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A tese foi dividida em duas partes principais: Parte 1 (Processos imobiliários), Parte 2 (Produtos imobiliários). Cada uma dessas partes tem dois capítulos. No total, essas duas partes somam quatro capítulos, dois sobre processos e dois sobre produtos. Ao final de cada parte, há um capítulo específico com as constatações sobre a principal hipótese dessa pesquisa de doutorado. Por isso, ao final da Parte 1, é apresentada uma reflexão sobre a hipótese, relativa a constatações específicas dos processos imobiliários estudados. Igualmente, ao final da Parte 2, é

82 apresentada uma reflexão sobre a hipótese, relativa a constatações específicas dos produtos imobiliários estudados.

Com o desenvolvimento dessa pesquisa de doutorado, notou-se uma premissa fundamental para a compreensão desse objeto de estudo: as formas de atuação de certos agentes imobiliários privados e seus interesses, principalmente econômicos, são determinantes na definição das características arquitetônicas dos edifícios de apartamentos levantados. Os processos imobiliários estudados se mostraram condicionantes sobre os produtos imobiliários posteriormente oferecidos. Uma constatação é que, se os processos imobiliários forem alterados e os interesses econômicos de quem produz forem modificados sob outros parâmetros e, principalmente, se os agentes imobiliários forem outros, o produto imobiliário resultante seria diferente. Portanto, o objeto de estudo, concebido nessas circunstâncias, somente poderia ser entendido plenamente quando as principais ações implícitas na sua produção fossem igualmente compreendidas. É por isso que esse trabalho foi dividido nessas duas Partes (processos + produtos). Por um lado, os processos imobiliários apresentados só foram estudados pois, em alguma medida, contribuíam para contextualizar e explicar os próprios edifícios de apartamentos. Por outro lado, as características dos edifícios de apartamentos, incluindo aspectos que tangem a urbanidade dessas edificações, insinuam certos interesses econômicos, implícitos nas formas arquitetônicas adotadas.

O capítulo 1 (Parte 1) mostra determinadas implicações de ações da incorporação imobiliária sobre trechos da paisagem das cidades, especialmente através de interferências na elaboração e na gestão de políticas públicas voltadas para o planejamento edilício e urbano. Muitas vezes, são agentes imobiliários privados, mais influentes politicamente, mais relevantes economicamente, que contribuem decisivamente para formatar o planejamento que será adotado pelo Governo. As resultantes da relação desses agentes públicos e privados e como isso se manifesta em trechos da paisagem das cidades são questões interpretadas nesse capítulo. Além disso, determinadas porções da população também terão suas ações examinadas, principalmente pessoas que não figuram entre os agentes públicos, nem representam os interesses econômicos dos principais incorporadores imobiliários.

O capítulo 2 (Parte 1) identifica uma estrutura de relações internas ao mercado imobiliário estudado e a ação de diversos agentes envolvidos. Ações específicas de determinados agentes influenciam ou são influenciadas por ações de outros agentes. Foi levantada uma complexa hierarquia de relações, que envolve diversos agentes, como incorporador com atuação nacional, incorporador com atuação local, arquiteto com atuação nacional, arquiteto com atuação local, arquiteto funcionário da incorporadora, arquiteto funcionário de outro arquiteto, arquiteto que atua como incorporador, incorporador que atua como arquiteto, investidor individual, acionista, investidor corporativo oriundo de fundos do mercado financeiro, etc.. Os interesses de cada um,

83 muitas vezes conflitantes e não confluentes, são conjugados num processo que culmina com a obra arquitetônica edificada. O desenho do edifício de apartamentos é definido a partir de agentes que impõem, em alguma medida, seus interesses sobre os interesses de outros agentes. É a partir dessas condições que se estabelecem relações, por exemplo, entre os objetivos econômicos de investidores de fundos do mercado financeiro, as ações de incorporadores que têm seus empreendimentos, em parte, financiados por esses investidores e a prática profissional dos arquitetos envolvidos com encomendas do mercado imobiliário.

O capítulo 3 (Parte 2) qualifica certos impactos que o processo de verticalização urbana gera sobre trechos da paisagem da cidade. Isso traz implicações sobre a morfologia urbana, que pode ser alterada bruscamente por causa das características ou por causa do porte dos empreendimentos imobiliários; implicações sobre a localização desses empreendimentos e, consequentemente, a localização de diversas outras atividades essenciais no cotidiano das pessoas (comércio, serviços, trabalho, lazer, etc.); implicações sobre a inserção dos edifícios na região, a relação sócio-territorial que ele estabelece com a vizinhança ou com o bairro em que ele se localiza, além de eventuais segregações ou integrações que eles gerem; e implicações sobre edificações já construídas, principalmente aquelas de interesse histórico e arquitetônico. A verticalização urbana, portanto, entendida aqui como a construção sistemática de edifícios de apartamentos em territórios e em períodos específicos, requalifica a paisagem da cidade. Essa verticalização, quanto mais intensa, rápida e circunscrita territorialmente, mais traria outras qualidades para a região, sejam elas boas ou ruins. Essas novas qualidades também refletem, igualmente, ações e interesses de determinados agentes imobiliários materializados na paisagem da cidade.

O capítulo 4 (Parte 2) aponta determinados aspectos arquitetônicos dos edifícios de apartamentos estudados. Porém, esses aspectos sempre são contextualizados a partir de interesses específicos dos agentes imobiliários que os produzem. É por isso que esse capítulo, tanto como os outros, atrela soluções projetuais adotadas aos interesses produtivos pré- estabelecidos e, reciprocamente, assume que esses interesses produtivos imobiliários são determinantes na definição das características arquitetônicas da edificação. Nesse contexto, é relevante aos interesses dessa tese de doutorado estudar a padronização das soluções espaciais dos apartamentos, as possíveis origens dessa padronização e a consolidação de um determinado modelo que é largamente repetido, além da redução das áreas das unidades e a simplificação das fachadas dos edifícios. Conjuntamente, a pertinência de novos modos de vida como insumos de projetos válidos para a concepção dos produtos imobiliários oferecidos será verificada.

Após as partes 1 e 2, mais um capítulo está previsto: o capítulo 5, síntese e representativo de diversas questões problematizadas nos quatro primeiros capítulos, caracterizará o apartamento paulistano, além de compará-lo com exemplares das outras cidades estudadas. Nesse contexto, a

84 principal hipótese da pesquisa de doutorado será verificada diretamente sobre a organização espacial do apartamento e sobre as soluções arquitetônicas mais notórias, a partir de comparações entre unidades paulistanas e brasileiras. Os apartamentos das peças gráficas levantadas serão caracterizados a partir de duas categorias de análise principais: 1. Atividades e ambientes sugeridos em cômodos; 2. Integrações espaciais e de uso entre cômodos.

89 Questões de interesse dessa pesquisa de doutorado, pontuadas nesse capítulo, serão abordadas a partir de um viés político. A paisagem da cidade muda constantemente, de acordo com as condicionantes históricas de cada época. Uma constatação é que o embate político de certos agentes, públicos e privados, determinam fortemente as características materiais da cidade e esses condicionantes históricos. Genericamente, esse capítulo trata da construção material da cidade e importantes transformações urbanas ocorridas recentemente, analisadas, evidentemente, por esse contexto político. Pretende-se compreender melhor certas materialidades urbanas, em constante evolução, a partir da atuação de determinados promotores imobiliários, gestores públicos competentes e de outras parcelas da população. Existem inúmeras questões implícitas na produção de edifícios de apartamentos, que são propostas por empresários que incorporam edifícios, que são analisadas e validadas por órgãos públicos competentes e que impactam o cotidiano de milhões de pessoas. O que se propõe aqui é uma reflexão sobre questões contextuais, implícitas nessa produção imobiliária, vista à luz de aspectos da política habitacional e urbana das cidades estudadas.

“O Executivo do Estado Moderno é apenas um comitê para gerenciar os negócios comuns

do conjunto da burguesia”. Karl Marx e Friedrich Engels96, no século XIX, no prenúncio da

burguesia moderna, nessa frase decerto simplista, já entreviam um inevitável conflito de interesses, muitas vezes insuperável, entre gestores públicos e empresários privados. A sociedade civil como um todo não participa das decisões políticas cotidianas de maneira equilibrada ou igualitária. A política é resultante de uma série de conflitos e negociações permanentes que, no ambiente do mercado imobiliário estudado por esse trabalho, quase sempre desfavorece parcelas não vinculadas aos grupos econômicos mais importantes. Por exemplo, os principais promotores imobiliários, os que mais constroem edifícios de apartamentos, quase sempre, influenciam mais a política habitacional e urbana pública do que a sociedade civil organizada, principalmente se considerada a população economicamente mais pobre, não vinculada, obviamente, a esses grupos econômicos. Isso pode gerar impactos urbanos negativos e dificilmente reversíveis. O discurso estruturado nesse capítulo expõe esse conflito.

Esse capítulo se remete principalmente as ações de três agentes: „população‟, „Estado‟, „empresários‟. É a partir da relação estabelecida entre eles que a política interferente no meio urbano se concretiza. O estudo de seus interesses é fundamental para a compreensão das materialidades urbanas mais relevantes da metrópole brasileira contemporânea. Essa é uma abordagem que se repete em toda „Parte 1‟ dessa tese de doutorado: entender que os produtos estudados são conformados a partir dos processos imobiliários que os engendram. Portanto, a ação de determinados agentes que participam direta ou indiretamente desses processos interfere nos resultados obtidos. Porém, é preciso ponderar que não se pretende definir os mais diversos

96 MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Manifesto of the Communit Party. Moscow, 1952, p. 44. In: HARVEY,

90 significados que esses termos podem adquirir quando utilizados para entender a sociedade. „População‟, „Estado‟ e „empresários‟ têm acepções restritas nesse capítulo.

Quando se menciona „população‟, entende-se aqui pessoas que não estão vinculadas diretamente a grandes grupos econômicos capitalistas, entre diretores e presidentes de importantes empresas, nem representam seus interesses. O dono de uma incorporadora imobiliária seria exemplo de uma pessoa ligada a tais grupos economicamente mais relevantes. Esses grupos econômicos seriam, evidentemente, os do setor imobiliário, como incorporadores, construtores e empreiteiros. Portanto, nos termos colocados, quando se menciona, por exemplo, que a „população‟ se coloca a favor ou contra determinado empreendimento imobiliário, tratam-se de pessoas que não participaram da produção desse empreendimento, nem se beneficiaram economicamente com os lucros oriundos dele. Porém, apesar de não terem participado de sua produção, essas pessoas eventualmente sofrem impactos diretos e indiretos gerados por esse empreendimento, que passa a interferir em seu cotidiano. Daí a importância da „população‟ se manifestar, de forma organizada ou não, pois o entendimento que se tem é que a verticalização urbana impacta, em alguma medida, todos os moradores da cidade. Um conselho urbano municipal seria, por exemplo, como se verá, uma instância onde essa „população‟ poderia se manifestar sobre negócios imobiliários privados.

Quando se menciona „empresários‟, entende-se aqui empresários ligados ao setor da construção civil, especialmente os incorporadoras imobiliários. Desse grupo de incorporadores, os mais relevantes para essa pesquisa de doutorado são os principais, os que mais produzem empreendimentos imobiliários, os que mais constroem edifícios de apartamentos e os que mais impactam a paisagem das cidades. Por exemplo, incorporadores que abriram seu capital na Bolsa de Valores, adquiriram outras incorporadoras e criaram grandes conglomerados econômicos. Esses costumam atuar em dezenas de Estados e centenas de cidades e constroem milhares de unidades habitacionais por ano. Portanto, nos termos colocados, quando se menciona que os „empresários‟ interferem em determinados encaminhamentos da gestão pública das cidades, não está se referindo, obviamente, a todos os empresários da cidade que trabalham na iniciativa privada local.

Quando se menciona „Estado‟, entende-se aqui certos gestores públicos competentes, atuantes no Legislativo ou no Executivo, nos três níveis de Governo: municipal, estadual e federal. Ocupantes de cargos eletivos ou não, representam o „Estado‟ em questões sobre materialidades urbanas: elaboração ou atualização do Plano Diretor, criação de políticas públicas voltadas para moradia, com ou sem a participação de „empresários‟ (nos termos acima mencionados), planejamento territorial e intervenções urbanas de um modo geral. São os agentes que estabelecem regulamentações de toda ordem e que aprovam ou reprovam intervenções edilícias ou urbanas propostas por „empresários‟ do setor imobiliário. Nesse contexto, é imprescindível

91 incluir políticos corruptos eleitos democraticamente, que recebem significativas doações, lícitas ou ilícitas de empresários de incorporadoras, de empreiteiras e de construtoras em suas respectivas campanhas eleitorais. Eles costumam ser coniventes com solicitações criminosas desses mesmos empresários sobre desregulamentações e flexibilizações que ampliam os lucros imobiliários de empreendimentos privados.