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A empresa Rota dos Coqueiros foi criada pelos grupos empresariais Odebrecht e Brennand, desenvolvendo suas atividades, principalmente, a partir de uma parceria público- privada. A PPP Paiva trata-se da concessão pública para usufruto privado com a finalidade de construção e exploração de uma estrada litorânea com cerca de 6 quilômetros de extensão, chamada Via Parque. Além disso, dentro desse modelo de negócio, foi construída uma ponte que interliga essa rodovia e que supera barreiras geográficas existentes. Por que essas empresas decidiram investir em concessões rodoviárias? Talvez a localização dessa rodovia seja a resposta, como indica a própria concessionária: “O propósito de criação da concessionária foi

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litoral sul de Pernambuco, tendo atuação direta nos municípios de Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo Agostinho [ambos na região metropolitana de Recife]”219.

A propaganda da Odebrecht afirma que o Reserva do Paiva é o “mais novo bairro

planejado de Pernambuco”, com “8,5 km de praias paradisíacas e 450 hectares de Mata

Atlântica”220. Quem é o incorporador da Reserva do Paiva, empreendimento imobiliário localizado

nas imediações da rodovia construída e gerida pela Odebrecht? A própria Odebrecht. Em outras palavras, o mesmo grupo que tem concessão para “implantar, explorar e gerir o sistema viário de

acesso ao empreendimento Reserva do Paiva”, também incorpora, constrói e vende unidades habitacionais desse empreendimento. Atualmente, existem oito negócios imobiliários em andamento, disponíveis aos consumidores no website da Odebrecht Realizações Imobiliárias221. A

maioria deles é composta por imóveis de luxo, como apartamentos de um empreendimento chamado Jardim do Mar, cujas unidades de quatro suítes têm a partir de 212 metros quadrados. A construção da rodovia e da ponte sobre o rio Jaboatão, portanto, melhorou muito as condições de deslocamento entre a Reserva do Paiva, localizada em Cabo de Santo Agostinho, junto a Jaboatão dos Guararapes e Recife. As eventuais viagens entre o negócio imobiliário da Odebrecht e a capital pernambucana foram facilitadas por essa parceria entre o Governo Estadual e a Odebrecht. Com essa PPP, a Reserva do Paiva foi melhor interligada a outros bairros praianos ocupados por alta renda: Barra de Jangada, Candeias e Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, Boa Viagem e Pina, em Recife222.

219 Disponível em: www.rotadoscoqueiros.com.br/historico.php. Acesso em: 20 março 2014.

220 Disponível em: www.orealizacoes.com.br/Novos-Destinos-Urbanos-Conceito.aspx?id=21. Acesso em: 20

março 2014.

221 Disponível em: www.orealizacoes.com.br/Novos-Destinos-Urbanos-Empreendimentos.aspx?id=21.

Acesso em: 20 março 2014.

222 Até o século XIX, a região da cidade de Cabo de Santo Agostinho ainda era parte integrante de Recife.

Disponível em: www.bde.pe.gov.br/ArquivosPerfilMunicipal/CABO%20DE%20SANTO%20AGOSTINHO.pdf. Acesso em: 20 março 2014.

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Figura 16: Trecho da Reserva do Paiva, com a ponte sobre o rio Jaboatão, no início do empreendimento, e

a Via Parque, na sequência, que leva à cidade de Jaboatão dos Guararapes, vizinha de Recife (ao fundo). Localização: Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana de Recife, Pernambuco (BARBOSA, 2013, p. 4).

No trabalho do geógrafo Adauto Gomes Barbosa (2013), professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, consta a informação de que a construção da ponte e da rodovia teria sido financiada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Essa empresa pública afirma que sua missão é “promover o desenvolvimento

sustentável e competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais”223. De certo modo, o objetivo de reduzir a desigualdade social e

regional foi alcançado com o empréstimo do BNDES para a Odebrecht: as elites pernambucanas estão mais inter-ligadas, socialmente e regionalmente, criando uma faixa contínua e homogênea, ocupada praticamente por famílias de alta renda. No entanto, se a população mais pobre for incluída, obviamente, essas benfeitorias rodoviárias realizadas afastariam cada vez mais da praia a população não-consumidora dos produtos oferecidos pela Odebrecht no Paiva. Ao se incluir toda a população da região metropolitana de Recife, é evidente que tal investimento público aumenta a desigualdade social, à revelia da visão do BNDES. Além disso, se a própria Odebrecht assume que “o propósito da criação da concessionária foi implantar, explorar e gerir o sistema

viário de acesso ao empreendimento Reserva do Paiva224”, é pouco provável que se cumpra o

223 Disponível em:

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/O_BNDES/A_Empresa/missao_visao_val ores.html. Acesso em: 20 março 2014.

157 interesse do BNDES em “promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da economia

brasileira”225. Se o objetivo de investir em benfeitorias regionais - localizadas em áreas públicas do

Estado de Pernambuco – foi, em primeiro lugar, atender à demanda da Reserva do Paiva, é improvável que o desenvolvimento da economia regional seja sustentável e competitivo. Barbosa (2013) expõe outra grave questão sobre esses agentes imobiliários, que o autor chamou de „estruturais‟:

Os agentes imobiliários estruturais (...) intervêm para alterar as decisões do Estado e de outros agentes privados e destarte criar novas condições que estruturam o mercado. Na área de estudo, um exemplo disto foi a alteração do zoneamento urbano do município do Cabo de Santo Agostinho, por meio da criação da Zona Especial de Turismo, Lazer e Moradia Reserva do Paiva (...), onde justamente está implantado tal projeto imobiliário. Trata-se de uma alteração do Plano Diretor Municipal feita para atender os interesses dos agentes desse megaprojeto imobiliário (BARBOSA, 2013, p. 8).

Tal como exposto na OU Nova BH, a desregulamentação da legislação urbana pré- existente pressupõe uma nova regulamentação, adequada aos investimentos de certos agentes do mercado imobiliário envolvidos nesses novos negócios. Parece que as leis pertinentes são mantidas e aplicadas com seus propósitos originais apenas em locais em que o mercado imobiliário „estruturante‟ não atua. A Odebrecht teria óbvias intenções em ajustar a legislação específica da praia do Paiva dentro de seus interesses comerciais, com o evidente objetivo de ampliar seus lucros e viabilizar seu negócio nos termos pretendidos. Até 2007, só eram permitidas construções com até dois pavimentos em todo o município de Santo Agostinho (BARBOSA, 2013)226. Após 2007, foram permitidas construções com até sete pavimentos. Mais que triplicou o

número de pavimentos possíveis. O Varanda do Parque, incorporado pela Odebrecht, é exemplo de empreendimento que se beneficiou de tal alteração da lei. De acordo com os interesses iniciais do Plano Diretor da cidade, vigente até 2007, um edifício de apartamentos nessas condições não poderia ser construído.

225 Disponível em:

www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/O_BNDES/A_Empresa/missao_visao_valores.h tml. Acesso em: 20 março 2014.

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Figura 17: Edifício de empreendimento chamado Varanda do Parque, autor do projeto arquitetônico

desconhecido, incorporado pela Odebrecht. Localização: Reserva do Paiva, Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana de Recife, Pernambuco (Disponível em: www.orealizacoes.com.br/Empreendimentos- Galeria-De-Imagens.aspx?id=71. Acesso em: 20 março 2014).

Porém, se esses negócios são incorporados exclusivamente pela Odebrecht, qual o interesse da prefeitura em alterar o Plano Diretor da cidade? Quais são os objetivos da prefeitura em favorecer os interesses comerciais da Odebrecht? Como a prefeitura foi favorecida por essa legislação alterada em favor da Odebrecht? Esse favorecimento da prefeitura ocorreu de forma lícita? A Odebrecht teve influência nessa alteração da lei? Se sim, essa influência foi legítima e ocorreu de acordo com trâmites democráticos? Se os trâmites para a alteração de lei foram democráticos, qual a participação do restante da população da cidade de Cabo de Santo Agostinho nesse processo? Como a população mais pobre da região pôde opinar sobre a mudança da legislação que favoreceu estritamente os negócios comerciais da Odebrecht? Essas indagações seriam formas de abordagens passíveis de aplicação em qualquer circunstância em que exista dúvida sobre supostos favorecimentos indevidos de grandes grupos econômicos no planejamento de materialidades das cidades brasileiras. Manifestações particulares de um modelo hegemônico de produção em que a influência de certos agentes privados parece preponderante sobre os outros agentes, inclusive públicos. Inclusive para os negócios imobiliários mencionados adiante.