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1.3.3 Os lagos dos parques goianos não refletem só os edifícios à sua volta O parque urbano é um dos atributos mais valorizados na paisagem da cidade de Goiânia.

A quantidade de edifícios de apartamentos construídos ao redor dos parques indica o privilégio de morar nas proximidades, mas pressupõe também a valorização fundiária das imediações e uma atuação marcante de promotores imobiliários privados atuantes no mercado formal. Um dos parques mais conhecidos é o Flamboyant231, localizado em bairro habitado por famílias de renda

mais alta: quanto mais próximo do parque, mais luxuosos são os prédios e, evidentemente, mais caras são as unidades e mais ricas são as famílias. O processo de verticalização do bairro Jardim Goiás, onde fica o Flamboyant, foi um dos mais intensos nos anos 2000. Praticamente toda a volta desse parque é cercada por edifícios com apartamentos luxuosos, cujas unidades muitas vezes ultrapassam o milhão de reais232.

Três questões relevantes foram apresentadas no parágrafo anterior, que evidenciam a qualidade dos parques: 1. A valorização das áreas verdes para a cidade de Goiânia; 2. A ocupação do entorno dos parques urbanos por classes de renda mais alta; 3. A ação intensa do mercado imobiliário formal nessas regiões com parques. Relevante para as discussões desse

231 A quantidade de parques urbanos em Goiânia também chama a atenção, número muito maior do que a

média das outras cidades estudadas: parque dos Buritis, parque Lago das Rosas, parque Jardim Botânico, parque Areião, parque Botafogo, parque Cascavel, parque Vaca Brava, etc.. Alguns parques, inclusive, já estavam previstos no plano piloto original da cidade, em 1933. A valorização dessas áreas verdes, portanto, já estava prevista desde a fundação da cidade.

232 Um exemplo é um edifício chamado Diamond Life Style, incorporado pela paulistana Cyrela, autor do

projeto arquitetônico desconhecido. Os apartamentos quatro suítes variam entre 326 e 530 metros quadrados. Uma das unidades é vendida no website da empresa por cerca de 2,27 milhões de reais. Disponível em: http://www.cyrela.com.br/imovel/diamond-lifestyle-apartamento-jardim-goias-goiania- go#secao-o-imovel. Acesso em: 8 abril 2014.

166 tópico é entender em qual ordem temporal essas questões ocorrem. O mais óbvio seria imaginar que as áreas verdes se valorizam cada vez mais, gerando o interesse da população em morar mais próximo dos parques e usufruir de seus benefícios, alavancando, por fim, empreendimentos imobiliários privados. O que se nota em Goiânia, no entanto, é uma inversão dessa ordem.

Figura 20: Parque Flamboyant. Localização: jardim Goiás, Goiânia, Goiás (fonte: autor).

O arquiteto Frederico Rabelo (informação verbal)233, professor da Universidade Federal de

Goiás234, afirma que o parque Flamboyant, inaugurado em 2007235, foi um empreendimento

233 RABELO, Frederico. Depoimento. Entrevistador: Felipe Anitelli. Goiânia: Espaço Planejamento Arquitetura Consultoria, 2013.

234 Rabelo também é autor de diversos projetos de edifícios de apartamentos construídos recentemente em

Goiânia e em Palmas (TO).

235 Disponível em:

http://www.goiania.go.gov.br/html/principal/goiania/parquesebosques/parquemunflamboyant.shtml. Acesso em: 12 março 2015.

167 privado, ou seja, alguns empresários do ramo da construção civil, notadamente construtoras e incorporadoras, financiaram sua construção e partilharam seus gastos. A cidade tem vários outros parques nessas condições, viabilizados e construídos a partir de investimentos privados. O entorno de todos eles foi posteriormente ocupado com edifícios de apartamentos incorporados por agentes do próprio mercado imobiliário, tal como ocorreu no parque Flamboyant. A construção desses parques alavancariam comercialmente os negócios privados futuros e potencializariam os lucros imobiliários. Em outras palavras, o aporte de capital inicial, direcionado para a implantação do parque seria, posteriormente, convertido em maiores possibilidades de negócios imobiliários. Como essas regiões, sem os parques, não tinham atrativos paisagísticos suficientes para atrair investimentos do mercado, a construção dessas áreas de lazer viabilizam esses empreendimentos e ampliam territorialmente as possibilidades de ação do incorporador sobre a cidade, ao se transformarem num fator fundamental desse tipo operação imobiliária. Portanto, os parques urbanos valorizam comercialmente as proximidades. Segundo a prefeitura da cidade, o parque Flamboyant “trata-se do mais novo cartão postal de Goiânia”236. Um estudo do Conselho

de Arquitetura e Urbanismo de Goiás confirma a valorização da área: “as quadras lindeiras a área

do Parque, anteriormente ocupadas com edificações de caráter residencial entre um e três pavimentos, hoje estão totalmente ocupadas por edifícios luxuosos de múltiplos pavimentos que chegam a apresentar mais de trinta andares”237.

Em Goiânia, algumas das glebas que deram origens a parques eram privadas. A área do próprio parque Flamboyant pertencia a uma entidade chamada Automóvel Clube de Goiás238.

Portanto, em princípio, é possível afirmar que se trata de uma operação imobiliária realizada em propriedade privada e que, por isso, os empresários teriam relativa autonomia para construir os parques de acordo com seus interesses e produzir “edifícios luxuosos” de acordo com sua demanda. O que essa pesquisa de doutorado procura questionar é esse modelo de planejar a cidade. Quando apenas o mercado urbaniza uma determinada área, ele infere apenas o quanto essa ação repercutiria em seus próprios negócios. A ação do empresário não é holística e seu planejamento não contempla toda a população, mas apenas os que são consumidores dos produtos que ele decide produzir na área. Por outro lado, se o Governo permitir cada vez mais que apenas a iniciativa privada construa os parques, é provável que a moradia da população mais pobre esteja sempre longe dessas áreas de lazer, pois o mercado imobiliário não teria interesse em atender esse público, nem construir moradias para eles próximas dos parques. Nessas

236 Disponível em:

http://www.goiania.go.gov.br/html/principal/goiania/parquesebosques/parquemunflamboyant.shtml. Acesso em: 8 abril 2014.

237 Disponível em: http://www.caugo.org.br/wp-content/uploads/2013/06/4-Parque-Flamboyant.pdf. Acesso

em: 8 abril 2014.

238 Disponível em: http://www.caugo.org.br/wp-content/uploads/2013/06/4-Parque-Flamboyant.pdf. Acesso

168 circunstâncias, a moradia seria mais considerada como uma mera mercadoria e o morador seria mais considerado apenas como um consumidor. Novamente, é possível observar que grandes parcelas da população são consideradas apenas como objeto da ação de determinados agentes imobiliários e não como sujeitos dessa ação. Outro exemplo de parque construído com recursos privados é o Leolídio di Ramos Caiado, localizado no bairro Goiânia Dois. A incorporadora Tropical adquiriu glebas nesse bairro através da compra de parte da massa falida da Encol. Nota- se que a valorização da região pela implantação do parque é exposta pela própria empresa:

com o apoio dos gestores públicos, a empresa agregou novos valores ambientais e estruturais à expansão da região Noroeste, promovendo, assim, o bem-estar social e garantindo sustentabilidade aos seus investimentos e projetos urbanísticos239.

É certo que a Tropical não adquiriu essa área apenas para requalificar o ambiente natural da região. Como importante incorporadora da cidade, é provável que a empresa construa uma série de edifícios de apartamentos nas imediações, posteriormente à implantação do parque. Pela maneira como esse parque foi concebido, sua inauguração serviria para maximizar enormemente os lucros imobiliários advindo das futuras vendas das unidades habitacionais. Vendas que seriam monopolizadas pela própria Tropical, visto que toda a gleba ao redor foi adquirida por ela. Pela distância que esse parque fica do centro da cidade, cerca de 7 quilômetros, é claro que ele será apropriado principalmente pelos consumidores dos produtos imobiliários realizados pela Tropical nas proximidades e não pelo restante da população da cidade. Aqui, novamente, a visão holística do planejamento urbano é comprometida. A determinação de onde construir um parque, com quais características e dimensões, além de quando ele seria inaugurado, são, aqui, questões estritamente privadas, decididas convenientemente pela Tropical, de acordo com seus próprios interesses. O Governo local não tem nenhum conhecimento ou controle sobre esses processos decisórios, e o restante da população, igualmente, não tem qualquer instância adequada para opinar sobre isso. Nesse contexto, o planejamento urbano não teria mais competência para determinar equipamentos públicos voltados ao lazer, como os parques.

239 Disponível em: www.tropicalurbanismo.com.br/empreendimentos_detalhes/63/goiania+2. Acesso em: 8

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Figura 21: Parque Leolídio di Ramos Caiado. Localização: bairro Goiânia Dois, Goiânia, Goiás (fonte:

autor).

A cidade de Goiânia tem vários bairros periféricos, inclusive verticalizados recentemente, cujas regiões são desprovidas de parques urbanos. Um exemplo é o bairro Moinho dos Ventos, nas proximidades das avenidas São Luís e Ville, na zona sudoeste da capital goiana. Ele está distante cerca de 13 quilômetros do centro e não tem parques públicos nas imediações. Apenas parques privados, inacessíveis ao público em geral, como a área verde pertencente ao condomínio fechado horizontal Jardins Madri240, no Jardim Garavelo, cujo acesso é exclusivo aos

moradores. O parque público de acesso irrestrito mais próximo dos moradores do Moinho dos Ventos é o Taquaral, distante cerca de 5 quilômetros. Além disso, as pessoas que queiram dirigir- se ao parque devem transpor a rodovia BR-060.

240 O empreendimento Jardins Madri foi promovido por uma empresa chamada FGR Urbanismo. Disponível

170 A ausência de parques urbanos públicos indica o desinteresse dos empresários241 em

implantar áreas verdes na região. Moinho dos Ventos é um bairro que sofre um processo de verticalização recente parecido com as transformações ocorridas no Jardim Goiás ou no Goiânia Dois, os outros bairros com parques mencionados nesse tópico. Por razões particulares e desconhecidas, empresários não construíram um parque no primeiro bairro, mas construíram parques nos dois últimos bairros. São justamente essas decisões particulares e desconhecidas que o planejamento urbano deveria evitar. A construção de um parque no Moinho dos Ventos deveria se justificar pela ausência de outros equipamentos do gênero nas proximidades. Consequentemente, a construção de um parque no Moinho dos Ventos não deveria se justificar apenas pelos interesses comerciais de certos agentes do mercado imobiliário, embora, eventualmente, a construção privada de parques públicos possa ser pertinente em alguns casos. Portanto, em qualquer circunstância, os agentes públicos competentes deveriam ser envolvidos em decisões sobre a implantação de parques urbanos, sejam eles fruto de ação pública ou privada.

Por fim, se a imprevisibilidade comercial de agentes imobiliários privados preponderam crescentemente sobre decisões dos locais em que serão implantados os parques e o Governo pouco participa dessas escolhas, o restante da população, mais ainda, é apartado dessa discussão e alienado do que é planejado em Goiânia do ponto de vista urbano. Como em todos os outros exemplos já citados242, essa alienação interfere decisivamente no significado de „cidadania‟

para a população excluída. Semelhante aos outros casos citados, das outras cidades, essa população excluída foi alienada da concepção do empreendimento, da verificação de sua pertinência, da comprovação de sua adequação sobre a área em que será implantado e, principalmente, de sua utilização, já que os parques urbanos favorecem principalmente os consumidores dos edifícios mais próximos construídos pelos mesmos agentes que implantaram o parque.