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CAPÍTULO 2 – RUMO À INTERDISCIPLINARIDADE

2.1 SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

2.1.2 A busca pelo equilíbrio

Até o presente, observou-se que a relação ser humano-natureza passa da submissão para a dominação, exigindo-se hodiernamente a percepção da necessidade de uma relação

Capítulo 2 – Rumo à interdisciplinaridade 35 harmônica que mude a postura antropocêntrica para ecocêntrica, em face dos limites do ambiente natural.

É importante frisar que, embora a percepção de uma crise ambiental esteja se consolidando nas últimas décadas, Engels, já no século XIX, ressaltava a preocupação com a mudança de postura do homem em relação à natureza:

E de facto, aprendemos todos os dias a compreender estas leis [da natureza] de uma forma mais correcta e a medir as conseqüências mais ou menos longíquas das nossas intervenções no curso normal das coisas da natureza. Principalmente depois dos enormes progressos realizados pela ciência da natureza [ciências naturais] ao longo deste século, temos a capacidade para conhecer também a conseqüências naturais longínquas, pelo menos das nossas acções mais correntes no domínio da produção, e portanto, para aprender a dominá-las. E quanto mais caminharmos nesta via mais sentiremos e melhor saberemos que nós e a natureza formamos um todo, e mais impossível se tornará a idéia absurdo e contra-natura [antinatural] de uma oposição entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o corpo, idéia divulgada na Europa a seguir ao declínio da antigüidade clássica e que conheceu com o cristianismo o seu desenvolvimento mais elaborado (1979, p. 183, sic).

Após a revolução industrial, a exploração do planeta começou a avançar em proporções nunca antes vistas. Tais dimensões aceleraram e tomaram escala global depois da Segunda Guerra Mundial, provocando, primeiramente, em setores da comunidade científica e, posteriormente, na opinião pública, preocupações com os efeitos negativos da interferência do ser humano no meio ambiente.

Isso é resultado direto da expansão de um sistema em escala global direcionado para o crescimento econômico ilimitado que se choca com a capacidade do planeta fornecer recursos naturais e absorver os resíduos resultantes do processo de produção e de consumo.

Essa mudança de percepção que vem ocorrendo nas últimas décadas passa a ser sentida principalmente pelos efeitos adversos dessa interferência antrópica em escala global, agravada pelo crescimento populacional acelerado, concretizada pelo esgotamento dos recursos naturais e pelos estilos de vida, hábitos de consumo perdulários e sistemas de produção poluentes. Fatos graves lesivos ao meio ambiente foram importantes para chamar a atenção da opinião pública, como, por exemplo, a contaminação por mercúrio da baía de Minamata no Japão (1930); as consequências, nos anos 60, do uso do DDT, retratadas na obra Silent Spring de Rachel Carson, impulsionando a criação da primeira agência de proteção ambiental (EPA). Mais recentemente, pelo acidente nuclear da usina de Shernobyl, na Ucrânia (1986); pela destruição da camada de ozônio (objeto do protocolo de Montreal em 1987) e, hoje, ainda polêmico, mas muito discutido na mídia e na comunidade científica, pelo

Capítulo 2 – Rumo à interdisciplinaridade 36 agravamento do aquecimento global em função da produção antrópica de gases do efeito estufa (GUNN, 2008; IPCC, 2007; UNEP, 2008).

Esses eventos, por suas consequências percebidas, geraram, a partir da década de 60, a criação do World Wide Fund for Nature (WWF), do Clube de Roma e, nos anos 70, a publicação do relatório Meadows dos limites do crescimento material e a instituição do Greenpeace, dentre outras reações importantes do poder público e da sociedade civil (CAMARGO, 2007).

Paralelamente, até a década de 70, foram formando-se correntes ambientalistas, dentre as quais se destacam: conservacionistas, que pregam o uso racional dos recursos ambientais; preservacionistas, que buscam a total ausência de interferência antrópica na natureza; ecologia profunda (deep ecology), com enfoque biocêntrico; ecologia social, com bases anarquistas e utópicas; eco-socialismo/marxismo, agregando à teoria marxista as forças produtivas da natureza, ou seja, a infra-estrutura não seria formada somente pelas forças de produção do trabalho e a relações sociais de produção, mas também pelas forças produtivas da natureza (DIEGUES, 1996).

No entanto, o ponto divisor de águas foi a realização, na Suécia, da Conferência das Nações Unidades sobre Direitos Humanos e, em 1972, conhecida como Conferência de Estocolmo. Nesta ocasião, dentre vários atos simbólicos, como a criação do dia mundial do meio ambiente, em 5 de junho, foram discutidas concretamente as limitações do desenvolvimento econômico, esbarráveis nas dificuldades de se internalizarem os custos ambientais nos processos econômicos. Leff (2008), ao se referir à importância desse evento, assinala que:

Naquele momento é que foram assinalados os limites da racionalidade econômica e os desafios da degradação ambiental ao projeto civilizatório da modernidade. A escassez, alicerce da teoria e prática econômica, converteu-se numa escassez global que já não se resolve mediante o progresso técnico, pela substituição de recursos escassos por outros mais abundantes ou pelo aproveitamento de espaços não saturados para o depósito dos rejeitos gerados pelo crescimento desenfreado da produção (2008, p. 16-17).

Reconhece-se, entretanto que, embora a Conferência de Estocolmo tenha sido prejudicada pelos obstáculos causados em função da polarização entre países desenvolvidos, por um lado, com problemas gerados pela excessiva afluência, estabelecendo estilos de vida e padrões de consumo insustentáveis e, de outro lado, os países em desenvolvimento, com processos poluentes agravados pelas desigualdades sócioeconômicas, cada um destes eixos

Capítulo 2 – Rumo à interdisciplinaridade 37 com objetivos distintos (obstáculos que obviamente sempre existiram e que continuam interferindo na busca de alternativas até os dias atuais), tal evento histórico foi importante por estabelecer oficialmente o reconhecimento da crise ambiental, acarretando a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) que, através do Conselho Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), nos anos de 1984 a 1987, elaborou o importante relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido como relatório Brundtland.

Sobre a polarização acima referida aduz Sachs:

Nessas, condições, é natural que o Norte e o Sul cheguem à Eco-92 com pontos de vistas diferentes. Embora reconhecendo a ligação entre meio ambiente e desenvolvimento, o Norte insiste nos riscos ambientais globais e na responsabilidade compartilhada para tratá-los. O Sul, ao contrario, prioriza a agenda do desenvolvimento, alertando contra a imposição, por razões ligadas à crise ambiental, de novas condicionalidades sobre suas economias endividadas e carentes de recursos (SACHS, 2007a, p. 176).