocorreram e não de qualquer outra forma foi justamente o fato de eles estarem inseridos em ambiente político-econômico neoliberal. Os processos imobiliários que viabilizaram os empreendimentos tratados deveriam ser entendidos nessa ótica.

Em outras palavras, certas interpretações sobre a política-econômica adotada por determinado Governo ajudam a entender o funcionamento do mercado imobiliário brasileiro contemporâneo e a relação, muitas vezes conflitante, dos seus mais diversos agentes. Uma constatação inicial, a partir do conflito entre os dois valores colocados no parágrafo acima (liberdade e democracia), é que os principais promotores imobiliários, organizados a partir de grandes grupos econômicos, atuam da maneira que atuam por causa da crescente e demasiada influência que eles têm sobre diversos encaminhamentos da gestão pública. Sempre que a palavra “influência” for utilizada nesse contexto, ou seja, quando ajude a mensurar a relação entre os agentes públicos e privados estudados, nesse capítulo 1, é preciso ressaltar que trata-se, mais

92 grandemente, de relações de poder e de subordinação. Quase que inevitavelmente, o poder deriva da riqueza que certos agentes têm sobre outros agentes por eles dominados. Portanto, quando coloca-se que determinado promotor imobiliário influência a ação do Poder Público, presume-se, igualmente, que a ação desse agente privado é tão abrangente que sua influência contempla a elaboração e a gestão das materialidades mais importantes ou, em outras palavras, essas materialidades são definidas pelos interesses desses agentes privados, que são mediados pelo Poder Público que, nesses casos, é conivente com tais interesses. Tratam-se de disputas pelo poder, quase sempre vencidas pelos agentes que mais conseguem estabelecer influências a partir de sua capacidade financeira.

Outra questão é que a preponderância e o protagonismo de determinados agentes imobiliários privados sobre a política pública, habitacional e urbana, que reflete nas materialidades mais relevantes da cidade, não são uma novidade e já foram captados por outros trabalhos acadêmicos, como do arquiteto Flávio Villaça (2001), professor da Universidade de São Paulo, que, inclusive, estabeleceu comparações entre diversas cidades brasileiras, suas respectivas políticas públicas, ações de promotores imobiliários locais e repercussões territoriais. O próprio mercado imobiliário das cidades estudadas já está consolidado há décadas, com um intenso processo de verticalização que se inicia, provavelmente, já em meados do século XX. Esses agentes imobiliários constituem-se, portanto, a partir de um importante setor econômico local.

Se tais empresários não tivessem influência alguma sobre a gestão pública, principalmente a relacionada a assuntos urbanos, consequentemente, eles agiriam de outra forma e os produtos imobiliários resultantes seriam diferentes. Com isso, conclui-se a influência do ambiente político sobre determinados setores imobiliários. Nesse contexto, a ausência de um ambiente plenamente democrático somado a liberdade indiscriminada em dispor negócios comerciais, expostos acima, a partir das ideias de Hayek, também são visíveis atualmente na política habitacional e urbana de grandes cidades brasileiras.

A gestão de Margaret Thatcher, na Inglaterra, primeira-ministra eleita em 1979, teria sido a primeira vez em que a doutrina neoliberal foi institucionalizada no aparato estatal. Essa experiência foi seguida por várias outras, em países europeus, nos Estados Unidos, na América Latina e, inclusive, no Brasil97. Eventuais metrópoles brasileiras que adotam atualmente aspectos

da política neoliberal em seu planejamento urbano, portanto, teriam se referenciado, voluntária ou involuntariamente, numa antiga fórmula que vem se consolidando há quase quatro décadas.

97“Este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia

produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional” (ANDERSON, 2010, p. 22)

93 Segundo Anderson (2010), o Governo Thatcher teria elevado a taxas de juros, baixado impostos sobre altos rendimentos, retirado controles sobre fluxos financeiros e aumentado o desemprego98. Além disso, teria proibido greves e mobilizações sociais diversas, restringido a

ação de sindicatos operários e cortado gastos sociais. Uma das principais ações foi a privatização de instituições públicas, incluindo programas habitacionais. “Esse pacote de medidas é o mais

sistêmico e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado” (ANDERSON, 2010, p. 12). Entre as décadas de 1990 e 2000, sucessivos governantes brasileiros, de diversos matizes ideológicos, também adotaram uma série de medidas que favoreceram os principais incorporadores imobiliários, através de princípios neoliberais. O objetivo era criar um mercado estável e rentável para investimento privado massivo em habitações, principalmente edifícios de apartamentos. Ressalta-se que os empresários do setor imobiliário mais beneficiados por essas medidas são alguns dos principais grupos econômicos, cujos orçamentos facilmente ultrapassam bilhões de reais. A aproximação entre os mercados imobiliário e financeiro, possibilitada por essas medidas, é um indício disso, já que apenas as maiores incorporadoras brasileiras se converteram em sociedades anônimas. O trânsito facilitado de capital imobiliário no setor financeiro (ou vice-versa) e a fluidez como esses recursos bilionários são transacionados é mais um indício da política neoliberal no setor da construção civil.

Uma questão extremamente relevante, já levantada aqui, é a previsível incapacidade do neoliberalismo em incorporar pressupostos de uma gestão plenamente democrática. Isso é visível nas reflexões teóricas, como as de Hayek, mas também é visível nas experiências práticas, como o caso inglês descrito por Anderson (2010). As discussões políticas não seriam inclusivas, ou seja, a sociedade civil em geral teria participação relativamente limitada em decisões mais relevantes, comparativamente a participação de grupos econômicos mais importantes. Como isso se difundiu por inúmeros países do mundo capitalista, é provável que esses pressupostos, assumidos aqui como não completamente democráticos, se generalizaram. Além disso, como o ambiente democrático se tornou mais limitado, milhares de pessoas impactadas e, eventualmente, prejudicadas por empreendimentos imobiliários do mercado privado, teriam dificuldade em se contrapor a qualquer impacto negativo gerado por tais empreendimentos. Esse fato é relevante pois a verticalização traz impactos para a grande maioria das pessoas que mora na cidade, independentemente de elas residirem ou não em apartamentos de edifícios. Portanto, existe uma questão que lhe impacta profundamente, a verticalização, mas que não poderia ser contraposta facilmente num ambiente que, como visto, não é mais plenamente democrático e aberto igualmente à participação de todos.

98 Altos índices de desemprego significam que considerável parcela da população está disponível aos

empregadores. Com pouco emprego oferecido e muito trabalhador disponível, os salários foram negociados em níveis mais baixos. Com isso, o poder de barganha dos sindicatos operários diminuiu.

94 O sociólogo Francisco de Oliveira (2010, p. 27), professor da Universidade de São Paulo, entrevê situação semelhante no contexto brasileiro. Ele menciona, por exemplo, uma decisão do presidente da General Motors no Brasil em abrir uma fábrica numa cidade do interior de Minas Gerais. O fato de não existir sindicatos operários na região seria a principal justificativa, pois esses representantes dos empregados poderiam, provavelmente, contrariar premissas comerciais e relações de trabalho determinadas pela empresa. Por isso, “a fábrica não será em São Paulo,

nem mesmo em São Caetano, tampouco em São Bernardo e muito menos em São José dos Campos”. Nesse sentido, tanto questões ocorridas na Europa quanto questões ocorridas na América, inclusive no Brasil, teriam os mesmos objetivos:

Trata-se de destruir a capacidade de luta e de organização que uma parte importante do sindicalismo brasileiro mostrou. É este o programa neoliberal em sua maior letalidade: a destruição da esperança e a destruição das organizações sindicais, populares e de movimentos sociais que tiveram a capacidade de dar uma resposta à ideologia neoliberal no Brasil (OLIVEIRA, 2010, p. 28).

Na ausência dessas organizações, a General Motors deve ter negociado os contratos dos trabalhadores mineiros em condições mais vantajosas para a montadora e, consequentemente, mais desvantajosas para os trabalhadores, já que eles não estavam mais amparados por sindicatos. Como o já citado teórico do neoliberalismo Hayed afirmou, o ideal é que não haja maiores interferências sobre os interesses comerciais, estabelecidos pelos próprios empresários em questão, para que possam dispor suas rendas como quisessem (ANDERSON, 2010). Ao que parece, o tamanho e os potenciais de lucro estariam condicionados a essa interferência externa sobre esses negócios comerciais. Quanto menos interferência existisse, mais lucro seria possível e mais livremente esses empresários poderiam estabelecer parâmetros para esses lucros, ao mesmo tempo em que seriam menos previsíveis os impactos sobre a sociedade em questão. Ações de qualquer empresa privada costumam, em alguma medida, gerar impactos sobre a sociedade em geral. Além disso, se essas empresas forem grandes conglomerados econômicos e administrativos capazes de movimentar fortunas, o impacto sobre a sociedade tende a ser proporcionalmente maior. A verticalização urbana ocorrida recentemente nas principais metrópoles brasileiras seria um exemplo do impacto de determinadas ações organizadas pela iniciativa privada, principalmente na figura de incorporadores, sobre a sociedade. Como ela se realiza fortemente a partir da ação de incorporadoras organizadas em grandes conglomerados, como as empresas de capital aberto na Bolsa de Valores, o impacto sobre a cidade é enorme. Tal como a estratégia da General Motors, descrita por Oliveira (2010), essas incorporadoras também evitam, como podem, a interferência externa em seus negócios privados. Tentar controlar e direcionar decisões de conselhos urbanos municipais ou tentar interferir na definição e na aplicação do planejamento urbano da cidade são exemplos dessa estratégia.

95 Portanto, essa situação também pode ser entrevista na construção das materialidades urbanas. O urbanista Peter Hall (2005, p. 407), professor da Universidade Bartlett, de Londres, tem uma curiosa percepção do urbanismo realizado nas últimas décadas do século XX: “Houve

um momento, no decorrer da década de [19]70, em que o movimento urbanístico começou a plantar bananeira e a virar do avesso; parece mesmo, por vezes, durante os anos [19]80, estar à beira da autodestruição”. Segundo ele, o tradicional planejamento urbano de décadas atrás, realizado a partir de uma visão holística, com a utilização de planos e regulamentos, estava cada vez mais desacreditado. Hall afirma que o planejamento “deixou de controlar o crescimento

urbano e passou a encorajá-lo por todos os meios possíveis e imagináveis. Cidades, a nova mensagem soou em alto e bom som, eram máquinas de produzir riqueza”. Nesse contexto, o principal objetivo do planejamento era, nas palavras do urbanista, “o de azeitar a máquina”. O planejador da cidade confundia-se cada vez mais com um tradicional adversário: o empreendedor (HALL, 2005).

Brasília talvez seja o caso brasileiro mais significativo. Existem muitas questões distintas de qualquer outra cidade: a elaboração de um plano piloto que norteou a construção da capital, regulamentações edilícias e urbanísticas que pouco se alteraram ao longo do tempo e seguiram rigorosamente as recomendações do plano original, o papel absoluto do Governo distrital no controle da paisagem da cidade, a participação de instituições que registram e asseguram que o patrimônio edificado seja mantido, etc.. Na visão comercial de incorporadoras imobiliárias, essas condições certamente restringiriam os lucros potenciais advindos de negócios na cidade. Além disso, as questões listadas não seriam controladas por esses empresários. Elas seriam determinadas principalmente pelo Estado, nesse caso, o Governo distrital. É essa visão holística sobre o planejamento urbano, mencionada por Hall (2005), que vem sendo desacreditada. Belo Horizonte e Goiânia são paradigmáticas nesse contexto. Tal como Brasília, são cidades planejadas. Porém, diferentemente da capital brasileira, ao longo do século XX, ambas alteraram substancialmente sua legislação inicial sobre as materialidades urbanas. É por causa dessas mudanças que a paisagem dessas cidades é muito diferente daquela planejada inicialmente, em 1933 no caso de Goiânia e em 1897 no caso de Belo Horizonte.

Reiterando a menção de Anderson (2010), Hall afirma que, nos anos 1970, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, “redutos do pensamento neoconservador”, começou-se a questionar o consenso da política social de previdência estatal, tão difundido entre muitos países europeus do pós Segunda Guerra Mundial. “O planejamento tornou-se, ele próprio, parte central

do pacote de políticas visado por esses ataques [neoliberais]” (HALL, 2005, p. 409-410). Segundo uma visão política mais conservadora, neoliberal, o planejamento urbano que vinha sendo aplicado inibia a operação das forças do mercado. Retoma-se aqui uma questão há pouco discutida: existe um interesse de determinados setores da iniciativa privada, principalmente os grandes grupos econômicos, em atuar sem maiores interferências externas que restrinjam seus

96 negócios comerciais. O planejamento tradicional, mencionado por Hall, pode significar, entre outras medidas, que deveria existir certos limites quando regiões forem verticalizadas. Nesse sentido, planejar uma cidade também significa limitar, restringir ou, no limite, proibir certas questões. Portanto, a desinibição da atuação das forças do mercado, sugerida por Hall, significaria também que a construção da cidade não teria amplos limites ou restrições.

Se gestores públicos tendem a ter mais dificuldades em limitar ou restringir o que é construído, a própria estrutura técnica e administrativa das instituições governamentais seria alterada. “Desmantelar” é um verbo muito utilizado por autores que estudam a atuação de Governos capitalistas entre as décadas de 1970 e 1980. Desmantelar pode ser qualificado como arruinar, demolir, desmanchar, desmoronar, desaparelhar. No contexto governamental, desmantelar significaria que as instâncias e instituições públicas competentes teriam maiores dificuldades em elaborar a gestão urbana. Novamente a atuação de Margaret Thatcher é paradigmática: “o governo Thatcher foi progressivamente desmantelando o sistema de

planejamento estratégico [econômico, político, territorial, urbano, etc.] que a duras penas governos sucessivos haviam construído durante os anos [19]60 e mantido durante os [19]70” (HALL, 2005, p. 424-425). Alguns direcionamentos do Governo inglês, a partir dos anos 1980, sugeriam que o planejamento não tinha exatamente a mesma função de décadas antes. O condado de Berkshire, por exemplo, aboliu o Departamento de Planejamento e o Departamento de Fiscalização e Obras. Em todo o país, centenas de planejadores foram demitidos de órgãos municipais e metropolitanos. Essa situação, transposta para o ambiente brasileiro, não significa necessariamente que gestões públicas municipais diminuíram a quantidade de técnicos e políticos que atuavam na gestão urbana. O que ocorreu é que essa gestão pública das cidades teria sido partilhada cada vez mais com agentes não governamentais, restritos, obviamente, quase sempre a poderosos grupos econômicos privados. A arquiteta Ermínia Maricato (2002), professora da Universidade de São Paulo, foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo entre 1989 e 199299. Ela explica que o controle do planejamento pelo próprio Estado traria racionalidade

ao processo de gestão política. Isso poderia evitar disfunções do mercado ao promover políticas sociais e assegurar o desenvolvimento através de incentivos, subsídios e regulações. Porém, nesse novo cenário neoliberal, não se pode acreditar que o mercado evite disfunções geradas pelo próprio mercado. Portanto, um desenvolvimento urbano ordenado e racional não estaria mais assegurado. No geral, os interesses da iniciativa privada seriam parciais. Primeiro, porque a empresa representaria seus próprios interesses e não os interesses gerais da sociedade como um todo. Segundo, porque esses interesses estariam fortemente restringidos por questões econômicas, corporativas e empresariais. O problema se agrava quando essa parcialidade, tipicamente privada, está imbricada no aparato estatal, pois poderia gerar planejamentos

97 distorcidos. A cidade como “máquina de produzir riqueza”, citada por Hall (2005, p. 407), transparece nessas condições. Certas empresas, muito influentes no meio político, aplicariam pressupostos capitalistas sobre o desenvolvimento do ambiente urbano, tal como sempre fizeram em seus negócios privados.

Para o geógrafo inglês David Harvey (1996), professor da Universidade de Nova York, os próprios termos que ajudam a entender a atuação do Estado seriam outros: o gerenciamento estaria em desuso, na medida em que o empresariamento aumentasse sua força. O primeiro típico até os anos 1960 e o segundo predominante a partir dos anos 1970. “Particularmente nos

últimos anos100, parece ter surgido um consenso geral em todo o mundo capitalista avançado de

que benefícios têm que ser obtidos por cidades que assumem um comportamento empresarial em relação ao desenvolvimento econômico” (HARVEY, 1996, p. 46). Segundo o autor, quando escapam das formas fixadas pelo planejamento mais tradicional, as qualidades do urbano seriam cronicamente instáveis:

Esta condição capitalista é tão universal que o conceito do urbano e da „cidade‟ tornam-se igualmente instáveis, não por alguma imperfeição de definição conceitual, mas precisamente porque o próprio conceito tem que refletir as mutantes relações entre forma e processo, entre atividade e coisa, entre sujeitos e objetos. Quando então falamos da transição do gerenciamento urbano para o empresariamento urbano nessas duas últimas décadas, temos que tomar conhecimento dos efeitos reflexivos de tal mudança através dos impactos nas instituições urbanas bem como nos ambientes urbanos construídos (HARVEY, 1996, p. 51).

As relações entre sujeito e objeto, processo e forma, atividade e coisa, explicariam, portanto, questões urbanas relevantes. Características de diversas metrópoles contemporâneas refletiriam fortemente o “empresariamento” da gestão urbana. Dentro dos interesses dessa pesquisade doutorado, o mais correto seria afirmar que as formas de atuação de certos promotores imobiliários e a sua influência sobre Governos municipal, estadual e federal seriam pressupostos para explicar aspectos urbanos de cidades brasileiras. Também seria pertinente afirmar que o promotor define o produto imobiliário que ele empreende, ou seja, ele interfere diretamente na definição arquitetônica dos edifícios de apartamentos. Porém, atualmente, a interferência desse empresário parece não se restringir mais aos limites de sua empresa. Com o empresariamento da gestão urbana, ele influenciaria também na formatação das materialidades urbanas das cidades em que ele atuasse.

Uma questão central do empresariamento apontado por Harvey (1996) é a parceria público-privado. Ressalta-se que no ambiente do mercado imobiliário brasileiro, o „privado‟ dessa parceria se restringe a grandes empresas capitalistas, como incorporadoras, construtoras e empreiteiras, muitas vezes, atuando simultaneamente. Seriam, portanto, parcerias “público-

98 grandes empresas capitalistas” e não simplesmente “público-privado”. Geralmente, esse raciocínio também poderia ser aplicado a toda experiência neoliberal. O princípio é que interesses de parcelas da iniciativa privada, em certas circunstâncias, em alguma medida, influenciariam a política e a economia enquanto, inversamente, o Governo atenderia essas demandas de acordo com as solicitações empresariais. É importante insistir que, quando se diz que agentes não governamentais exerciam uma crescente influência sobre diretrizes governamentais, isso não significa que toda a sociedade civil participou do processo. A suposta influência seria exercida basicamente por grandes empresas capitalistas, como as multinacionais que compraram as estatais de energia. Não é por outro motivo que essa pesquisa de doutorado priorizou estudar ações das principais incorporadoras imobiliárias brasileiras, atuantes nas cidades consideradas. Conforme as gestões públicas permitem que agentes externos, integrantes da iniciativa privada,